quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Analistas criticam mudança silenciosa do IPCA e preveem inflação menor

Autor(es): DANIELA AMORIM
O Estado de S. Paulo - 30/11/2011

IBGE não divulgou a mudança no cálculo do indicador com aviso prévio; aposta para inflação em 2012 já é 0,3 ponto porcentual menor
A reação imediata do mercado de juros futuros - quando algumas corretoras tomaram conhecimento, na segunda-feira, ainda com a Bolsa de Valores em operação, das mudanças na metodologia de cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - provocou ontem uma saraivada de críticas de analistas ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O IBGE divulgou a mudança do peso de determinados itens sem aviso prévio, o que pode ter beneficiado agentes que perceberam antes a nota técnica, divulgada no site da instituição. Economistas de instituições financeiras revisaram para baixo a inflação prevista para 2012 em cerca de 0,3 ponto porcentual. "Na verdade, quando saiu isso (mudança de pesos), o IBGE não anunciou. Deixou bem escondidinho no site. Então, aquele que foi sagaz conseguiu pegar primeiro e fazer a sua movimentação no mercado de juros", lamentou a economista-chefe da corretora Icap Brasil, Inês Filipa.
A Icap reviu sua projeção para o IPCA de 5,43% para 5,19% em 2012, um corte de 0,24 ponto porcentual. "É bem significativo se você refaz a conta e acha uma revisão de 0,50 ponto ou 0,35 ponto. É bastante importante para a inflação no ano que vem", ressaltou Inês.
Na avaliação do economista-chefe da Concórdia Corretora, Flávio Combat, a reação imediata do mercado futuro à divulgação dos novos pesos do IPCA é comum, mas a curva de juros tende a ser corrigida após a divulgação da decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central sobre a nova taxa básica de juros, a Selic. No entanto, o economista acha que o IBGE deveria ter mais cuidado com a publicação de dados.
"É uma informação que tem de ser tratada com mais rigor", afirmou Combat. "É um assunto a ser investigado. Eu não sei a quem competiria essa investigação, mas não deveria ser conduzida internamente, para dar credibilidade. Se, a todo momento, você tem essas pequenas falhas, pode colocar a credibilidade do instituto em jogo."
A Concórdia reduziu em 0,3 ponto porcentual sua projeção para o IPCA em 2012, que passou de 5,5% para 5,2% após a divulgação dos novos pesos na inflação.
A economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria Integrada, acredita que profissionais que possam estar atentos para falhas na divulgação de indicadores do IBGE podem se beneficiar dessas informações. "Eu acho que é bem ruim essa deterioração da qualidade do IBGE com relação às publicações", lamentou a economista da Tendências, que calculou um impacto de -0,35 ponto porcentual no IPCA em 2012, após a revisão. A Tendências, que já previa uma influência negativa de 0,20 ponto na inflação com a nova metodologia, reduziu de 5,60% para 5,45% a projeção para o IPCA no ano que vem.
Já para o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há um exagero em torno da importância da mudança na metodologia do IPCA.
"O impacto dessa mudança é tão pequeno e transitório, que não acho que seja suficiente para gerar ganhos, benefícios, e mexer tanto com o mercado financeiro. O mercado financeiro tem de sair um pouco dessa histeria do curto prazo e começar a olhar mais os fundamentos macroeconômicos", opinou Langoni.

Cenários de contágio da crise no Brasil

Cristiano Romero
Valor Econômico - 30/11/2011

Há pelo menos dois canais de transmissão que, diante de um agravamento da crise financeira internacional, poderão afetar a economia brasileira com mais força: a reversão dos fluxos de capitais, com impacto negativo na oferta de crédito; e a piora dos termos de troca, isto é, da relação entre os preços das exportações e os das importações. Tendo sido um dos maiores beneficiários tanto da liquidez internacional quanto do comércio exterior nos anos recentes, o Brasil tende a ser fortemente afetado pela crise que se anuncia.
Se por um lado apresenta vulnerabilidades, por outro o Brasil tem amplo espaço para reagir. Dispõe de posição fiscal confortável; colchão de liquidez (volume de depósitos compulsórios no Banco Central) superior a R$ 400 bilhões; reservas cambiais de US$ 350 bilhões; espaço para reduzir juros.
O economista Tony Volpon, da Nomura Securities, identifica dois tipos possíveis de choque: um em forma de V, em que a situação piora, mas melhora rapidamente devido a uma reação agressiva por parte do governo; e outro em forma de L, em que, por causa de fatores estruturais (por exemplo: restrição fiscal ou monetária), não há melhora imediata nos fatores exógenos que impulsionam a crise.
Choque pode ser "curto e rápido" ou uma "queima lenta"
Volpon batizou o primeiro tipo de choque de "quick and short" (rápido e curto) e o segundo, de "slow burn" (queima lenta). Para estimar seus efeitos, ele desenvolveu uma versão do modelo semiestrutural da economia brasileira, recentemente publicado pelo Banco Central (BC), modificando-o para introduzir variáveis exógenas.
As variáveis escolhidas foram: o VIX, índice de volatilidade do indicador S&P 500, também conhecido como "índice do medo" ou "medidor do medo", por refletir expectativas do mercado de ações para os 30 dias seguintes; os índices CRB metal e CRB alimentos, que refletem a variação dos preços de commodities; o índice S&P 500; e o nível dos CDS (Credit Default Swap) de cinco anos do Brasil. Os indicadores permitem simular os efeitos de quaisquer choques globais e capturar os mecanismos de transmissão (comércio, finanças, confiança dos empresários) que eles podem ter sobre o PIB brasileiro.
O economista da Nomura está entre os que acreditam que o BC, ao começar a reduzir a taxa básica de juros (Selic) em agosto, com as expectativas de inflação acima da meta de 4,5%, mudou o regime. Ele aposta que o governo Dilma trabalha com uma meta de crescimento. Por isso, no modelo de estimativa do impacto da crise, Volpon trabalha com a ideia de que o BC reduzirá a Selic para maximizar o crescimento do PIB, ainda que mantendo a inflação, ao fim do período (2013), abaixo de 6%.
Rodado o modelo, Volpon concluiu que, se o choque de 2012 for 100% equivalente ao de 2008, o Brasil crescerá 1,9% em 2012 e apenas 0,6% em 2013. Na hipótese de o choque ter impacto equivalente a 25% do que teve o de 2008, cenário considerado pelo BC, a economia crescerá 3,3% no ano que vem e 3% no ano seguinte. Tudo isso ocorreria sob um choque do tipo "queima lenta", sem a ocorrência de recessão.
Na hipótese de um choque "curto e rápido", haveria recessão em 2012, com contração de 0,9% do PIB, seguido de uma forte recuperação em 2013 (alta do PIB de 5,2%). Nesse caso, a taxa de investimento cairia 21,5%, em termos anualizados, no terceiro trimestre de 2012. No cenário anterior ("queima lenta"), o investimento sofreria redução crescente e consecutiva até 2013.
Em todas as simulações, as exportações brasileiras sofreriam impactos preocupantes. Já o real sofreria forte desvalorização - o dólar iria, no segundo trimestre de 2012, a R$ 2,43, mas se recuperaria e chegaria a R$ 1,68 no fim de 2013. No cenário de "queima lenta", chegaria ao fim daquele ano em R$ 2,37, na hipótese de a crise repetir integralmente os efeitos de 2008.
No caso dos juros, a Selic cairia, num choque "curto e rápido", a 6% ao ano, mas retornaria a 9,5% no fim de 2013, com a economia em plena recuperação. Num choque de "queima lenta", a Selic cairia, até 2013, a 4% (se a crise fosse idêntica à de 2008) ou a 6%, se a encrenca se restringisse a 25% do efeito ocorrido há três anos.
Por fim, diante de um choque do tipo "queima lenta", a inflação iria a 5,18% no segundo trimestre de 2012 (no caso de um impacto de 25% de 2008) e depois começaria a subir. Se o choque fosse a 100% de 2008, o IPCA cairia a 5,02% e, então, aumentaria a partir daí. Num choque "curto e rápido", a inflação seria reduzida à meta de 4,5% no terceiro trimestre do ano que vem. Em todos os casos, as simulações mostram IPCA em torno de 5,25% ao fim de 2013.
Volpon conclui que, se o choque atual tomar a forma de uma persistente "queima lenta", o contágio da crise será enorme, mesmo com o BC adotando uma política monetária agressiva. "Dado onde a economia brasileira está neste momento, o resultado mais provável seria uma estagflação, resultado de um crescimento positivo, mas baixo, e inflação acima da meta", diz ele. Como o próprio Volpon reconhece, as simulações estão sujeitas a inúmeras ressalvas. Ainda assim, indicam que a crise não será um passeio no parque. O impacto será forte, seja qual for o cenário considerado.
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Teoria dominante versus velha escola europeia

