sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz 2012!!!!

No último post do ano quero agradecer aos blogueiros e não blogueiros de plantão que gastaram seu tempo precioso visitando nosso dizeres.
Em pouco mais de 3 meses foram mil leitores de diversos países como França, Alemanha, Indonésia, Malásia, Rússia, EUA, Índia, enfim, além das mais diversas partes do Brasil, num blog amador e com conteúdo focado 75% em economia e o restante em futebol.
Para aqueles que leram e compartilharam links, retweetaram, fizeram feeds, enfim, para quem participou...
E para quem não gostou também, tentaremos agradar cada vez mais nos anos vindouros.
A todos o meu obrigado.
Para o ano que segue traremos coisas novas, como a plataforma wordpress por exemplo, além de mais conteúdo de economia e futebol, trechos da minha tese do mestrado em construção, análises das colunas postadas e muito mais.

Para todos nós
Um Ótimo 2012!!!!!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Crescimento exige medidas estruturais :

Autor(es): Gustavo Loyola
O Estado de S. Paulo - 30/12/2011
 


Há várias lições que podem ser extraídas da atual crise europeia. Sem dúvida, o excesso de endividamento de países como Grécia, Portugal e Itália, entre outros, é um dos maiores pecados por trás dos problemas sofridos pela zona do euro. Mas a causa raiz dessas dificuldades é a incapacidade da maioria das economias europeias de trilhar um caminho de crescimento sustentado.
No momento imediato, o mais importante é deter a progressão da crise no mercado de títulos soberanos e evitar a eclosão de uma crise bancária sistêmica que pode ser devastadora. Por isso é indispensável que o financiamento das dívidas dos países ainda solventes não seja interrompido como efeito do agravamento das incertezas no mercado financeiro. A atuação decidida do Banco Central Europeu como "emprestador de última instância" aos bancos europeus, aliada ao uso de recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e do FMI no refinanciamento dos países afetados, pode se prestar a este papel.
Porém, ainda que indispensáveis, as ações de "pronto-socorro" acima citadas devem ser encaradas como de efeito transitório, destinadas tão somente a comprar tempo para a adoção de medidas de ajuste estrutural que definitivamente possam afastar o risco de "default" da dívida soberana de Itália, Espanha e Portugal. Essas medidas devem abranger não só ações no campo fiscal - corte de despesas, aumento de impostos -, mas principalmente reformas que beneficiam o crescimento econômico sustentável das economias do euro.
A reduzida capacidade de crescimento de muitos dos países europeus ocidentais é consequência direta da persistência de instituições envelhecidas e incompatíveis com as necessidades das economias capitalistas no mundo contemporâneo, caracterizado pela globalização que exacerba as pressões competitivas. As regras rígidas que disciplinam o mercado de trabalho e os regimes previdenciários excessivamente tolerantes contribuem para o baixo crescimento da produtividade e para as altas taxas de desemprego, que atingem notadamente os mais jovens. Além disso, uma pesada burocracia é um fardo para os negócios e desincentivo para os investimentos. Tais pecados se tornaram ainda mais mortais no contexto da união monetária, já que os países menos eficientes não podem se utilizar da muleta do câmbio desvalorizado para preservar sua competitividade.
A adesão à Comunidade Europeia e, depois, à zona do euro foi para as economias periféricas da Europa uma oportunidade única para reduzir as disparidades de renda em relação a economias mais avançadas como a Alemanha. De fato, houve avanços importantes nas últimas décadas, como qualquer visitante à Espanha, Portugal ou Grécia pode constatar. Mas embora tenha sido abundante a colheita dos frutos da estabilidade e da redução dos prêmios de risco, houve pouco aprofundamento das reformas para assegurar a continuidade do crescimento após esgotados os benefícios da adesão ao mercado comum e à moeda única. A prodigalidade fiscal se tornou o sintoma mais grave da paralisia política ante os desafios da reestruturação da economia para competir na nova realidade da união monetária.
Independentemente do seu desfecho, o Brasil deve extrair da atual crise da zona do euro a lição de que o crescimento sustentado depende de reformas microeconômicas e do contínuo aperfeiçoamento institucional. A boa fase da economia brasileira nos últimos anos é resultado de relevantes mudanças institucionais introduzidas em nosso país, notadamente a partir da estabilização da moeda em 1994. Contudo, nos últimos anos, observa-se uma tendência preocupante de acomodação do governo, que praticamente abandonou iniciativas visando a aumentar a capacidade de crescimento do País no longo prazo. O que se vê, com frequência, são estímulos à demanda ou políticas de oferta que respondem a interesses setoriais imediatos, não necessariamente melhorando o ambiente geral dos negócios e favorecendo o aumento da taxa de investimento. Em algum momento essa estratégia pode dar errado, como nos ensinam os percalços atuais da Europa.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Competitividade inibe a reação da indústria

Indústria ajuda PIB em 2012, mas retomada pode ser temporária
Autor(es): Por Arícia Martins
Valor Econômico - 29/12/2011
 
Após mais um ano perdido em 2011, economistas se dividem sobre a possibilidade de recuperação da indústria no próximo ano. O cenário de enfraquecimento da demanda global por produtos manufaturados será pano de fundo para um Produto Interno Bruto (PIB) que, mesmo com o impulso do aumento do mínimo e de investimentos públicos, crescerá, na melhor das hipóteses 3,5% - meio ponto percentual a mais do que neste ano. Assim, mesmo para analistas que contam com uma retomada da produção industrial em 2012, esta não passa de um aumento igual ao esperado para o PIB. O Banco Central espera um pouco mais.
A indústria de transformação deve encerrar 2011 com crescimento entre zero e 1% na comparação com 2010 (com mais apostas próximas a 0,5%), enquanto o consumo das famílias deve evoluir entre 4% e 5% e o PIB, próximo a 3%. Esse fraco resultado da produção industrial não é exceção. Em cinco dos últimos sete anos, o ritmo de crescimento do setor foi de apenas um terço do ritmo de aumento da demanda das famílias. A exceção foi 2010, quando a indústria deu um salto de 10,5%, se recuperou do tombo do ano anterior e subiu mais que a demanda, e 2007, quando a diferença entre oferta interna e consumo foi pequena.
Para a maioria dos analistas, a indústria, no máximo, vai acompanhar o PIB no próximo ano. Para o Banco Central, a ajuda dos segmentos de extrativa mineral e construção civil vão fazer o setor como um todo crescer 3,7% em 2012, um pouco acima dos 3,5% projetados para o PIB. Enquanto aqueles dois setores podem subir 5%, contudo, o setor de transformação vai, mais uma vez, ficar abaixo do PIB, com alta de 3% nas previsões da autoridade monetária. "Esse desempenho se explica, entre outros, pelos efeitos, que são defasados e cumulativos, de ações de política monetária implementadas no segundo semestre de 2011", observou o BC no relatório de inflação de dezembro.
"Nosso diagnóstico é que a crise da indústria não é conjuntural", avalia Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A diferença é que, com o câmbio valorizado ao longo de 2011, a concorrência dos importados ficou mais pesada e coloca em xeque o efeito das medidas recentemente tomadas pelo governo para estimular o setor, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para itens de linha branca. "A dúvida sobre a capacidade de a indústria transformar o estímulo em crescimento econômico é um fenômeno novo na economia brasileira. Se não houver nada de fornecimento nacional, o estímulo se perde."
Para a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara, os mesmos fatores que prejudicam a indústria desde sempre serão os inibidores de um crescimento maior do setor no ano que vem: juros altos, carga tributária elevada, falta de mão de obra qualificada e de infraestrutura. "Mesmo com a redução do juro, ele continuará sendo muito mais elevado em termos de competição internacional", diz Thaís, para quem as medidas tomadas recentemente pelo governo devem ajudar "muito pouco" a indústria.
O economista Fabio Ramos, da Quest Investimentos, destaca que, descontando a inflação e a produtividade, o salário dos trabalhadores da indústria cresceu 10% desde meados de 2008, enquanto a atividade nas fábricas ainda não conseguiu superar o nível pré-crise. "Isso é um sinal claro de pressão de custos na indústria. Os preços não são repassados automaticamente devido à concorrência dos importados, e a indústria passa a trabalhar com margens bastante apertadas."
"2012 tem uma dinâmica econômica diferente da de 2011, que era de contração", afirma a economista-chefe da Icap Corretora, Inês Filipa. Para ela, a indústria deve mostrar um ritmo melhor de crescimento em 2012, com um desempenho favorável da demanda após a queda da taxa de juros e a retomada de políticas fiscais por parte do governo. A expansão da indústria, no entanto, será moderada, diz ela. "A expectativa é de uma retomada vagarosa, que não prejudique a inflação."
Segundo Gomes de Almeida, do Iedi, uma possível desvalorização do câmbio é o único fator que pode atenuar, no curto prazo, a falta de competitividade industrial. Os setores da indústria que podem ter desempenho melhor no próximo ano, de acordo com ele, são os menos atingidos pela concorrência dos importados, como alimentos e bebidas, construção civil - cuja parcela de importados no mercado está aumentando, mas não é tão expressiva - e linha branca, devido aos incentivos do governo.
Mesmo com um câmbio um pouco mais favorável para a indústria no ano que vem, nada indica que a penetração de importados na economia brasileira - atualmente em torno de 20% - vá diminuir, afirma David Kupfer, coordenador do grupo de indústria e competitividade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Os setores de bens de consumo continuarão sofrendo a concorrência de fora."
Ele aposta em um comportamento melhor do que a média no segmento de construção civil, que virá na esteira de uma retomada de investimentos em infraestrutura e construção residencial, mas pondera que, para o setor industrial como um todo, o cenário para 2012 é incerto, principalmente em função do ambiente internacional. "Essa parada da indústria em 2011 sugeriu que ela já se preparou para um 2012 mais estreito em termos de perspectiva de demanda", avalia o professor da UFRJ.
A economista Fernanda Consorte, do Santander, não descarta medidas para incentivar a produção de automóveis como as tomadas em 2009, quando o governo reduziu o IPI do setor. "Os veículos representam 10% da produção industrial e o governo tem um certo apreço por esse setor", diz.
Esta não é a visão do economista-chefe da Banif Corretora, Mauro Schneider, para quem 2012 será outro ano complicado para a indústria. Com o aumento do mínimo e investimentos que não podem mais ser contingenciados no ano que vem, sustenta Schneider, é limitado o espaço para desonerações tributárias. "O governo já tem uma série de compromissos fiscais assumidos no próximo ano com um crescimento de arrecadação eventualmente um pouco menor. Não consigo trabalhar em um cenário em que o governo possa adotar políticas mais agressivas de redução de impostos", opina.

