Autor(es): David Wessel | The Wall
Street Journal
Valor Econômico - 03/01/2012
Nos últimos três anos, o mundo foi abalado por terremotos econômicos
com epicentros nos países ricos da Europa, nos Estados Unidos e
(literalmente) no Japão.
Os efeitos, é óbvio, atrapalharão o crescimento global por algum
tempo. Menos óbvio é como essa crise vai alterar as estratégias
econômicas na China, Índia, Brasil e outros países emergentes com forte
crescimento.
Será que esses países não se importarão? Ou será que a crise os
levará a se afastar dos mercados em troca de um controle governamental
mais forte? Será que eles desenvolverão uma nova forma de capitalismo -
o consenso de Pequim, talvez - que se tornará um modelo para os
demais? Existe alguma alternativa bem definida?
Há muito ceticismo nos mercados emergentes, além de um certo
gostinho pela desgraça alheia. "O velho paradigma em que os caras
inteligentes da Europa e EUA nos passam sermão, apontam o dedo para nós
e dizem: "Isto é o que você fez de errado" - isso acabou", diz Rajiv
Kumar, economista formado pela Universidade de Oxford e secretário
geral da Federação da Câmera de Comércio e Indústria da Índia.
A crise financeira global revelou os defeitos do capitalismo à moda
americana, a inadequação do que os britânicos apelidaram de
regulamentação financeira "leve" e a tendência do sistema de cometer
excessos periódicos. Mais recentemente, a crise da dívida europeia
colocou em evidência a tensão de um estado de bem-estar social de alto
custo, na ausência de um vigoroso crescimento econômico que o financie.
O modelo americano continua em apuros três anos depois que as
autoridades deixaram o banco Lehman Brothers quebrar. Bilhões de
dólares dormem ociosos nos cofres de empresas, enquanto milhões de
trabalhadores permanecem há mais de um ano desempregados. O mercado
imobiliário continua aos cacos. A paralisia política na área fiscal
compromete as autoridades econômicas nos EUA. Tudo isso e outras coisas
enfraqueceram o principal argumento em favor do modelo econômico
americano: o de que ele funciona.
Alguns anos atrás, quando Henry Paulson ainda era o secretário do
tesouro americano, o vice-premier chinês, Wang Qishan, deu-lhe uma
espetada. "Hank, eu antigamente escutava você. Você era o meu
professor", lembra Paulson, que visitou a China várias vezes quando
estava à frente do Goldman Sachs. "Talvez agora o meu professor não
pareça tão inteligente, depois dos erros que cometeu."
Paulson hoje acrescenta: "Nós demos à China um modelo falho."
O modelo europeu também não oferece lá muita coisa. Num dos momentos
mais reveladores de 2011, Klaus Regling, o chefe do resgate na zona
europeia, foi enviado em busca de dinheiro - não a Washington mas a
Pequim. A missão não deu resultado, mas causou explosões de desdém de
alguns na China com as falhas do modelo europeu.
Jin Liqun, diretor do conselho supervisor do fundo da riqueza
soberana chinês, o China Investment Corp., chamou a Europa de "uma
sociedade de bem-estar desgastada", numa entrevista à TV Al Jazeera em
novembro.
"As leis trabalhistas geram preguiça e indolência em vez de trabalho
duro", ele disse. "O sistema de incentivos é totalmente fora de
esquadro. Por que [...] alguns povos [da zona do euro] têm que
trabalhar até os 65, às vezes mais, enquanto em outros países eles se
aposentam alegremente aos 55 e vão relaxar na praia? Isso não é justo."
"O sistema de bem-estar social é bom para uma sociedade [...] quando
ajuda aqueles em desvantagem a desfrutar de uma vida melhor", disse
ele. "Mas a sociedade de bem-estar não deveria induzir as pessoas a não
trabalhar".
O modelo japonês voltado à exportação, antigamente tão invejado por
quase todo o mundo, hoje em dia foi em grande parte descartado,
consequência de uma década de lutas para reavivar o crescimento.
Junte-se a isso o golpe do desastre nuclear de Fukushima Daiichi,
deflagrado em março passado por um tsunami e um terremoto, e a
reputação dos japoneses competentes e eficientes foi abalada.
Mas há alguma alternativa bem articulada para o capitalismo praticado
nos países ricos?
Ainda não, diz Joseph Nye, um cientista político da Universidade de
Harvard que acompanhou a evolução dos centros globais de poder. "Não é
como na Guerra Fria, em que havia uma ideologia alternativa - o
comunismo - ou os anos 30, em que havia dois adversários, o comunismo e
o fascismo."
Afinal, a maioria dos atuais mercados emergentes está adotando o
capitalismo global e suas instituições. A Rússia está prestes a entrar
para a Organização Mundial do Comércio, o clube do livre comércio. A
China ambiciona ter um papel maior, e não menor, no Fundo Monetário
Internacional, o que as economias de mercado têm de mais parecido com um
banco central mundial.
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, diz que a
receptividade da China aos mercados implica em que é mais fácil
construir uma rodovia privada em Chongqing que no Estado americano da
Pensilvânia.
"Todo mundo que criticou o sistema durante a época da bolha está
sendo justificado. E a verdade é que muitas coisas ruins aconteceram",
diz o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que hoje dirige uma
firma de participações. "Mas muito do que as pessoas dizem é falso.