Autor(es): Ricardo Schiller Freiburghaus
Valor Econômico - 28/11/2011

A atual teoria econômica dominante defende que, para se combater a alta do índice de preços, é preciso aumentar a taxa de juros. Contudo, se o aumento da taxa de juros leva ao aumento dos custos, como podemos baixar os preços que estão diretamente ligados a tais custos?
A teoria dominante se defende ao explicar que, se os juros ficarem altos, a demanda de crédito cairá, e, consequentemente, o consumo diminuirá, fazendo com que os estoques aumentem nas indústrias, haja menos trabalho nas empresas de serviços e a economia doméstica fique menos endividada. Em seguida, as empresas baixariam os preços de seus produtos para ter alguma receita, a fim de pagar suas contas, como salários, enfim os custos. Finalmente, concluímos que os custos das empresas não baixariam, mas, sim, as margens de lucro recuariam, proporcionando queda dos preços.
Assim, se a intenção do governo é mesmo diminuir a demanda por crédito, a única solução realmente adequada é utilizar a política de taxa de juros ou pode-se adotar uma medida diferente? Pensamos que sim: uma política de controle de crédito - diminuir a atual facilidade do crédito, sem necessidade de aumentar a taxa de juros.
A princípio, a taxa de juros é fixada em função entre demanda e oferta de poupança e investimento, mas constatamos que a realidade é outra: a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de fixar a taxa de juros é quase exclusivamente devida à variação do índice de preços, e pouco se fala da variação de poupança disponível.
A velha escola europeia dita que a taxa de juros "normal" pouco influencia na variação do índice de preços; por exemplo: na prática, quando na entressafra do etanol o preço do combustível sobe, aumentando o índice de preços, o Copom, a fim de combater o aumento, eleva a taxa de juros. Portanto, perguntamos o que os juros têm a ver com a produção de etanol?
Ao nosso entender, nada. O que se deve esclarecer é que o controle da variação do índice de preços tem de se fazer por uma gestão empresarial dos produtos que compõem o índice, do mesmo modo que uma empresa privada administra seus negócios.
No dia em que chegarmos a administrar e planejar a necessidade de produtos que compõem a cesta básica da nação Brasil, a variação do índice de preços estará sob controle. Economicamente, é difícil justificar a contínua alta dos juros no Brasil, que tem grau de investimento e, ao mesmo tempo, medida que aumenta sua dívida, obrigando a novos empréstimos para pagar um preço alto! Atualmente o Copom vem baixando os juros, mais ainda se baseando na noção do índice de preço.
As taxas de juros elevadas criam uma distorção no câmbio, anomalia que é causada pela própria política econômica do governo brasileiro, obrigando o Banco Central a impor medidas de controle de fluxo de entrada de divisas, na tentativa de trazer o câmbio para o equilíbrio de mercado. A velha escola europeia nos ensina que a moeda não tem poder sobre o preço da mercadoria e tampouco sobre o estado de trocas; então, a moeda é neutra.
Há, entretanto, as transações internacionais - como no caso do Brasil, em que parte da divisa que é trocada pelo real não é para comprar um produto brasileiro (seja físico ou serviço), mas, sim, para um ganho em rendimento. Nesse momento, se dá a origem da valorização do real, indesejada pelo resto da economia brasileira e, como é uma demanda pela moeda, sem contrapartida da produção nacional, o Banco Central intervém na compra de divisa, arcando com os custos financeiros.
Da mesma maneira que no início do Plano Real, o câmbio foi fixado de maneira arbitrária, independentemente do crescimento da produção nacional, e deve uma correção do câmbio para o equilíbrio real do mercado. Atualmente, pensamos que, no momento em que juros caírem ou houver uma reversão do fluxo de divisas, também haverá uma correção do câmbio, mas de maneira mais suave, porque o Brasil tem e paga caro o seguro para enfrentar este inevitável evento que são suas reservas de divisas.
A teoria econômica dominante nos ensina que a inflação é medida por índices de preços: quando os preços dos produtos sobem, surge a inflação. Então, podemos concluir, segundo a lógica do pensamento dessa escola econômica, que seria bom se os preços dos produtos ficassem estáveis e seria perfeito se os preços dos produtos ficassem fixos de maneira que não se alterassem no tempo; desse modo, viveríamos no mundo econômico perfeito, sem inflação nem deflação. O único problema é que não estaríamos vivendo no sistema capitalista e nem no planeta Terra.
A velha escola europeia já nos ensinou, há muito tempo, que o preço nada tem a ver com a inflação, mas, sim, com a redistribuição de riqueza entre as diferentes classes no interior da nação, que os preços refletem a dinâmica do mercado econômico e que cada país deve controlar sua cesta básica com a finalidade de manter os preços em equilíbrio e garantir um crescimento constante. Além disso, também nos ensina que a inflação é devida a um mau funcionamento do mecanismo econômico, e que tem sua origem na maneira de monetizar ou contabilizar a produção da economia, deixando bem claro que é totalmente independente da variação de preços, noção não existente na teoria dominante.
Finalmente, o que diferencia a velha escola europeia em sua análise da atual situação da política econômica brasileira? Pensamos que não é por meio da política de taxa de juros que se deve corrigir o índice de preços, e também nada tem a ver com a inflação. Seria necessário baixar a taxa de juros progressivamente, chegando a cerca de IPCA + 2%, deixar o câmbio chegar ao novo equilíbrio do mercado sem intervenção do Banco Central, controlar a política de crédito, diminuindo a facilidade de crédito ao público para compras de produtos em setores que estão aquecidos. Nossa maior divergência teórica, entretanto, é na definição da inflação.
Ricardo Schiller Freiburghaus é economista, graduado em Economia pela Universidade de Fribourg (Suíça) e pós-graduado pela Universidade de Dijon (França). Autor do livro "Inflação em Tese"