Juro de 2% a 3%: um cenário factível?

Autor(es): Bráulio Borges
Valor Econômico - 29/12/2011
 

Hoje, muitos são os críticos, entre economistas e o grande público, ao fato de os juros reais praticados no Brasil excederem em larga margem aqueles observados nas demais economias. Esse debate passa necessariamente pelo conceito teórico de taxa de juros natural (também conhecida como taxa neutra e de equilíbrio).
O juro natural é definido como aquela taxa que deixa a inflação estável no horizonte de tempo de atuação da política monetária. Assim, seu conhecimento tem considerável utilidade prática para os bancos centrais, que a utilizam como um importante balizador de suas decisões. Não obstante, a taxa de juros natural é uma variável não observável - ou seja, precisa ser estimada, tal como o PIB potencial e a taxa de desemprego natural.
Seria recomendável que o governo anunciasse um "plano de voo" objetivo para a evolução da política fiscal/parafiscal
Em meados de 2010, o Banco Central explicitou em um Relatório Trimestral de Inflação o diagnóstico de que poderia estar em curso uma queda estrutural do juro natural - reacendendo a discussão sobre esse tema em vários fóruns (inclusive neste jornal).
Ainda no final do ano passado, o BC realizou uma pesquisa inédita junto a 60 instituições financeiras e consultorias econômicas perguntando, dentre outras coisas, qual seria a taxa de juros natural brasileira. A maior parte desses analistas apontou valores no intervalo de 6,5% a 7%. É notório o fato de que essas estimativas aproximam-se bastante da taxa de juros real efetiva observada na média de 2006 a 2010 (7,2%). Nesse ínterim, a inflação oscilou ao redor do centro da meta - o IPCA médio nesse período foi de 4,7%, contra um centro da meta de 4,5%. A lógica por trás das estimativas do juro natural feitas pelo mercado - a mera extrapolação desse fato estilizado recente - seria inquestionável caso a taxa de juros fixada pelo Copom fosse o único condicionante da demanda agregada brasileira.
Contudo, nesse mesmo período houve crescimento expressivo, bastante acima da variação do PIB, dos gastos fiscais e parafiscais/crédito direcionado - condicionantes da demanda agregada que são pouco influenciados pela política monetária. De fato, essas variáveis assumem expressiva relevância na determinação da demanda agregada brasileira: o crédito direcionado (desembolsos do BNDES e empréstimos habitacionais e rurais) corresponde a quase 35% do crédito total e os gastos da União, estados e municípios representam pouco mais de 36% do PIB.
Com efeito, parece razoável inferir que a autoridade monetária foi impelida a praticar juros reais superiores ao nível neutro em 2006-2010 para manter a inflação estável em torno do centro da meta. Ou seja, a falta de coordenação entre políticas monetária, fiscal e parafiscal jogou todo o fardo do controle inflacionário sobre o BC.
Os estudos já feitos buscando estimar o juro natural para o Brasil se limitaram a replicar metodologias utilizadas para outras economias, sobretudo desenvolvidas. Ao incorporarmos explicitamente essas especificidades da economia brasileira em um modelo econométrico, a taxa de juros natural estimada situa-se no intervalo de 4,3% a 5,4%, com o ponto médio em 4,8%. Esse resultado, abaixo de parcela considerável das estimativas anteriores, reforça a avaliação de que essas idiossincrasias tupiniquins interferem na demanda agregada e, consequentemente, na dinâmica inflacionária. Desse modo, a falta de coordenação entre as políticas econômicas requer uma condução mais austera da política monetária - cujo objetivo explícito, pelo menos desde 1999, é o de manter a inflação evoluindo de acordo com a trajetória de metas.
Caso a política econômica nos próximos anos também se caracterize por essa ausência de coordenação, a intenção declarada pelo governo atual de levar a taxa de juros real para algo entre 2% e 3% até 2014, respeitando o arcabouço de metas de inflação, revela-se inconsistente. Buscar essa redução sem a reformulação do modus operandi da política de despesas e dos mecanismos de crédito direcionado significa que uma realidade de juros reais civilizados pode nos levar, traiçoeiramente, a uma inflação ascendente ao longo do tempo.
Um simples exercício feito com base no modelo que utilizamos para estimar o juro natural assinala a importância da coordenação entre política monetária e fiscal/parafiscal para acelerar a convergência do juro brasileiro em direção aos padrões internacionais. Mantidos os gastos do governo e o saldo de operações de crédito direcionado estáveis, descontada a inflação, a taxa de juros natural brasileira poderia recuar em cerca de 1 ponto percentual a 1,5 ponto percentual.
Desse modo, a redução do juro real ambicionada pelo governo parece ser factível, porém exige esforços paralelos no âmbito fiscal e parafiscal. Ações nesse sentido aconteceram neste ano de 2011 de forma inédita, mas sem garantias de continuidade: às vésperas do início de 2012 não se sabe com clareza se as políticas fiscal e parafiscal serão expansionistas, contracionistas ou neutras. E o cenário para 2013 e 2014 é ainda mais nebuloso. Essa incerteza acaba dando respaldo aos mais céticos quanto à trajetória prospectiva dos juros e mesmo da inflação brasileira, além de dar margem para interpretações de ingerência política nas decisões sobre a Selic. Nesse quadro, seria altamente recomendável, do ponto de vista da melhoria da credibilidade da política econômica, que o governo anunciasse um "plano de voo" objetivo e estruturado para a evolução da política fiscal/parafiscal em 2012-2014.
Bráulio Borges é economista-chefe da LCA Consultores
Lorreine Messias é economista da E2 - Economia.Estratégia