Existe o perigo de o pêndulo oscilar muito longe na direção errada",
disse ele, referindo-se à tentação de mercados emergentes de retornar a
um controle maior do governo sobre a economia.
Ainda assim, se os mercados emergentes divergirem da rota
EUA-Japão-Europa, isso pode ser um momento decisivo. Aqueles que
ponderam as rotas que os mercados emergentes podem tomar se dividem,
basicamente, em três correntes.
Um grupo vê os mercados emergentes movendo-se numa direção nova,
inspirados talvez pelo notável surto de crescimento da China e pela sua
mistura de controle governamental e forças de mercado.
Justin Yifu Lin, ecomista-chefe do Banco Mundial, recorda num livro
recente o "ceticismo generalizado nos círculos acadêmicos
internacionais", quando a China implantou, no final dos anos 70,
reformas que protegiam grandes empresas estatais nos "setores
tradicionais", ao mesmo tempo em que criavam empreendimentos privados
em "novos setores de mão-de-obra intensiva". Segundo essa visão da
história, outros países em desenvolvimento seguiram o "Consenso de
Washington" ao desmontar toda e qualquer restrição aos mercados - "e
acabaram com suas economias em colapso e estagnadas no longo prazo".
Li, ao mesmo tempo em que reconhece problemas no crescimento chinês,
argumenta que, em geral, "as oportunidades e desafios que os países
desenvolvidos encaram são diferentes daqueles dos países em
desenvolvimento". China, Índia e outros países com grande oferta de
mão-de-obra devem adotar estratégias econômicas diferentes daquelas
adotadas por outros, um argumento que reforça a ênfase chinesa em
promover investimento em vez de consumo e em exportar para criar
empregos.
Mas à medida que surgem rachaduras na história de sucesso chinesa -
rebeliões aqui e ali, casos espetaculares de corrupção, acidentes com
trens de alta velocidade - parte do brilho se dissipou. De fato,
François Godement, um francês especializado na Ásia, descreve a China
como dividida entre versões rivais do seu próprio modelo: de um lado o
crescimento na cadeia tecnológica de valor, a qual ele chama de modelo
Cantão, baseado na próspera província costeira; de outro, o experimento
de Chongking no centro da China, que é marcado por pesados subsídios.
Uma segunda corrente sustenta que os mercados emergentes não vão
prosperar rejeitando o capitalismo ocidental, mas sim executando-o
melhor, talvez encontrando uma maneira de frear a sua tendência a
excessos financeiros, ao mesmo tempo preservando a eficiência dos
mercados.
"A América Latina já tentou diversos modelos", diz Liliana
Rojas-Suarez, uma economista de origem peruana que hoje dirige o Centro
para o Desenvolvimento Global, um centro de estudos de Washington.
"Esse modelo" - mercado, empreendimento privado, políticas
macroeconômicas ortodoxas - "está funcionando para eles".
Rojas-Suarez aponta o presidente peruano de centro-esquerda, Ollanta
Humala, como um exemplo do segundo modelo. Ela observa que, apesar de
alguma retórica de campanha, Humala não se desviou muito do curso de
governo anterior. Afinal, a economia peruana cresceu robustos 8,8% em
2010 e a previsão de crescimento para 2011 é de 6,7%. "O custo para um
governo de esquerda de mudar o que é, até agora, visto como sucesso é
muito grande", diz ela.
Ernesto Zedillo, o ex-presidente do México, atualmente professor da
Universidade de Yale, afirma que a Europa não enxergou o que os
mexicanos entendem sobre como responder à crise econômica. "A América
Latina, depois de tantos anos, aprendeu suas lições", disse ele. "Nos
anos 80, quando nós nos comportávamos como os eurpeus fazem hoje,
sempre ficávamos para trás." Nos anos 90, diz ele, já não foi assim.
A conclusão a que ele chegou, e vem repetindo desde então: mercados
reagem exageradamente, então as políticas de governo têm de reagir com
exagero ainda maior. Países ricos não aprenderam essa lição, diz ele,
atacando a "lentidão, a parcimônia, a hesitação, o conflito político
observado na Europa e nos EUA."
Um terceiro grupo vê o que Zoellick, do Banco Mundial, chama de
"pragmatismo implacável", uma busca por resultados quase desprovida de
qualquer ideologia.
Nessa linha, Olivier Blanchard, um professor francês do Instituto
Tecnológico de Massachusetts, o MIT, e hoje economista-chefe do FMI,
diz: "Se eu fosse um jovem país emergente, o meu moto seria: vá
devagar."
Ele aconselha esses países a desenvolver lentamente sistemas
financeiros modernos, adotando somente aquelas inovações que
funcionaram em outros lugares, e derrubando as barreiras para
investimentos estrangeiros apenas gradualmente. E ele desenvolveria com
cuidado regras para o mercado de trabalho para evitar a esclerose que
infecta algumas economias ricas. "As instituições têm vida própria",
diz ele.
Das suas viagens ao redor do mundo, Zoellick conclui: "As pessoas
estão buscando por aquilo que funciona. Foi muito importante ter um
modelo que começou funcionando no Japão, na Coreia, em Taiwan e depois
se espalhou para outros países no sudeste asiático e para a China."
Será que os mercados emergentes concluíram que os modelos americano e
europeu não funcionam? "Ainda não, mas pode acontecer", diz ele. Vai
depender de os EUA, a Europa e o Japão resolverem ou não os seus
problemas nos próximos anos.
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