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Preço desaba e mercado de carbono fica sob risco

Autor(es): Por Javier Blas | Financial Times, de Londres
Valor Econômico - 25/11/2011

O preço dos créditos de carbono caiu para seu patamar mais baixo de todos os tempos, fazendo com que dirigentes de bancos e operadores questionassem o futuro do programa, criado pela União Europeia (UE) e pela ONU e que visa conter as emissões por meio da negociação das licenças de poluir.
A acentuada queda dos preços ocorre num momento em que várias das maiores corretoras de commodities e bancos de Wall Street reduzem significativamente sua atuação nesse mercado. "O programa de créditos de carbono não está dando resultado", disse Per Lekander, analista do banco suíço UBS, em nota a clientes.
A corretora Noble Group disse no início do mês que tinha "restringido" sua atuação no mercado de carbono e se queixou da "insuficiente liquidez do mercado" para garantir suas posições.
Em mais um indício de que as empresas estão perdendo a confiança nas perspectivas do programa, o JPMorgan vendeu sua divisão de créditos de carbono ClimateCare em agosto, embora o banco continue atuando nesse mercado.
A analistas atribuíram a queda vertical dos preços à retração da economia europeia, que deverá frear a expansão das emissões, e à iminente venda de milhões de créditos de carbono a ser realizada pelo European Investment Bank, que quer usar a renda da operação para investir em projetos "verdes".
O preço dos certificados de reduções de emissões (CER, na sigla em inglês), avalizados pela ONU e comprados pelas empresas poluidoras para neutralizar os efeitos de suas emissões de gases estufa, caíram ontem para seu nível mais baixo, a € 5,90, com queda de mais de 50% desde junho. O preço dos créditos de carbono europeus (conhecidos pela sigla em inglês EUA) negociados há seis anos, também caiu a nível recorde ontem, a € 7,80. Os preços nos EUA caíram 15% somente esta semana.
"Não prevemos melhora significativa dos preços num futuro previsível", disse Isabelle Curien, do Deutsche Bank. Trevor Sikorski, do Barclays Capital, observou: "A tendência é de queda".
O declínio dos preços das licenças poderá representar um complicador nas negociações da cúpula do clima da ONU, que terá início na semana que vem em Durban, na África do Sul. O encontro é cercado pelo temor generalizado de que os negociadores não conseguirão, mais uma vez, chegar a um acordo mundial abrangente, legalmente vinculante, para enfrentar as mudanças climáticas.
Os programas de negociação das licenças de emissão excedentes, encabeçados pela UE, enfrentam problemas desde seu lançamento. Em janeiro, as autoridades da UE disseram que "ladrões virtuais" roubaram até 30 milhões de euros em créditos de carbono do sistema de transações de emissões, obrigando as bolsas da Europa a suspender as negociações de licenças de emissão de carbono. Por outro lado, os programas receberam, mais recentemente, um impulso, depois do anúncio, pela Austrália, de um sistema de impostos sobre as empresas poluidoras, o que colocou o país em condições de deter o maior sistema de negociação de emissões fora da Europa.
O baixo preço dos créditos de carbono está levantando interrogações sobre a eficácia do programa em obrigar as empresas a adotar tecnologias mais voltadas para a preservação do meio ambiente.
"O preço [do crédito de carbono] já está baixo demais para ter qualquer impacto ambiental significativo", disse Lekander. Sua afirmação arrancou protestos da parte de lobbies que defendem o programa de créditos de carbono.
Miles Austin, diretor da Associação de Mercados e Investimentos Climáticos, disse que o programa da UE "pôs 11 mil instalações industriais europeias no caminho das baixas emissões de carbono, de acordo com o limite pactuado".

Chegou a hora de a Alemanha decidir: quanto pagará para salvar a Europa?

Autor(es): Por Sebastian Mallaby | Financial Times
Valor Econômico - 25/11/2011

Nos últimos 18 meses, a Alemanha tentou todos os truques para limitar a sua contribuição em socorros a países do euro. Isso levou os países falidos a uma austeridade autodestrutiva. A Alemanha convocou o Fundo Monetário Internacional. A Alemanha tentou passar o chapéu na China. A Alemanha descobriu um gosto improvável e fútil no sentido de alavancar o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF). Mas agora todos esses truques se esgotaram e o continente aproxima-se do abismo - tendo a própria Alemanha sofrido a humilhação de um malsucedido leilão de títulos. Chegou o momento de a Alemanha decidir de uma vez por todas: quanto pagará para salvar a Europa?
Os alemães poderão chegar à resposta sensata somente se descartarem o mito, amplamente aceito no norte da Europa, de que os países periféricos do sul são beneficiários indignos de uma caridosa união de transferência. Podemos detectar a origem desse mito: os gregos se aposentam na casa dos cinquenta anos, mentiram sobre o seu déficit orçamentário e é irritante quando exigem um socorro após outro. Mas apesar das fotografias aéreas de piscinas não tributadas em Atenas, o ressentimento do norte em relação aos sulistas preguiçosos é exagerado. A verdade é que a Alemanha colhe inúmeros benefícios da união monetária. Deveria pagar mais para salvá-la.
Partamos de um simples fato sobre as taxas de câmbio. Desde 2009, estáveis economias abertas - do Brasil à Suíça - registraram aquecidos afluxos de dinheiro e sofreram uma pressão ascendente sobre suas moedas. Se a Alemanha não tivesse adotado o euro, sua moeda teria se comportado como o franco suíço, estragando a recente festa em seu coração industrial. Entre agosto de 2009 e maio de 2011, as exportações alemãs deram um salto de 18%. Uma estimativa razoável sugere que eles teriam subido apenas 10% se a Alemanha tivesse permanecido fora do euro.
Inversamente, se a periferia europeia não tivesse aderido ao euro, suas moedas teriam caído no mesmo período. Em vez de serem impactadas por um choque financeiro e uma crise de competitividade, teriam sofrido o primeiro sem a segunda. Evidentemente, a união monetária que torna o ajuste na periferia tão excruciante é a mesma união monetária que proporcionou à Alemanha seu boom exportador. Em vez de condenar sulistas preguiçosos, os alemães devem compartilhar os benefícios.
Por meio do canal monetário, a Alemanha também beneficiou-se mais do que reconhece. Durante a primeira década do euro, as taxas de juro em toda a zona do euro caíram, aproximando-se da taxa alemã, e os países meridionais com baixa taxa de poupança pareceram beneficiados por um subsídio da nota de crédito dos nortistas, que muito poupavam. Mas, longe de ser uma benção para os periféricos, a política monetária centralizada revelou-se adequada para o cerne da UE, porém excessivamente frouxa para as economias mais atrasadas da zona do euro tendentes à inflação. Por uma ironia que os alemães, que odeiam inflação, têm dificuldade em ver, a Irlanda e a Espanha sofreram estouros de bolhas em seus mercados imobiliários e em seus setores bancários pelo menos em parte porque a política monetária foi excessivamente alemã. Em vez de tratar os perdedores com escárnio, a Alemanha deveria indenizá-los.
Depois que a crise do euro começou, a dinâmica monetária foi revertida - mas continuou favorecendo os alemães. Como emissor dos ativos de reserva remanescentes na Europa, a Alemanha beneficiou-se de uma enxurrada de afluxos de capital provenientes da periferia, baixando o rendimento dos títulos de sua dívida pública com maturação em 10 anos para cerca de 2% (ignoremos o leilão desta semana).
Compare a sorte da Alemanha com os problemas da periferia. Antes do euro, as famílias portuguesas que planejavam se aposentar em escudos poupavam em escudos. Isso criou uma base de clientes semicativa para os títulos denominados em escudos - para que o governo de Portugal pudesse se autofinanciar. Mas a chegada do euro comprometeu essa preferência doméstica dos portugueses e eliminou de Portugal seu próprio banco central. Os poupadores portugueses que querem ativos em euros podem agora comprá-los na Alemanha; e sem um emprestador de última instância para apoiá-lo, o governo de Portugal precisa remunerar os investidores amedrontados pelos riscos que assumem.
Ou seja, os alemães têm razão: a união monetária europeia envolve, efetivamente, transferências. Mas não é verdade que essas transferências fluem apenas num só sentido. A Alemanha paga com socorros e transferências intrarregionais, mas também recebe benefícios via canais comerciais e monetários. Se ao menos a Alemanha pudesse aceitar essa verdade, poderia ainda mobilizar a vontade para socorrer o euro - e salvar uma geração de esforços pela construção de uma Europa integrada. (Tradução de Sergio Blum)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Barbas de molho