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Governo fará FGTS se desfazer de papéis corrigidos pela Selic

Autor(es): ADRIANA FERNANDES, RENATA VERÍSSIMO
O Estado de S. Paulo - 28/12/2011
 

Objetivo de reduzir quantidade de títulos atrelados ao juro básico é ampliar os efeitos da política monetária do BC

O governo vai obrigar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a se desfazer dos papéis corrigidos pela taxa Selic que estão na sua carteira. A medida, que está sendo preparada pelo Ministério da Fazenda, faz parte da estratégia de reduzir o volume de títulos com rentabilidade atrelada à variação do juro básico no estoque da dívida pública.
O objetivo do governo é avançar no processo de desindexação da economia da taxa Selic. Ao reduzir o número de papéis corrigidos pelo juro básico, aumenta-se a potência dos efeitos da política monetária do Banco Central. Por isso, a redução do volume de Letras Financeiras do Tesouro (LFT) em posse dos fundos é importante. As LFTs são os papéis emitidos pelo Tesouro que pagam a variação da Selic.
Em novembro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) já havia proibido que outros fundos públicos, chamados de extramercado, mantenham LFTs nas suas carteiras. Esses fundos serão obrigados a trocar esses papéis por outros corrigidos pelo IPCA ou prefixados (com taxa de juros predefinida). A troca dos títulos será feita com o Tesouro até fevereiro e abrange o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e de estatais, exceto a Petrobrás. Juntos, esses fundos têm em carteira cerca de R$ 64 bilhões em LFTs.
Acelerar. Com a decisão de incluir também o FGTS em 2012, o Tesouro vai ampliar o escopo da medida para acelerar o processo de redução das LFTs. Pelos cálculos do Tesouro, o FGTS tem hoje cerca de R$ 90 bilhões aplicados em títulos públicos. Desse total, cerca de um terço representa papéis com rentabilidade atrelada à variação da taxa Selic.
Em entrevista ao Estado, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, confirmou as negociações com a Caixa (gestora do FGTS) e disse que medida é mais um passo para melhorar o perfil da dívida pública. Segundo ele, outras medidas para reduzir as LFTs serão tomadas no ano que vem. "Vamos fazer o mesmo que fizemos com os fundos extramercado também com o FGTS e também outras coisas", disse Augustin, que preferiu não antecipar as outras medidas em estudo.
A proibição do CMN de os fundos públicos terem LFTs abre de vez uma janela de oportunidade para uma mudança significativa e, principalmente, mais rápida de troca desses papéis. A exigência representou, na prática, uma mudança na estratégia que vinha sendo utilizada até agora pelo Tesouro de redução gradual da venda de LFTs por meio dos seus leilões semanais, que seguem as condições de demanda do mercado financeiro.

Para reler o "velho desenvolvimentismo"

Autor(es): José Luís Fiori
Valor Econômico - 28/12/2011

A hegemonia do pensamento desenvolvimentista, na America Latina, deita raízes na década de 30, se consolida nos anos 50, passa por uma auto-crítica nos anos 60, e perde seu vigor intelectual na década de 80. Nesse percurso é possível identificar três grandes "matrizes teóricas" que organizaram o debate em torno ao "papel do estado" no desenvolvimento econômico, e contribuíram para a construção e legitimação da ideologia "nacional-desenvolvimentista": 1) a teoria weberiana da "modernização", contemporânea da teoria das "etapas do desenvolvimento econômico", de Walter Rostow. Sua proposta de modernização supunha e apontava, ao mesmo tempo, de forma circular, para uma idealização dos estados e dos sistemas políticos europeu e americano; 2) a teoria estruturalista do "centro-periferia" e do "intercambio desigual", formulada pela Cepal. Sua defesa intransigente da industrialização lembra o nacionalismo econômico de Friedrich List e Alexander Hamilton, mas não dá a mesma importância destes autores aos conceitos de nação, poder e guerra.
E, finalmente, a terceira é a teoria marxista da "revolução democrático-burguesa" que via no desenvolvimento e na industrialização o caminho necessário de amadurecimento do modo de produção capitalista e da própria revolução socialista. Sua interpretação e estratégia traduziam de forma quase sempre mecânica experiências de outros países, sem maior consideração pela heterogeneidade interna da América Latina
A política macroeconômica dos militares nunca foi ortodoxa nem heterodoxa
Essas três teorias consideravam que o desenvolvimento econômico era um objetivo indiscutível e consensual, capaz de constituir e unificar a nação; se propunham construir economias nacionais autônomas e sociedades modernas e democráticas; consideravam que a industrialização era o caminho necessário da autonomia e da modernidade, ou mesmo da construção socialista; e, finalmente, propunham que o estado cumprisse o papel estratégico de condotieri desta grande transformação.
Com o passar do tempo, entretanto, duas coisas chamam a atenção, nesta história desenvolvimentista. A primeira, é que apesar desta ampla convergência estratégica, as políticas desenvolvimentistas só tenham sido aplicadas de forma muito pontual, irregular e descoordenada. E em todo este período só se possa falar da existência de dois "estados desenvolvimentistas", na América Latina: o mexicano, com muitas reservas; e o brasileiro, que foi o mais bem sucedido, do ponto de vista do crescimento econômico. E a segunda coisa que chama muito a atenção é que exatamente no Brasil, a matriz teórica e estratégica que teve mais importância não foi nenhuma dessas três, pelo contrário, foi a teoria da "segurança nacional" formulada pelos militares brasileiros que tiveram um papel central na construção e no controle ou tutela do "estado desenvolvimentista", entre 1937 e 1985. O "desenvolvimentismo militar" deu seus primeiros passos no Brasil com a Revolução de 30 e com o Estado Novo, mas só nos anos 50 se transformou numa ideologia e numa estratégia específica e diferenciada dentro do universo desenvolvimentista, sendo a única que associava explicitamente a necessidade do desenvolvimento e da industrialização com o objetivo prioritário da "defesa nacional".
Como contribuição ao debate contemporâneo, vale uma rápida anatomia desse projeto militar, que teve grande sucesso econômico mas foi muito frágil do ponto de vista político e social:
1. Os militares brasileiros propunham um projeto de expansão do poder nacional e uma visão competitiva do sistema mundial. Mas definiam sua estratégia de defesa a partir de um "inimigo externo" estritamente ideológico e longínquo, que nunca ameaçou nem desafiou efetivamente o país, e que foi importado da Guerra Fria.
2. A natureza exclusivamente ideológica desse "inimigo externo" permitiu aos militares transportá-lo para dentro do país, transformando todas as reivindicações e mobilizações sociais internas em manifestações que ameaçavam sua paranoia anticomunista. Daí veio o caráter conservador, autoritário e antipopular desse projeto desenvolvimentista.
3. Por sua vez, a desmobilização ativa da grande maioria da sociedade explica a composição heterogênea, oligárquica e quase sempre liberal da coalizão de interesses que sustentou, política e socialmente, o sucesso econômico do desenvolvimentismo militar brasileiro. Uma coalizão que se manteve unida enquanto duraram as altas taxas de crescimento e se desfez rapidamente na hora da grande crise econômica internacional, do início dos anos 80.
4. Por último, o projeto desenvolvimentista dos militares brasileiros utilizou a política macroeconômica como uma espécie de "variável de ajuste". Ela nunca foi consistentemente ortodoxa nem heterodoxa, foi apenas a resultante possível, a cada momento, do grande paradoxo desse projeto: a necessidade de crescer e fugir para frente, para manter unida uma coalizão de forças predominantemente antiestatais e antidesenvolvimentistas.

José Luís Fiori é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, 2007. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Estudo do BC mostra eficácia do corte de gastos


Autor(es): Por Ribamar Oliveira
Valor Econômico - 27/12/2011
 
Um estudo do Banco Central (BC), divulgado na semana passada como anexo do Relatório de Inflação, deixa claro que a magnitude do impacto de uma política fiscal contracionista sobre a inflação e sobre o produto depende do peso relativo atribuído à contenção de gastos e ao aumento da tributação. O esforço realizado por meio do aumento da arrecadação implica menor impacto do que a redução dos gastos do governo, de acordo com o estudo.
O BC procurou saber como a decomposição da política fiscal, em termos de variação de gastos e de variação de tributos, afeta a inflação e o produto, à luz do modelo Samba (Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach) - um modelo dinâmico estocástico de equilíbrio geral da economia desenvolvido e estimado pela própria autoridade monetária.
No primeiro exercício que fez, o BC verificou que o esforço fiscal baseado na redução exógena de gastos públicos durante quatro trimestres consecutivos, equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), implica retração imediata e direta da demanda de bens consumidos pelo governo e do produto agregado. Há redução da demanda por trabalho e da massa salarial, o que resulta em diminuição do consumo das famílias, aumentando a queda do produto.
A redução na demanda por fatores de produção reduz os custos marginais das empresas, o que leva a uma inflação menor. As simulações mostraram que há uma reação inicial e consistente de queda da inflação, que se amplia ao longo dos trimestres e tem efeito máximo em torno de um ano após o início do esforço fiscal.
Nesse caso, a magnitude do impacto da política fiscal sobre a inflação e o produto dependerá da política monetária executada pelo BC. Se ela for acomodatícia, ou seja, se o BC não atuar, por meio da taxa de juros, para estabilizar as flutuações geradas pela política fiscal, o impacto será maior. Se a taxa de juros for utilizada para reduzir as flutuações do produto, ou seja, o impacto será menor.
No segundo exercício, o BC simulou um aumento de arrecadação, realizado por meio da elevação dos impostos, equivalente a 1% do PIB, durante quatro trimestres consecutivos. Ele considerou que essa arrecadação adicional não resultou em aumento dos gastos do governo, ou seja, o crescimento da arrecadação elevou o superávit primário, na mesma proporção do ajuste feito pelo corte de gastos do primeiro exercício.
O aumento da tributação sobre as famílias provoca uma redução imediata do consumo. Como resultado, o produto recua, há menor pressão no mercado de fatores, os custos marginais das firmam diminuem e a inflação recua. Nessa simulação, os resultados dependem da política monetária executada pelo BC. Se ela for acomodatícia, o impacto será maior sobre o produto e a inflação.
Nesse caso, o estudo observa que parte da contração da demanda se traduz em redução na demanda por insumos domésticos e o restante na de insumos importados. "O vazamento externo explica porque o impacto sobre o custo marginal das firmas é menor, quando comparado ao estimado com redução de consumo do governo", diz o texto. "Desta forma, o esforço de arrecadação, embora na mesma dimensão da contenção de gastos, implica menor impacto sobre a inflação", conclui o estudo.
Uma fonte do governo observou ontem que o estudo do BC indica que se a presidente Dilma Rousseff realizar um ajuste fiscal nos próximos anos com ênfase maior no controle dos gastos público, em vez de aumento da arrecadação, como ocorreu em 2011, o resultado a ser obtido no combate à inflação será ainda mais efetivo.

A politização do Judiciário

Brasil
Autor(es): Raymundo Costa
Valor Econômico - 27/12/2011


Difícil imaginar um ano pior que 2011 para o Supremo Tribunal Federal. No entanto, é em 2012 que o tribunal será efetivamente posto à prova, com a emergência do julgamento do processo do mensalão. Mais até que em 2009, quando um ministro (Joaquim Barbosa) acusou o outro (Gilmar Mendes) de ter "capangas" em Mato Grosso.
O ano de 2009 foi sem dúvida inesquecível, mas as bordoadas trocadas internamente pelos ministros do Supremo estiveram longe de levar o país a uma "crise institucional", conforme chegou a ser dito na época. O processo do mensalão é jogo de cachorro grande, e o Supremo, no fim de 2011, revela-se fragilizado para enfrentar o desafio.
O ano que se inicia no próximo domingo é eleitoral. Mas antes de distrair a atenção da mídia e do Congresso, a eleição municipal deve ampliar o foco sobre o Supremo e tornar mais candente o julgamento. Em matéria de agenda, a do Supremo é a mais eletrizante, a menos que algum golpe de mão deixe as coisas no calendário da Justiça para as calendas.
Crise de hegemonia enfraquece STF para julgar mensalão
Passada a reforma do ministério, as agendas do Congresso e do governo não reservam maiores emoções. A do Legislativo é curta. A partir de junho deputados e senadores só pensam em eleição.
A agenda do Executivo é mais do mesmo, talvez com velocidade maior: monitorar a crise internacional, cercar a inflação e fazer a profissão de fé num crescimento econômico de 5%, até que as evidências demonstrem que, se ficar um pouco abaixo disso, pode estar de bom tamanho.
A eleição também será um momento crucial para o governo federal, que embora não esteja em julgamento nas urnas de 2012, não deixará de receber o resultado como uma referência para manter ou alterar cursos.
O julgamento do mensalão, na prática, já começou e pegou o Judiciário, por meio de sua Corte máxima, numa crise. O Supremo é corporativo quando tenta limitar os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ou quando deleta a memória de alguns figurões de toga. Por mais técnicas que sejam as razões apresentadas, a opinião pública sempre verá na decisão uma tentativa de escapar da fiscalização e do controle da sociedade.
Há uma crise de hegemonia na atual composição do Supremo, o que não seria necessariamente um mal, se a falta de consenso fosse efetivamente consequência de sólidas posições doutrinárias, o que é razoável, e não fumaça de uma fogueira de vaidades, como às vezes parece. Muito se falou, nos últimos dois anos, em "judicialização da política"; talvez seja o caso de se prestar mais atenção à politização do Judiciário.
A Lei da Ficha Limpa foi só o último embate a expor a fratura do Supremo. Aprovada a toque de caixa por um Congresso acuado por uma opinião pública saturada com os malfeitos com a coisa pública, a lei foi aplicada por diversos tribunais regionais - e o TSE - já nas eleições de 2010, embora não fossem poucos os avisos de que mudanças nas regras eleitorais somente são válidas quando feitas um ano anos da eleição.
O Supremo deixou rolar e só arbitrou após a eleição. Nem é preciso dizer que havia vários candidatos barrados pelos TREs mas consagrados pelos eleitores.
O resultado do julgamento foi um empate em cinco a cinco. Nomeado 11º ministro, Luiz Fux desempatou em favor dos que consideravam que a Lei da Ficha Limpa precisava estar aprovada um ano antes, para ter validade nas eleições de 2010. Quem foi eleito e não assumiu recorreu ao Supremo, que reconheceu o direito de todos mas empacou quando tratou do caso do ex-senador Jader Barbalho.
Novo empate, até o presidente da Corte, Cesar Peluso, desempatar em favor de Jader e assim esvaziar um novo contencioso, desta vez com o PMDB. Resta ainda o Supremo dizer se a lei vale para as eleições de outubro deste ano, o que depende do voto da nova ministra Rosa Weber. Com o caldeirão fervendo, o presidente do Supremo ficou enfraquecido para negociar o aumento dos servidores do Judiciário.
Nas conversas com o PMDB, o ministro Ayres Brito demonstrou preocupação com os contenciosos do Supremo com os outros dois poderes da República. A cúpula do PMDB se comprometeu a ajudar na distensão. Ayres Brito toma posse na presidência do Supremo em maio.
O Supremo vai precisar de mais paz, menos holofotes e vaidades exacerbadas para julgar um dos principais processos da sua história. Afinal, o homem mais poderoso do primeiro mandato do governo Lula é acusado de haver montado uma quadrilha para comprar votos no Congresso. Os advogados da maioria dos acusados integram a primeira linha da banca. Não é uma tarefa simples. O Supremo não vai a lugar algum sem antes se recompor politicamente.
A recomposição política do Supremo não quer dizer parcialidade no julgamento. Trata-se, isso sim, de acertar procedimentos para evitar que as suscetibilidades, de alguma maneira, contaminem o julgamento. O pronunciamento do Supremo, absolvendo ou condenando, deve ser inquestionável.
Os primeiros ensaios para o julgamento não oferecem razões para otimismo. O ministro Ricardo Lewandowski advertiu que alguns crimes do mensalão poderiam prescrever porque ele teria pouco tempo para revisar o processo. Ato seguinte, o presidente da corte, Cesar Peluso enviou um ofício ao relator Joaquim Barbosa pedindo que ele colocasse o processo à disposição de todos os ministros.
Barbosa reagiu como era esperado pelos advogados que atuam nos tribunais superiores: como se a declaração de Lewandowski fosse uma crítica pessoal a seu trabalho. Em resposta, deu a entender que se sentira cobrado pessoalmente, e criticou o que chamou de "lamentável equívoco", pois os autos do mensalão estão há mais de quatro anos digitalizados e acessíveis a todos os ministros do tribunal. Ainda alfinetou os demais ao dizer que há no STF processos bem mais antigos que o dos 40 mensaleiros.
Barbosa tem um histórico de incidentes com outros colegas do Supremo. Nesse ritmo, 2012 não será apenas o ano do Supremo, mas também o de protagonismo do primeiro ministro negro da história do Supremo Tribunal Federal. Algum tempo depois de tomar posse, ao comentar suas desavenças com outros ministros, ele mesmo alertou que não se deveria esperar dele a atuação de um "negro submisso e subserviente".