Autor(es): Carlos Lessa
Valor Econômico - 24/11/2011

Sou de uma geração treinada em ler nas entrelinhas. Vivi as longas décadas de regimes ditatoriais latino-americanos e aprendi a pesquisar as intenções nos discursos oficiais. O dr. Ulysses Guimarães me ensinou que se deve prestar atenção aos silêncios nos discursos.
Percebo uma crescente preocupação da presidente Dilma com a China e suas pretensões geopolíticas e geoeconômicas. Na reunião do G-20, a presidente declarou sua preocupação com a ausência de compras chinesas de produtos industriais brasileiros (leia-se, nas entrelinhas, que o Brasil é exportador de alimentos e matérias-primas sem processamento: soja em grão, minério de ferro bruto, couro de vaca sem curtição etc). Em passado relativamente recente, exportamos geradores para a grande usina do Rio Amarelo; agora, estamos importando geradores da China. Vendemos aviões da Embraer. Bobamente, aceitamos instalar uma filial na China; os chineses clonaram a fábrica da Embraer e, hoje, competem com o avião brasileiro no mercado mundial. Esta semana, a presidência declarou sua preocupação com a tendência chinesa à aquisição de grandes glebas agrícolas no Brasil. A percepção presidencial não resolve o problema das relações Brasil-China, porém já é meio caminho andado que o poder executivo nacional tenha aquelas dimensões presentes.
O enigma chinês é fácil decifrar. O Brasil cresceu, de 1930 a 1980, 7% ao ano. Depois dessas décadas, mergulhamos na mediocridade e patinamos com uma taxa média ridícula de 2,5%. A China, nas últimas décadas, vem crescendo anualmente entre 9% e 10%. Entretanto, está em situação potencialmente pior que o Brasil. Hoje, mais de 80% da população brasileira está em áreas urbanas e 50% em metropolitanas e nem chegamos aos 200 milhões de habitantes. A China tem uma população de 1,34 bilhão, sendo que menos de 50% estão na área urbana. Como a renda média do chinês rural é um terço da do chinês urbano, é inexorável uma transferência equivalente a duas vezes a população brasileira para as cidades chinesas, nos próximos 20 anos. É fácil entender o sonho de urbanização do chinês rural. A periferia urbana das cidades chinesas já está "favelizada".
Estratégia da China combina aspectos da Inglaterra vitoriana com primazia do Japão científico-tecnológico
Sabemos que o Brasil tem uma péssima distribuição de renda e riqueza. Houve uma melhoria da participação dos salários na renda nacional, que evoluiu, desde 2000, de 34% para 39%. A elevação do poder de compra dos salários foi importante, entretanto o leque salarial se tornou mais desigual e houve pouca geração de empregos de boa qualidade. O salário médio brasileiro é muito baixo, entretanto é, por mês, igual ao limite de pobreza chinês ao ano (cerca de €150), isto é, o brasileiro pobre ganha 12 vezes mais que o chinês pobre. Nosso governo fala de uma "nova classe média" e esconde que o lucro real dos grandes bancos brasileiros cresceu 11% por ano no período FHC e 14% durante os dois mandatos do presidente Lula. Enquanto os colossais bancos chineses têm uma rentabilidade patrimonial inferior a 10%, os bancos brasileiros chegam a 20%.
É impensável o futuro demográfico chinês. No passado, cada família só podia ter um filho; agora, essa regra está sendo relaxada. A urbanização e a industrialização chinesas já comprometeram o lençol freático da China do Norte. Com restrições de água, e necessitando transferi-la cada vez mais para a sede da indústria e população urbana, a China não produzirá alimentos suficientes. Se o consumo interno da China crescer cada vez mais, haverá falta não só de água, mas também de energia fóssil e hidráulica, além de, obviamente, todo um elenco de matérias-primas.
O planejamento estratégico de longo prazo da China é para valer. O projeto geopolítico e a geoeconômico chinês está transformando a África e parte da Ásia do sudeste em fronteira fornecedora de alimentos e matérias-primas. Em busca de autossuficiência de minério de ferro, a China já está desenvolvendo as enormes reservas do Gabão. A petroleira chinesa já está nas reservas de petróleo de gás do coração da África e a ocupação econômica de Angola é prioridade diplomática e financeira da China. O extremo sul da América Latina é objeto de desejo expansionista chinês, que se propôs a fazer e operar uma nova ferrovia ligando Buenos Aires a Valparaíso, perfurando um túnel mais baixo na Cordilheira dos Andes. O Chile - com pretensão de se converter na "Singapura" do Pacífico Sul - e os interesses agro-exportadores argentinos adoram a ideia. Carne, soja, trigo, madeira, pescado e cobre estarão na periferia da China do futuro. A presidência argentina é relutante em relação a esse projeto, porém o Mercosul está sob o risco de se converter, dinamicamente, em pura retórica.
O Império do Meio, unificado pela dinastia Han (ainda antes de Cristo), atravessou séculos com Estado centralizado e burocracia profissional estruturada. No século XIX, a China balançou pela penetração da Inglaterra vitoriana; enfrentou a perfídia mercantil do ópio controlado pela Índia britânica. Sua república, no século XX, foi ameaçada pela expansão japonesa, e somente após a Segunda Guerra Mundial conseguiu, com o Partido Comunista Chinês (PCC) restaurar a centralidade.
Com um pragmatismo secularmente desenvolvido, a China combinou o Estado hipercontrolador com a "economia de mercado". "Casou" com os EUA e criou um G-2, aonde mais de 3 mil filiais americanas produzem na China e exportam para o mundo (70% das exportações de produtos industriais são de filiais americanas). O superávit comercial chinês é predominantemente aplicado em títulos do Tesouro. Esse é um sólido matrimônio, em que os cônjuges podem até brigar, mas não renegam a aliança mutuamente conveniente. Enquanto isso, a China repete a proposta da Inglaterra vitoriana para a periferia mundial: fonte de matérias-primas e alimentos, a periferia mundial é, progressivamente, endividada com os bancos chineses e seu espaço econômico é ocupado por filiais da China. A Revolução Meiji, que modernizou e industrializou o Japão, está em plena marcha na China, que procura ser a campeã mundial em ciência e tecnologia. A estratégia da China combina as chaves do sucesso da Inglaterra vitoriana com a prioridade científico-tecnológica japonesa.
Que a China faça o que quiser, porém o Brasil não deve se converter na "bola da vez" da periferia chinesa. País tropical, com enormes reservas de terra agriculturável, água e fontes de energia fóssil e hidrelétrica, imagine-se a prioridade estratégica para o planejamento chinês em sua marcha pela periferia.
O discurso da globalização, a fantasia da "integração competitiva", a ilusão de ser "celeiro do mundo" com brasileiros ainda famintos, e a atrofia da soberania nacional podem vir a ser um discurso de absorção da proposta neocolonizadora da China.
Leio, nas palavras da presidente, uma percepção do risco do "conto do vigário" chinês. Temo os vendilhões da pátria, entregando energia e alimentos para o neo-sonho imperial.
Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ

O Brasil e a longa crise

Autor(es): Márcio G. P. Garcia
Valor Econômico - 24/11/2011
Abro a página na internet de um influente jornal estrangeiro e a principal manchete começa por "Colapso iminente de...". Em tempos normais, seria fácil adivinhar do que se tratava antes de completar a leitura. Mas, nos tempos atuais, há muitas coisas grandes que podem dar muito errado. Imagino que a matéria possa tratar do colapso do euro, da Grécia declarando o default de sua dívida, ampliando assim o contágio sobre os demais países. Ou do colapso de grandes bancos europeus (ou até dos EUA), que podem quebrar sob o peso da dívida dos Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Mas a matéria era sobre o colapso das negociações do supercomitê bipartidário encarregado de encontrar formas de reduzir o déficit fiscal nos EUA nos próximos anos, o que deve deflagrar novo rebaixamento do grau da dívida americana e contribuir para jogar o país de volta à recessão.
Definitivamente, não vivemos tempos normais. Não só a crise já se alonga bastante, como os cenários "otimistas" envolvem um longo período futuro de baixo crescimento das economias centrais, enquanto os cenários pessimistas contemplam diferentes combinações dos possíveis "colapsos iminentes" anteriormente citados, com consequente recaída em recessão e agravamento das restrições de crédito. Para nós, a questão central é qual a melhor estratégia de resposta à longa crise.
Para minimizar os efeitos da crise internacional é preciso evitar a tentação de aumentar os gastos fiscais e parafiscais
Em que pesem as diferenças entre os períodos, vale o paralelo histórico com nossa reação à 1ª crise do petróleo (1973). Como se sabe, o governo Geisel (74-79) oscilou inicialmente entre o combate à inflação e a promoção do aumento da demanda agregada, acabando por optar pela segunda via. A propaganda oficial vendia o Brasil como uma ilha de tranquilidade em meio a um mar revolto. O embate entre os ministros da Fazenda e do Planejamento foi vencido por este último, que implantou, tacitamente, uma estratégia que envolvia mais inflação e maior endividamento externo. Segundo o próprio Ministro da Seplan, o governo "... deliberadamente evitou fazer sintonia com a recessão mundial... para sair da crise de petróleo pelo aumento das exportações e [pela busca à] autossuficiência em insumos básicos" (A Ordem do Progresso, Ed. Campus, página 307).
A estratégia de evitar a sintonia com a recessão mundial, baseada em planos governamentais mirabolantes e muito financiamento público, no médio prazo acabou dando com os burros n"água, abrindo caminho para um longo período no qual a economia brasileira permaneceu mergulhada em seus próprios problemas "estagmegainflacionários", enquanto o mundo crescia.
Ainda que o Brasil de hoje esteja em muito melhor posição do que na década de 70, convém não desdenhar do paralelo histórico. Afinal, é natural o desejo de não pagarmos por uma crise essencialmente gerada pelas economias mais ricas do planeta. Não obstante, o mero voluntarismo não é bom conselheiro para implementar estratégia bem sucedida de minimização dos danos associados à longa crise.
Quando da quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, ocorreu rápida e muito intensa contração do crédito internacional, que deu lugar à grande depreciação do real. As reações de política econômica envolveram moderada dose de relaxamento monetário, aliada à farta expansão fiscal e parafiscal, via expansão de crédito dos bancos públicos. O resultado foi que a redução de juros teve que ser interrompida quando a taxa Selic ainda era bastante elevada, e a expansão fiscal e creditícia, cujo timing teve muito mais a ver com a eleição do que com o combate à recessão, contribuiu significativamente para a alta da inflação, que persiste até hoje.
No estágio atual da longa crise, o sistema internacional de crédito não sofreu contração abrupta, ainda que o crédito internacional venha diminuindo paulatinamente. Mesmo sem contração repentina similar à ocorrida em 2008, nossos indicadores econômicos, inclusive as perspectivas dos agentes econômicos para o futuro da economia brasileira, mostram-se estreitamente correlacionados aos desenvolvimentos externos. Embora não se entenda perfeitamente os canais por meio dos quais a transmissão da crise vem operando, o fato é que não parece ser fácil interromper tal contágio.
O discurso oficial é, hoje, bastante distinto daquele do segundo governo Lula, não obstante o ministro da Fazenda ser o mesmo. Reconhece-se, aparentemente, a importância fundamental da contenção fiscal e parafiscal para que o Banco Central possa empreender maior relaxamento monetário sem deixar a inflação sair de controle. Os resultados fiscais de 2011, até agora, tem sido bastante bons, ainda que baseados em aumentos de receitas, que não devem se repetir, e contenção dos investimentos públicos, que se pretende aumentar bastante.
Os próximos meses serão decisivos para que o governo mostre se a mudança de discurso vai se materializar em ações. Tanto no cenário "otimista" de crise prolongada nas economias centrais, quanto no cenário pessimista de aprofundamento da recessão mundial com "credit crunch", é fundamental que não se reverta ao caminho aparentemente fácil de ainda maiores gastos fiscais e crédito ainda mais farto de bancos públicos.
Se fizermos isso, na esperança de estimular o crescimento econômico, poderemos perder grande parte do que conquistamos a duras penas para consertar erros anteriores similares. Como dizia Bertrand Russel, nunca se deve cometer duas vezes o mesmo erro, uma vez que há tantos erros novos para serem cometidos.
Márcio G. P. Garcia é PhD por Stanford e professor do departamento de economia da PUC-Rio, escreve mensalmente neste espaço.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Nem mocinho, nem bandido