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Repasses ao BNDES: Cornucópia?

Autor(es): Márcio G. P. Garcia Valor Econômico - 21/12/2011  

Foi divulgado pelo IPEA o texto para discussão nº 1.665, intitulado "Mensurando o resultado fiscal das operações de empréstimos do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): custo ou ganho líquido esperado para a União?". O instigante estudo contrapõe-se a diversas manifestações, dentre as quais uma coluna que aqui escrevi há pouco mais de um ano, contrárias às vultosas transferências de recursos do Tesouro ao BNDES que vêm sendo feitas desde 2009, hoje totalizando quase um quarto de trilhão de reais.
O estudo chega à surpreendente conclusão de que, computados os benefícios de geração de investimento adicional e renda, no curto e no longo prazos, os empréstimos do Tesouro em 2009 e 2010 ao BNDES, que somaram R$ 180 bilhões, geraram ganho fiscal líquido de R$ 100 bilhões, em valor presente.
Para chegar ao ganho de R$ 100 bilhões, os autores primeiro estimaram os custos do subsídio implícito no empréstimo, pois o Tesouro empresta ao BNDES à TJLP (hoje em 6%), enquanto capta dívida, grosso modo, à taxa Selic (hoje em 11%). Em seguida, estimam um ganho fiscal de curto prazo, oriundo do aumento do produto e da renda que teria ocorrido em decorrência dos empréstimos do BNDES viabilizados com os recursos da União. Somam ao ganho fiscal um componente de longo prazo, supostamente oriundo dos efeitos dos investimentos financiados pelo BNDES sobre o crescimento da economia. O custo fiscal é estimado em R$ 50 bilhões, enquanto os ganhos em R$ 150 bilhões, daí resultando o ganho líquido de R$ 100 bilhões.
A parte inicial do estudo é a estimação dos custos diretos do subsídio implícito no empréstimo de R$ 180 bilhões. Tal cálculo envolve muitos detalhes e suposições. Infelizmente, os autores não divulgam apêndices contendo os dados fundamentais para que se possa avaliar quão razoáveis são as hipóteses adotadas. Os resultados finais das estimativas indicam que o custo fiscal direto do empréstimo da União ao BNDES (o subsídio implícito no empréstimo) seria de 28% dos R$ 180 bilhões, ou R$ 50 bilhões.
Para avaliar se tais valores são ou não razoáveis, sem dispor dos dados usados no estudo, pode-se fazer uma conta simples, supondo-se que o custo da dívida pública se mantivesse igual à taxa Selic do momento em que o estudo foi feito (7/7/2010), 10,25%, bem como a TJLP também ficasse constante em 6%. Obviamente, tal cálculo é uma aproximação grosseira, mas serve bem para avaliar, em princípio, os resultados do artigo. A tabela mostra qual seria o subsídio (perda) do empréstimo da União ao BNDES. Dado que os empréstimos são de prazos entre 30 anos e 40 anos, a conclusão é a de que os cálculos parecem subestimar em larga medida o custo fiscal do empréstimo. Uma análise mais profunda requer que os autores tornem disponíveis os dados usados.
Mas a parte mais problemática do artigo está na estimação dos ganhos de receita fiscal supostamente advindos dos efeitos dos empréstimos do BNDES sobre o aumento do investimento. Os autores reconhecem que parte dos investimentos financiados pelo BNDES teria recebido crédito de outras fontes, caso o subsidiado não tivesse existido. Portanto, é preciso estimar quanto do investimento financiado pelo BNDES deixaria de ser realizado, caso os empréstimos subsidiados não tivessem sido viabilizados pelos recursos do Tesouro. Para isso, contudo, recorrem a um instrumental econométrico inadequado. As técnicas usadas para estimar os coeficientes utilizados pelos autores nas simulações não tratam devidamente os problemas de endogeneidade econométrica, que permeiam regressões em macroeconomia. Técnicas que levam tais problemas em conta, desenvolvidas em grande parte pelos ganhadores do Nobel de Economia deste ano, Sargent e Sims, estão disponíveis há algum tempo e deveriam ser usadas.
Afinal, como se explica que, apesar de grande aumento de desembolsos do BNDES, a participação do investimento no PIB não conseguiu sequer atingir modestos 20%, no período recente?
Mas não param aí as falhas do estudo. Uma vez estimados (ainda que erradamente) os efeitos dos empréstimos do BNDES sobre o quantum do investimento, os autores prosseguem com análises baseadas em modelos keynesianos antiquados que supõem implicitamente que a economia não esteja em pleno emprego (uma boa hipótese em 2009, mas não a partir de 2010). Alguns dos coeficientes também são muito otimistas, contribuindo para inflar os ganhos fiscais. Na forma atual, as estimativas realizadas não são válidas e não podem ser usadas como base para prescrições de política econômica.
O estudo também passa ao largo de importantes temas que nenhum banco deveria deixar de considerar, como a quantificação da inadimplência. Tampouco menciona que parte dos empréstimos do BNDES foi usada para compra de empresas, aqui e no exterior, sem qualquer ganho fiscal. Finalmente, o estudo considera como ganho fiscal os dividendos pagos pelo BNDES ao Tesouro. Tal prática constitui forma espúria de gerar superávit fiscal com base em aumento da dívida pública, distorcendo as estatísticas fiscais e prejudicando o bom ordenamento das contas públicas.
Uma reflexão final: se os R$ 180 bilhões de empréstimos da União ao BNDES gerassem um ganho fiscal de R$ 100 bilhões, além de fomentar o investimento, o emprego e a renda, a prescrição óbvia de política econômica deveria ser aumentar ao máximo os repasses ao BNDES. O fato de os autores não se atreverem a colocar no papel tal prescrição é um forte indício de que talvez não confiem tanto nos resultados. Nisso eles têm razão. Não deveriam.
Márcio G. P. Garcia - PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Itália está à beira da recessão


Correio Braziliense - 22/12/2011
 

PIB da terceira maior economia da Zona do Euro recua 0,2% no terceiro trimestre. Analistas prevêem que retração deve se intensificar em 2012
Milão — Paralisada pelas medidas de austeridade e afetada por uma conjuntura mundial mais do que sombria, a economia italiana apresentou contração de 0,2% no terceiro trimestre, aproximando o país de um quadro recessivo que tende a ser duradouro. É a primeira queda trimestral desde o fim de 2009. Em relação ao mesmo período do ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas) ainda cresceu 0,2%, segundo o Instituto de Estatística Italiano (Istat).
O nível de atividade econômica se revelou mais baixo do que o estimado pelos economistas, que esperavam recuo de 0,1%, segundo dados do Dow Jones Newswires. De acordo com o Istat, a retração verificada de julho a setembro foi provocada por um recuo de 0,3% do consumo e por uma diminuição de 0,8% nos investimentos.
Com base nas últimas estatísticas — queda da produção e dos pedidos industriais de outubro —, o cenário negativo deve se repetir nos últimos meses de 2011, o que colocaria a Itália tecnicamente em recessão, caracterizada por uma contração do PIB durante pelo menos dois trimestres consecutivos.
A expectativa dos economistas é que as dificuldades se intensifiquem em 2012, quando terão impacto mais forte as medidas de austeridade adotadas para reduzir a enorme dívida pública de 1,9 trilhão de euros. As projeções do próprio governo apontam para um recuo de 0,4% no próximo ano, mas a Federação das Indústrias estima um cenário ainda pior, com retração de 1,6%. Nesta semana, o Senado deverá ratificar um novo plano para restaurar a confiança dos mercados, que prevê cortes de 20 bilhões de euros nas despesas públicas até 2014, restringe o direito à aposentadoria e cria mais impostos.
A agência de classificação Fitch Ratings informou ontem que, por causa da deterioração econômica italiana, estuda rebaixar as notas de crédito de longo prazo de 41 cidades, regiões e departamentos do país, entre eles Roma, Milão e a região industrializada da Lombardia.
A Fitch colocou também sob "vigilância negativa" as entidades públicas, como os correios, uma decisão que aumenta a dificuldade desses organismos para obter crédito nos mercados. Entre os governos regionais ameaçados figuram Lacio (Roma), Lombardia (a mais rica da Itália), Piemonte, Veneto, Calabria e Sicília. A agência explicou que as notas das localidades ou entidades públicas "não podem ser superiores" à classificação  do país.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A USP dá exemplo para o Brasil seguir


Autor(es): José Nêumane Pinto
O Estado de S. Paulo - 21/12/2011
 
JOSÉ, NÊUMANNE, JORNALISTA, ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO JORNAL DA TARDE, JOSÉ - O Estado de S.Paulo
Os estudantes e sindicalistas de extrema esquerda que se rebelaram contra a presença da Polícia Militar (PM) no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), sem querer, e o reitor da instituição, João Grandino Rodas, no pleno e voluntário exercício da autoridade de que foi investido, estão fazendo história.
O episódio é notório e recente, mas convém resumi-lo para a argumentação ficar clara: em maio, no ápice de estupros, assaltos relâmpago e outras atitudes violentas de bandidos que se aproveitavam da falta de policiamento nos espaços vazios da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, um estudante foi morto num assalto. A direção da universidade houve por bem firmar convênio com a PM para substituir com soldados fardados da corporação os poucos e desarmados agentes de segurança própria. Ruminando seu ódio contra a presença de agentes da lei num território que consideram, se não fora, no mínimo, além da lei, funcionários, docentes e estudantes filiados a grupos de extrema esquerda encontraram num caso isolado motivo suficiente para armar um fuzuê e tentar forçar a saída dos policiais de uma área pública da qual se acham donos. Três alunos foram flagrados fumando maconha e isso deu origem à ocupação de um prédio administrativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), invasão depois estendida à Reitoria. Expulsos pela PM cumprindo ordem judicial, os invasores foram levados à delegacia e libertados sob fiança.
Na semana passada, o professor de Filosofia Contemporânea Carlos Alberto Ribeiro de Moura reprovou por faltas 60 alunos que não compareceram ao número regulamentar de aulas para engrossarem o coro dos rebeldes descontentes na greve de novembro. E, pela primeira vez em dez anos, a USP expulsou seis alunos que, sob idêntico pretexto de protesto, ocuparam salas da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas) dizendo reivindicar melhoria nas condições de moradia e aumento do número de vagas no Conjunto Residencial da USP (Crusp), na mesma Cidade Universitária, no ano passado. Tanto em 2010 como no mês passado, os pretensos rebeldes quebraram computadores, destruíram prontuários e depredaram os prédios invadidos, construídos e mantidos com dinheiro público.
Como era de esperar, os dirigentes de centros acadêmicos e sindicatos de funcionários acusaram o reitor Rodas de perseguição política, classificando as expulsões de "autoritárias" e as reprovações impostas por Moura, de "intempestivas". As acusações baseiam-se em confusão idêntica àquela com a qual pretenderam confundir a presença da polícia para garantir a vida das pessoas e exercer a força legítima em nome do Estado Democrático de Direito com ocupações manu militari da época da ditadura. Agora o argumento mentiroso é que as expulsões foram baseadas num regimento introduzido por decreto durante o mesmo regime arbitrário. O regimento, na verdade, data de 1990, sob a égide da Constituição de 1988 e de um presidente eleito democraticamente.
A mistificação tem o mesmo objetivo cínico de jogar areia nos olhos do cidadão comum, que sustenta com muito sacrifício os privilégios usufruídos pelos estudantes da USP e tem como recompensa por isso a destruição de prédios e equipamentos comprados com seu dinheiro e tendo muitas vezes de pagar escola particular para os próprios filhos. Os invasores dos prédios em novembro usaram a desfaçatez deslavada de considerar instrumento de tortura os ônibus em que foram transportados para a delegacia e tiveram a caradura de se dizer "presos políticos" durante as poucas horas em que foram fichados pela Polícia Civil antes de serem liberados sob fiança bancada pelos sindicatos de servidores da USP. Ou seja, por mim e por você, leitor, pois tais sindicatos, como quaisquer outros, vivem do imposto sindical arrecadado de um dia de trabalho de todo portador de carteira assinada no Brasil, sindicalizado ou não. Isto é: os baderneiros que se amotinaram para deixar o câmpus "sagrado" livre para a atuação de estupradores, assaltantes, assassinos e traficantes de entorpecentes destruíram patrimônio adquirido com o suor do cidadão, inclusive o mais pobre, e foram soltos sob fiança desembolsada por todos os trabalhadores.
Nem todos os 73 desalojados dos prédios ocupados estavam matriculados na USP. Cabe à autoridade informar à sociedade o que fazia em tais edifícios gente alheia à atividade acadêmica fingindo protestar em defesa dela.
Convém lembrar que quadrilheiros do crime organizado de facções como o Comando Vermelho (CV), no Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, aprenderam nos cárceres em que a ditadura os misturou com presos políticos o emprego da definição de "preso político" para conquistarem a simpatia da população e o beneplácito da autoridade. Os estudantes e seus agregados na invasão não são os primeiros nem serão os últimos a recorrer ao eufemismo como tábua de salvação.
Portanto, as atitudes exemplares do professor Carlos Alberto Ribeiro de Moura e do reitor João Grandino Rodas não apenas restauram a autoridade da administração de uma instituição de ensino e pesquisa que já foi mais respeitada. Elas também deveriam servir de exemplo em outros ambientes institucionais nos quais a leniência quanto ao cumprimento da lei e o relaxamento da ordem põem em xeque o conceito fundamental da democracia, que é o da igualdade de todos perante a norma jurídica. Nesta República do vale-tudo para alguns e onde nada podem quase todos, políticos são autorizados a movimentar caixa 2 em campanha eleitoral, o que não é permitido a cidadãos comuns na escrita de suas contas. A punição a quem cabulou aulas e destruiu equipamentos na USP deveria servir de ponto de partida para atitudes semelhantes no exercício da política e na gestão pública.