Autor(es): Luis Eduardo Assis
Valor Econômico - 23/11/2011
A economia americana se estrebucha para sair da estagnação, a União Europeia usa as tripas para evitar uma separação litigiosa. Os analistas mais céticos só não estão mais pessimistas porque são comedidos e sabem que vão precisar de muito mais pessimismo se a China tiver problemas - melhor economizar agora para não faltar no futuro. O Armagedon parece estar próximo. E, no entanto, enquanto Deus não derrama o justo juízo sobre a humanidade, o investimento estrangeiro direto (IED) no Brasil só faz aumentar. Nos últimos 12 meses, o volume líquido internalizado supera US$ 80 bilhões (incluindo repatriações de empresas brasileiras), o que indica que teremos neste ano mais que o dobro de investimentos registrados no ano passado. Esse desempenho espetacular abriu espaço para duas interpretações algo exageradas.
O governo, por dever de ofício, estimula a tese de que esses números gigantescos apenas atestam o sucesso da política econômica dos últimos anos. É como se, finalmente, o mundo, mesmo combalido, reunisse forças para redobrar suas apostas no futuro brilhante do Brasil. Os mais entusiasmados lembram que esse é um "dinheiro bom", já que é aportado para investimentos de longo prazo, que geram empregos e aumentam a produção e a renda. Essa explicação é boa, mas seria ainda melhor se fosse verdadeira. Entre outros hábitos estranhos, os economistas gostam de chamar coisas diferentes pelo mesmo nome. Neste caso, o que se chama de "investimento" estrangeiro não tem correspondência com a noção de aumento de capacidade produtiva, o que explica o fato de que a expansão espetacular do IED conviva com um desempenho medíocre da taxa de investimento. Ou seja, o IED não é necessariamente investimento, já que inclui mera troca de ativos e empréstimos a subsidiárias aqui localizadas, o que não significa aumento da capacidade produtiva.
Outro contraponto é que, assim como os carros, os ternos e os restaurantes, as empresas brasileiras também estão muito caras, o que torna mais difícil explicar esse voraz apetite dos estrangeiros. Também aqui não parece ser o paraíso do empreendedorismo. Relatório preparado pelo Banco Mundial ("Doing Business 2011") mostra que nunca foi fácil, mas está ainda mais difícil fazer negócios no Brasil. Entre 183 países analisados, caímos da modesta 124ª posição em 2009 para o modestíssimo 127º lugar agora. Difícil acreditar na tese de que o crescimento do IED é apenas testemunho de nossas consagradoras virtudes.
Por essas e por outras, há também quem prefira lembrar que o enorme diferencial entre as taxas de juros internas e internacionais pode estar estimulando a entrada de recursos especulativos. O que se registra como "dinheiro bom" seria, na verdade, o dinheiro "ruim" dos especuladores do mercado de renda fixa, cuja vida foi dificultada pelo aumento da alíquota do IOF de 2% para 6% no ano passado. Essa visão mais picante esbarra em pelo menos três contestações. A primeira é que o fluxo de IED começou a subir antes, não depois, da aplicação do IOF. Um curioso caso de premonição. Mais instigante é constatar que a partir de abril de 2011 os empréstimos inter-companhias registrados como investimento estrangeiro passaram a pagar a mesma taxa de IOF que as aplicações em renda fixa com prazo inferior a dois anos. Outro embaraço à tese conspiratória é que a quantidade de novos registros de investimento estrangeiro assim como o número de receptores destes recursos mostram estabilidade, contrariando o que seria de se esperar se o aumento do IED fosse determinado apenas pelo diferencial de juros.
O fato é que é pouco se sabe sobre os investimentos diretos, até porque não cabe ao Banco Central monitorar o que acontece depois que os recursos são internalizados. O forte afluxo destes recursos recentemente nem nos autoriza a proclamar a supremacia da economia brasileira no meio da turbulência internacional, nem dá guarida à tese conspiratória de que este capital é meramente especulativo. É sempre uma platitude dizer que a verdade está no meio (até porque qualquer assertiva, por mais absurda, sempre está a meio caminho de duas outras posições) mas talvez estejamos vivendo uma situação que combina os dois extremos. Isto chama a atenção para o fato de que é falsa a analogia entre reservas internacionais do país e a poupança que as pessoas comuns fazem para usar nas adversidades. Parte significativa da formação das reservas nestes últimos anos teve como contrapartida o forte crescimento da dívida externa privada, embutida nas estatísticas de investimento direto, que desde 2007 supera a dívida pública externa. Uma reversão nas expectativas otimistas dos investidores estrangeiros, qualquer que tenha sido sua motivação original, pode alterar este quadro aparentemente confortável em pouco tempo. As reservas brasileiras não são do Brasil.
Luis Eduardo Assis é economista diretor de política monetária do Banco Central do Brasil e professor da PUC-SP e FGV-SP.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Fla e Flu os opostos do fim do campeonato

Flamengo e Fluminense parecem ser os opostos quase diametrais no 2° turno do campeonato Brasileiro. Enquanto a equipe das Laranjeiras é a vencedora simbólica da segunda etapa do campeonato os rubro negros amargariam a 14° posição se só houvesse o segundo turno.
A questão mais gritante é a dos times em si. O Fluminense vê seu ataque em grande fase, com Fred demolindo as defesas adversárias e arriscando-se a artilharia do campeonato. Outro grande responsável pela chegada tricolor é Deco, que mostra excelente futebol agora que não é atrapalhado pelas contusões e municia o ataque como armador central na linha de 3 do 4-2-3-1 do Flu.
O Fla por sua vez, apesar de ter o melhor ataque da competição, empatado com o Flu que chegou aos mesmo 57 gols na última rodada, vê sua equipe sem marcar a três jogos. Gaúcho não rende, seja por atraso salarial ou não a meu ver não justifica, uma vez que parte de seus vencimentos estão ok, a parte que cabe a Traffic é que ficou em atraso por motivos políticos digamos assim, então se for esse o motivo mostra que lhe falta caráter. David, sempre contestado, faz gols apesar de não ser um primor de eficiência, mas precisa que a bola chegue e Thiago Neves sofre por ser um meia atacante que também precisa ser alimentado pelo meio campo do time, que se antes bem funcionava com Airton, Willan, Renato, Muralha, Maldonado, Bottinelli, etc, agora padece pela falta de bons passadores e articulistas que possam trabalhar a bola e conduzi-la até a intermediária de ataque.
Palpites para os dois times na frente: Colocar o Souza na vaga do Sobis, que no Flu não consegue render o que se via no Inter, melhorando a saída de bola, os arremates de média distância, auxiliando Deco na armação e aumentando as jogadas de lado de campo além de uma eficiência maior na marcação (lembrando que o Souza já atuou como meia, lateral e volante). O Fla poderia inverter a posição do gaúcho com o Thiago Neves, centrando o camisa dez para auxiliar a armação já que ele pouco anda fazendo no ataque e colocando o Thiago Neves pela meia esquerda, posição onde se destacou no Fluminense e não onde vem caindo nos últimos jogos, na direita.
Em breve comento o meio para trás dos dois times.
Abraços

Impasse gigante


Panorama Econômico
O Globo - 22/11/2011


De novo, a sombra da dívida americana ameaça a economia mundial. O supercomitê dos dois partidos admitiu ontem que fracassou a negociação para reduzir o gasto público de longo prazo. Parte desse aumento do déficit americano foi resultado de políticas de transferências governamentais para manter o consumo; mas a fatia do leão continuou indo para os militares.
Os gastos militares em 2010 atingiram o maior patamar da história, consumindo US$690 bilhões. O déficit mensal médio do governo americano nos últimos 12 meses foi de US$105 bi. A dívida chegou a US$15 trilhões. As contas públicas americanas estão fora da ordem nessa desordem mundial. Houve despesas que evitaram o aprofundamento da recessão. O problema é que apesar do gasto a ameaça de queda da atividade da economia americana continua rondando.
Em agosto, quando ocorreu o impasse da elevação do teto da dívida, foi feito um acordo político que incluía a criação desse comitê no Congresso, com integrantes dos dois partidos, para saber onde cortar US$1,3 tri em 10 anos. O ambiente político polarizado produziu o impasse. O prazo para o novo acordo termina amanhã, mas tem que ser apresentado ao Congresso com 48 horas de antecedência.
Além disso, na negociação anterior ficou acertado que se o comitê não chegasse num acordo haveria cortes maiores nas despesas militares. Um dos problemas da redução de certos gastos é que eles podem reverter a incipiente recuperação - hoje por volta de 2% de alta no PIB. Sem as transferências governamentais, a renda disponível das famílias estaria em patamar menor (vejam no gráfico). No final do ano, dois programas perdem a validade - o da redução do imposto de renda; e o que amplia o prazo de recebimento de seguro-desemprego. Pelos cálculos do Bank of America, se os programas forem suspensos cerca de US$130 bi não chegarão aos consumidores.
O banco aumentou a probabilidade de recessão no ano que vem, de 35% para 40%. Isso apesar dos bons números do comércio nos últimos dois meses, que tiveram aumento de vendas de 8%, anualizado. A poupança das famílias que em 2008 chegou a 6,2% caiu para 4,1%, no último dado disponível, e isso significa que o fôlego para continuar comprando está menor. Também está crescendo a possibilidade de contágio da crise europeia.
"Não acreditamos que os fundamentos darão suporte à melhora dos dados de consumo. O crescimento da renda é lento, o crédito está apertado, a poupança está mais baixa. Mas o maior risco vem de um transbordamento da crise europeia", escreveu o banco em relatório.
O Bank of America prevê desaceleração do PIB americano de 2012 para 2013, de 2% para 1,4%. O preço das residências deve cair 8% este ano, ficando 38% mais baixo que o pico, de 2006. O economista Roberto Prado, do Itaú BBA, explica que há três forças empurrando a economia americana para baixo: o corte de gastos; a redução do consumo na Europa e no mundo; a piora do crédito e do sistema financeiro. Por isso o presidente Obama está lutando para prorrogar as transferências de renda.
- Quando se falava de calote na Grécia, o risco para o sistema financeiro americano era pequeno. Agora, as perdas que os bancos estão tendo com os títulos soberanos já são significativas. O aumento dos juros de Espanha, Itália e França mexe com o balanço de bancos que carregam esses papéis. Isso dificulta a capacidade deles se alavancarem - disse Prado.
A Europa consome 14% das exportações americanas. Ainda assim, Prado explica que o efeito da crise será maior porque o consumo mundial como um todo ficará menor:
- A Europa é muito aberta e ela vai afetar o desempenho de outros países que compram dos EUA.
O mundo conseguiu produzir este ano uma quantidade expressiva de problemas, impasses, riscos, ameaças. Não há quem fique blindado contra isso. No Brasil, o crescimento veio minguando ao longo do ano deixando as empresas confusas sobre como se preparar para 2012

PIB nominal?

Antonio Delfim Netto
Valor Econômico - 22/11/2011
 A última reunião do G-20 terminou de maneira decepcionante. Foi quase uma tertúlia lítero-musical. Terminou, como todas elas, com a convocação da próxima... A carência de ideias, o despreparo das propostas, a visível insegurança das principais lideranças internacionais e a aparente alienação dos EUA com relação ao problema da Eurolândia orquestraram um espetáculo no mínimo assustador.
O Brasil, na minha opinião, saiu bem na foto. Colocou de forma séria o enorme problema dos desequilíbrios comerciais gerados por políticas cambiais claramente protecionistas de alguns países. Mais do que isso. Discreta, mas firmemente, referiu-se às distorções adicionais produzidas pelas disparidades abissais entre as políticas civilizatórias de proteção ao trabalho que as acompanham em alguns deles. Isso transforma a teoria das vantagens comparativas, que recomenda a liberdade absoluta de comércio, de uma bela história da carochinha numa peça de horror...
No mesmo momento, numa batalha de sites, blogs e "tutti quanti", alguns economistas exumam parte de uma velha ideia, desenvolvida por um grupo de Cambridge (Inglaterra) coordenado pelo competente James Meade (1907-1995, Nobel de 1977), que durante toda a sua vida preocupou-se em como transformar o conhecimento da economia em eficientes receitas para a política econômica.
Trata-se, no fundo, de dar às políticas fiscal, monetária, salarial e cambial não uma meta de inflação, mas uma meta para o Produto Interno Bruto Nominal, de forma que a sua partição entre o crescimento do PIB real e o aumento dos preços dependa da eficiência com que o poder incumbente cria as facilidades para o crescimento físico da economia.
Ao Banco Central, cabe garantir a liquidez para o cumprimento da meta do PIB nominal (PIBN). Quem tiver interesse arqueológico pode consultar o livro "Macro-Economic Policy" (London, 1989), de Weale, M.; Blake, A.; Christodoulakis, N.; Mead J. e Vines, D..
A sugestão é interessante, mas não é isenta dos mesmos grandes problemas que enfrentamos com o sistema de metas inflacionárias e a sua nova ênfase: é preciso cuidado e flexibilidade para controlar a inflação, ao mesmo tempo em que se avaliam os custos sociais das flutuações do PIB e do nível de emprego. No keynesianismo ortodoxo, a função da política econômica era manter um alto e estável nível da demanda global. Quando isso pressionasse a taxa de inflação, seria preciso utilizar políticas de rendas (salários e preços) e providenciar mudanças estruturais para eliminá-las.
No Novo Keynesianismo (de 1977), propõe-se o contrário: utilizar as políticas monetária e fiscal para manter o PIB nominal (PIBN) numa taxa de crescimento estabelecida e deixar por conta do poder incumbente as reformas estruturais das políticas de salário e de preços, para garantir que, enquanto existirem fatores de produção disponíveis, os aumentos de demanda global (PIBN) levem a um aumento do PIB real e não dos preços e dos salários.
A proposta era muito mais sofisticada e impunha uma segunda condição à política econômica: garantir um nível de investimento que leve ao crescimento da capacidade produtiva, porque - como dizem os autores -, "os formuladores da política econômica têm a tentação de controlar a taxa de inflação com expedientes que elevam o padrão de vida presente em detrimento do futuro".
O programa proposto é muito rico e no velho estilo de modelos simples e próximos da realidade. É interessante para os que aprenderam a duvidar das virtudes dos equilíbrios produzidos pelas "leis naturais do mercado perfeito" e já perderam a esperança que os "policy makers" são oniscientes e, portanto, devem ser onipotentes...
Na sua nova encarnação, a ideia de propor meta para o PIB nominal parece um "surto epidêmico", particularmente nos blogs de importantes economistas. A ideia circulou, sem repercussão, no início dos anos 80 do século passado, devido ao grande economista monetário Bennett McCallum.
Mais recentemente, tornou-se uma espécie de cruzada, depois que Scott Summer, David Beckworth e Paul Krugman a abraçaram, em seus blogs. Entre nós, o excelente economista João Marcus Marinho Nunes a vem defendendo há algum tempo e tem navegado com sucesso entre eles.
Provavelmente, esse movimento é apenas uma reação à evidente falta de imaginação das autoridades monetárias, particularmente o Fed, comandado por Ben Bernanke, que não consegue o suporte necessário de seus pares. Lembremos que o presidente Obama não conseguiu aprovar no Senado, até agora, a indicação de dois diretores do Fed. A situação está ficando muito incômoda.
Num artigo de elegância maliciosa, Christina Romer (que foi defenestrada pelos assessores econômicos de Obama da função de presidente do Council of Economic Advisers da Casa Branca) recomendava a Ben Bernanke que assuma um programa de meta de PIB nominal ("Dear Ben: It´s Time for Your Volcker Moment", "The New York Times", Oct. 29).
E, por último, a Goldman Sachs, em dois excelentes documentos ("US Economics Analyst", Oct. 12, e "Global Economics Weekly", Oct. 26), colocou a pasta de dente fora do tubo. Vai ser difícil colocá-la de volta...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Quem sai primeiro?