Afundando na "grande estagnação"


Autor(es): Martin Wolf
Valor Econômico - 21/12/2011
 
O futuro não é o que costumava ser. Nem o presente. Esse é o tema de "The Great Stagnation" (A grande estagnação), de Tyler Cowen, da George Mason University.* O tema está em seu subtítulo: "How America ate all the low-hanging fruit of modern history, got sick and will (eventually) feel better". O livro é um modelo de texto popular: lúcido, conciso e provocador. Mas será o argumento verdadeiro? Se o for, o que poderia isso implicar?
"Os EUA estão em tumulto", afirma Cowen, "e nossa economia está nos deixando na mão". Ele cita o lento crescimento da mediana salarial a partir dos anos 1970, as ilusões da década de 2000 e a ausência de "criação líquida de novos empregos nesta última década". Além disso, "estamos diante de uma crise fiscal de longo prazo, impulsionada pelo custo cada vez maior de direitos sociais, nossa... dependência de endividamento e nossa vontade de ir empurrando as coisas, em vez de encarar a necessidade de pagar as contas".
Até aqui, o argumento é familiar. Mais nova é a explicação de Cowen para a situação dos EUA: "A economia americana beneficiou-se... de insumos ao alcance da mão pelo menos desde o século XVII, seja terra ociosa... trabalho de imigrantes ou novas e poderosas tecnologias. No entanto, durante os últimos 40 anos, quando os frutos maduros começaram a desaparecer, começamos a fingir que ainda estavam disponíveis. Foi isso o que deu errado".
O papel de insumos baratos e da importação de mão de obra no crescimento americano passado é claro. Mas Cowen acrescenta um ponto importante. Em 1900, apenas 6,4% dos americanos diplomavam-se em universidades; no fim dos anos 1960, 80%. Analogamente, até 2009, 40% dos jovens entre 18 e 24 anos já estavam matriculados em faculdades. Tornou-se muito mais difícil melhorar a qualidade da força de trabalho.
Boa parte da causa mais importante do crescimento econômico sustentado são as novas ideias. Infelizmente, as taxas de invenção e inovação também têm diminuído. O ponto alto foi o fim do século XIX e início do século XX, que produziu produtos químicos modernos e, portanto, fertilizantes artificiais; eletricidade e, portanto, o motor elétrico, luz, geladeiras, aspiradores de pó, aparelhos de ar-condicionado, rádios, vitrolas e a televisores; o motor de combustão interna e portanto o automóvel; aviões, produtos farmacêuticos e, não menos importante, a produção em massa. Tudo isso transformou vidas.
"Hoje, em contraste", argumenta Cowen, "além da aparentemente mágica internet, a vida material, em termos gerais, não é tão distinta do que era em 1953". Eu acrescentaria o computador e o telefone celular. Mas é difícil não concordar com que o fluxo de inovações fundamentais desacelerou. Hoje é mais difícil e mais caro inovar.
Para justificar seu pessimismo, Cowen cita a estagnação da renda familiar média a partir de meados dos anos 1970. Mas mudanças na distribuição de renda - um fenômeno nítido - moldam esse cenário. No entanto, dados sobre a renda per capita e sobre a "produtividade multifatorial", a parte do crescimento econômico não explicada por crescentes insumos de capital e de mão de obra - apoiam a tese de Cowen. No primeiro trimestre de 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) real per capita foi 13% inferior do que teria sido se a tendência de 1947 a 1973 tivesse persistido. No terceiro trimestre de 2011, o PIB foi 22% menor. Num estudo aprofundado, Robert Gordon, da Northwestern University, conclui, analogamente, que o crescimento multifatorial de produtividade no setor empresarial não agrícola atingiu um pico na primeira metade do século XX e caiu entre 1972 e 1996**. O PIB, então, viveu um surto em maio à onda da "Nova Economia". Mas esse impulso se dissipou. É possível imaginar outro surto inovador com impacto na economia como um todo com origem em biotecnologia ou nanotecnologia. Mas, neste momento, isso não está ocorrendo.
É possível divergir da tese de Cowen em seus detalhes. Ele exagera o papel negativo de governo grande e subestima sua influência positiva. Mas o quadro mais amplo que ele desenha parece correto. Assim, o que a estagnação americana implica para o restante do mundo?
Cowen tira duas conclusões. A primeira é que "a política americana é muito difícil, num país sem muitos frutos maduros ao alcance das mãos". A segunda é que a explicação da crise financeira está em "pensarmos que éramos mais ricos do que efetivamente somos". Com efeito, ele acredita que os americanos demandaram, tanto coletiva como individualmente, o que não tinham condições de pagar. Pode muito bem ser verdade que o desejo de tomar tantos empréstimos e de resistir tanto a impostos mais altos e a contenção de gastos reflita o decepcionante aumento das rendas reais.
Agora consideremos o restante do mundo. Aqui podemos ver boas e más notícias. Uma boa notícia é que a grande maioria dos seres humanos vivem em economias distantes da fronteira econômica. O PIB real per capita chinês é cerca de um quinto dos níveis nos EUA e o da Índia é inferior a um décimo. Assim, melhorias em educação e adoção de conhecimentos já existentes proporcionam grandes oportunidades. A segunda boa notícia é que o potencial de incorporação de um número muito maior de pessoas em descoberta científica, invenção e inovação é também enorme. Pode ser cada vez mais difícil conquistar novos conhecimentos. Mas os recursos destinados a essa tarefa podem também ser muito maiores do que em qualquer momento anterior. A má notícia é que a era dos insumos baratos não está terminando não apenas para os EUA. O que antes era tratado como gratuito é caro.
Eu gosto desse livro: ele começa com teses provocativas e termina com um apelo a investimentos em ciência. Eu não concordo com tudo o que defende, longe disso. Mas é bom lembrar que existem histórias econômicas muito maiores do que o fracasso do mundo financeiro ou o apelo à austeridade. No longo prazo, nosso futuro depende de boas ideias. Pode não caber a nós determiná-las. Mas sempre estarão sujeitas à nossa influência.
* Dutton, Nova York, junho 2011.
** "Revisitando o crescimento da produtividade americana", março de 2010, www.nber.org.
(Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Falso progresso


Antonio Delfim Netto
Valor Econômico - 20/12/2011
 

O ano de 2011 termina com uma formidável incerteza. Sobreviverá a Eurolândia à crise que a envolve? Não se trata apenas de uma grave situação, cuidadosa e insidiosamente construída desde a introdução do euro como a moeda dos 17 países que a ela aderiram. A trágica dúvida é que suas lideranças políticas parecem perplexas diante da complexidade do problema.
Não entendem que os pequenos "remendos" que acompanham cada reunião da Comunidade são insuficientes para dar oxigênio a uma ideia politicamente ousada, mas necessária para a tranquilidade de um continente que tem arbitrado militarmente suas idiossincrasias há 25 séculos, com enorme custo de vidas humanas e destruição do capital, trabalho congelado do passado.
Muitos economistas criticaram a introdução do euro, menos como uma ideia errada e mais como uma precipitação, pela ausência de um forte suporte fiscal que é o "garante" de qualquer federação. Poucos, entretanto, anteciparam que o euro, sem um poder fiscal centralizado e capaz de sustentar políticas redistributivas entre os Estados membros, continha em si a semente de graves problemas. O dinamismo diferenciado de cada um acabou levando a déficits em conta corrente, que só podem ser eliminados ou pela redução da taxa de crescimento dos países devedores, ou pelo seu endividamento externo.
O primeiro remédio é amargo. Logo, todos preferiram o segundo. Puderam utilizá-lo pelas condições do mercado financeiro: 1) um aumento da alavancagem produzida pelas "inovações", cujos riscos eram muito mal avaliados; e 2) pela "simpatia" das taxas de juros dos papéis soberanos dos países à virtuosa taxa da Alemanha. Apenas para dar um exemplo: os papéis soberanos da Grécia, que antes da substituição da sua moeda (dracma) pelo euro pagavam 13% de juros, caíram, rapidamente, para 3%!
Há alguma injustiça quando se julga o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) estabelecido no Tratado de Maastricht, cujos "princípios" deveriam ser observados pelos Estados que pretendiam usar o euro em 1997. O PEC objetivava um equilíbrio fiscal que, em condições normais, não deveria produzir um "déficit estrutural" maior do que 0,5% do PIB (e equilíbrio dentro do ciclo), podendo chegar a 3% em momentos de crise.
Adicionalmente, a relação dívida bruta/PIB não deveria ser superior a 60%. No período preparatório, essas condições foram relativamente bem cumpridas pelos "aspirantes" ao euro. De novo, apenas para dar um exemplo: em 1991, a Grécia tinha um déficit estrutural de 12% e em 1999 ele caiu para pouco menos de 2%. O mesmo aconteceu com a Itália (de 12% em 1991, para 1,5% em 1999).
O que não funcionou foi o controle de Bruxelas, que aceitou uma interpretação maligna: os déficits estruturais não deveriam ser superiores a 3%, não importando em que estágio estivesse o ciclo econômico. Na última reunião da Comunidade Europeia, não houve avanço sobre Maastricht, mas apenas a ratificação do que fora acordado e não cumprido, o que seguramente não é muita coisa.
A tragédia mostra que é preciso avançar no aprofundamento de um federalismo fiscal, que torne irrelevantes os déficits em conta corrente dos países devedores através de mecanismos de transferência, como existem em todas as federações. Com isso os "devedores" não têm que sacrificar seu crescimento ou, alternativamente, aumentar o seu endividamento público e privado. O horror alemão a essa solução é tal que o presidente do Bundesbank (membro do BCE) apressou-se em dizer que "fizemos em Bruxelas um pacto fiscal, não uma união fiscal".
Para entender o que precisa fazer a Eurolândia, nada melhor do que olhar para o progresso fiscal da Federação no Brasil desde a Constituição de 1988, com a reafirmação dos fundos de participação de Estados e municípios; com a execução do Proer e Proes; com a criação da Secretaria do Tesouro Nacional; com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal e a substituição dos papéis estaduais e municipais por títulos federais (sem perdoar as dívidas, mas dando aos entes federados as condições de honrá-las no longo prazo) e estabelecendo rígido controle do endividamento estadual. Ou então, lembrar o que fez Alexander Hamilton com a dívida dos Estados Federados.
Em poucas palavras: para funcionar como uma federação, os participantes da Eurolândia têm de criar um poder central adequadamente eleito que: 1) controle as finanças das unidades federadas; e 2) dê ao seu Banco Central as condições de autonomia operacional para fiscalizar e garantir a liquidez do sistema financeiro e ser o emprestador de última instância. Não é possível que um ou dois países (Alemanha e França) tenham esse poder, pelo déficit democrático que isso representa.
É uma ilusão pensar que houve grande avanço, além do restabelecimento do princípio que no ciclo é preciso o equilíbrio fiscal, e que déficits estruturais acima de 0,5% do PIB serão escrutinados com microscópio. A primeira dificuldade é que o cálculo do déficit "estrutural" - no fundo, o déficit público que aconteceria, se o país estivesse usando toda a sua capacidade produtiva - exige que se conheça o famoso "produto potencial", que não é uma variável observável, mas uma idealização problemática, sempre sujeito a discussão.
A separação algébrica que leva à identidade déficit fiscal = déficit cíclico + déficit estrutural é muito interessante do ponto de vista didático (no quadro-negro, que aceita quase tudo). Na prática, a coisa é outra. As despesas do governo são discricionárias, a carga tributária depende do "ciclo" e do comportamento do governo, de forma que não há nada constante. Isso sugere que as discussões para calculá-lo (entre os sofisticados burocratas de Bruxelas) serão infinitas...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Conferência da OMC anuncia fim da era dos acordos