Brasil S.A
Autor(es): Márcio Pacelli
Correio Braziliense - 21/11/2011
 
Em Londres, o desmoronamento da Zona do Euro virou assunto para apostadores. Grécia, Portugal e Irlanda lideram os palpites
 A cada dia, aumenta o número de economistas que dão como inevitável o desmantelamento da Zona do Euro. Para eles, a demolição é apenas questão de tempo. A julgar pelas declarações de Nouriel Roubini, o Doutor Apocalipse, que previu a crise de 2008 antes de todos, Grécia e Portugal serão os primeiros a abandonar o barco. Mas, diante de complicações recentes e divergências contundentes entre os principais líderes europeus, não será absurdo admitir a hipótese de ver a Alemanha surpreender e dar adeus ao euro.
Se a crise da dívida europeia, agora intensificada pelos riscos sobre países centrais, como Itália e França, beirar o incontornável, com exigência de juros cada vez maiores por parte dos compradores de títulos públicos, não há por que esperar uma reação pacífica ou mesmo suicida dos alemães. Caso o desabamento em espiral, como o efeito de um ciclone, mostre-se irreversível, a ponto de sugar as economias combalidas do bloco, o governo de Angela Merkel terá apoio popular e sustentação política para pular fora antes da catástrofe.
A ideia, aliás, veio a público há menos de um ano, quando a petulância do então primeiro-ministro grego, George Papandreou, deu nos nervos de Merkel. A governante chegou a considerar o rompimento ao ser criticada durante as discussões que fixavam contrapartidas do socorro a Atenas. "Se esse é o tipo de clube em que o euro se transformou, talvez a Alemanha deva sair", teria admitido ela, na ocasião, segundo o jornal The Guardian. Naturalmente, a publicação britânica foi prontamente desmentida por Berlim.
Bolsa de apostas
As divergências em torno de Merkel só aumentam na Europa. Há duas semanas, o bate-boca foi com o parceiro mais próximo nesses dias de agonia, o presidente francês, François Sarkozy, que defendeu uma ação direta do Banco Central Europeu (BCE) como tábua de salvação para os países superendividados do bloco. Num arroubo de lucidez, a chanceler alemã insistiu que não há sentido em aceitar medidas paliativas — como o desvio das funções da instituição — e adiar reformas econômicas capazes, essas sim, de reverter problemas estruturais da Zona do Euro.
Na sexta-feira, a discordância veio do primeiro-ministro David Cameron, do Reino Unido, país que está fora da união monetária. A contenda, no caso, foi em torno da criação da taxa sobre transações bancárias na Europa, uma espécie de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) internacional. A ideia, que criaria uma reserva de recursos para proteção do continente, mas, sobretudo, um seguro contra a quebra de bancos, causa urticárias em Londres, maior centro financeiro da região. O temor é pelo sumiço dos investidores.
Aliás, em Londres tudo gira em torno de dinheiro. Não por acaso, o desmoronamento da Zona do Euro também virou assunto para apostadores. Grécia, Portugal e Irlanda são, naturalmente, os países que lideram os palpites. Mas Itália e Espanha, que vêm pagando prêmios cada vez mais altos para rolar suas dívidas públicas, tornaram-se fortes candidatas. Ciosos de sua moeda, os ingleses foram duramente criticados, à época da criação do euro, por não aderirem à união monetária. Todavia, a iniciativa na qual um cidadão pode ganhar ou perder um punhado de libras, apostando contra o futuro do bloco, soa como brincadeira de mau gosto.
Duas velocidades
Na economia real, não há o que festejar com o desabamento da Zona do Euro. Diante da recessão que está por vir, pode-se dizer que, até agora, o mundo sentiu apenas os primeiros abalos. Por conta deles, Grécia, Itália, Portugal e Irlanda já trocaram chefes de governo e, aos trancos e barrancos, vêm cortando gorduras para reduzir gastos. Mas o terremoto se fará presente caso os planos de ajustes não produzam os efeitos que se esperam deles. Daí a insistência de Merkel por rever inclusive as premissas que criaram a união monetária.
Em sua cruzada para salvar o euro — e a própria pele — do abismo que se avizinha, a líder alemã chegou a classificar o momento atual como o pior desde a 2ª Guerra Mundial, um estigma na história do país. Ironicamente, foi a Alemanha destruída de seis décadas atrás que se reergueu e deu o suporte necessário à criação do euro. Sem o marco, divisa mais forte das 17 que deram lugar à moeda comum, a união monetária teria ficado apenas no plano das ideias. Agora, após anos de irresponsabilidade fiscal de outros integrantes do bloco, a conta chegou e os alemães são convidados a pagá-la.
Sarkozy já deu pistas do que seria a nova Zona do Euro. Admitiu que o plano discutido com Merkel prevê duas velocidades para os países do bloco, ou seja: um grupo de economias em ritmo veloz, formado pelo time avaliado com a nota triplo "A" das agências de risco; e o segundo pelotão, integrado pelas nações em dificuldades. O fato é que, antes mesmo das primeiras baixas, quem dá adeus à Europa, numa partida sem volta, é a rede de benefícios sociais montada há décadas no continente, e que lhe deu reconhecimento mundial. Agora, ninguém mais vai se aposentar cedo, o seguro-desemprego anda escasso e os impostos só sobem. Para o europeu comum, fazer parte de um clube assim já não faz muito sentido.
Márcio Pacelli é subeditor de economia