Autor(es): JAMIL CHADE
O Estado de S. Paulo - 19/12/2011

Conferência da OMC anuncia fim da era dos acordos

O vento gelado dos Alpes varreu nos últimos dias a cidade de Genebra, onde ocorria neste fim de semana a conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para muitos, a tempestade era o sinal de tempo difíceis.
Enquanto políticos faziam falsas promessas de manter mercados abertos, diplomatas e economistas chegavam à mesma conclusão: a recessão acabou com 20 anos de uma processo de liberalização dos mercados e o mundo caminha para uma segunda onda de protecionismo, ainda mais profunda, que provocaria prejuízos à economia mundial de R$ 1,5 trilhão.
Nem o Brasil, nem a UE nem os Estados Unidos demonstram hoje interesse real na conclusão da Rodada Doha. Mas, para além dos acordos, o que se verifica é a proliferação de medidas protecionistas, tanto em países ricos como emergentes.
Para 2012, o comércio mundial deve, na melhor das hipóteses, sofrer uma estagnação por causa da queda de consumo. Mas a onda de barreiras ameaça fazer o fluxo contrair. "Há sinais sérios de isolacionismo que se parecem com o momento da recessão dos anos 30", alertou Pascal Lamy, diretor-geral da OMC.
Em média, três barreiras são implementadas no mundo por dia e, cada qual com sua estratégia, a ordem é a de proteger suas indústrias em tempos de estagnação e desemprego. Essas medidas e ameaças mostram que a era dos acordos comerciais pode ter chegado a um fim, pelo menos temporário. "Acho que o inverno comercial começou", alertou um diplomata escandinavo.
Desde 1990, mais de 400 acordos comerciais foram fechados entre regiões e países. Só o México e o Chile chegaram a fechar tratados com mais de 30 países diferentes. No começo dos anos 90, países como o Brasil e Índia abriram unilateralmente seus mercados, convencidos de que precisavam importar para modernizar suas indústrias.
A Rodada Doha, lançada em 2001 para formatar o novo mundo comercial, foi definitivamente engavetada neste fim de semana. Mas a onda protecionista vai além. Com o desemprego sem dar sinais de ceder e governos sendo derrubados pela crise, a ordem é de traçar estratégias para aguentar anos de estagnação.
Sem acordos. No caso de europeus e americanos, a barreira não vem do aumento de tarifas, mas de políticas de incentivo a grupos locais e o fim de novas concessões. A possibilidade de acordos comerciais que possam afetar a agricultura, portanto, está totalmente afastada.
Entre os mercados emergentes, a onda protecionista é evidente, com dezenas de medidas na Argentina, Rússia, Índia, Indonésia, Tailândia e outros países. Com a queda do mercado europeu e americano, China, Brasil e Índia sabem que as exportações aos países ricos devem ser freadas. Em 2012, a previsão dos europeus é de que comprarão 1,5% a menos do mundo que em 2011.
A resposta dos emergentes é também erguer barreiras, seja para salvar a balança comercial positiva, seja para compensar as perdas com as exportações. Ao Estado, funcionários do governo admitem que medidas de defesa comercial "não serão poupadas" em 2012, seja na forma de barreiras antidumping, incentivos locais ou salvaguardas. O chanceler Antonio Patriota evita a palavra protecionismo. Prefere justificar as decisões como forma de garantir "espaço para políticas públicas".
A China, maior exportador do mundo, também admite que começa a perder com a volta da recessão nos países ricos. O ministro do Comércio, Deming Chen, deixou claro que o país "defenderá seus interesses".
Lamy não mede as palavras para criticar as medidas "míopes" de governos e alerta que a segunda onda da crise é ainda mais perigosa que a primeira. "Para 2012, há poucos sinais de otimismo. O clima é ruim e vivemos tempos difíceis, com a pressão protecionista aumentando."

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Crisi senza fine

Brasil S.A
Correio Braziliense - 16/12/2011
 

Nem passou uma semana desde que os chefes de governo da União Europeia anunciaram o pacto de austeridade que poria uma pedra sobre a crise que assombra o euro e a pasmaceira está de volta.
Sem perspectiva de crescimento econômico convincente, com seus bancos travados pela montanha dos títulos de dívida pública dos países da Zona do Euro depreciados e repelidos pelos gestores do mercado financeiro, entregue a lideranças perplexas e temerosas sobre o que fazer, a Europa até que tem resistido com braveza à sua fieira aparentemente sem fim de infortúnios.
À distância a impressão é que os europeus dão piruetas à beira do abismo. Olhando de perto, avista-se uma economia sólida, mas começando a fenecer pelos problemas que se arrastam sem solução.
A produção industrial, por exemplo, está "apenas" 9% abaixo de seu nível pré-crise. Mas o autoengano dos governantes, sobretudo dos alemães, convencidos de que medidas de austeridade antecedem quaisquer ações que impliquem ao Banco Central Europeu (BCE) vir a emitir euros ou títulos comunitários, os tais eurobônus — para desempoçar o mercado de dívidas soberanas e destravar o crédito —, condena a região à ruína. E a união monetária, ao colapso.
A estagnação da indústria europeia, motivo de apreensão até há pouco, já é vista como um bom resultado perto do que está para vir. Em outubro, a indústria recuou 0,1% em relação a setembro e cresceu 1,6% sobre igual mês de 2010. As projeções até dezembro também indicam "contração moderada", segundo o BNP Paribas. Mas para 2012 as expectativas são de recessão. E até de algo pior.
Os sinais estão em toda parte. A França está ameaçada de perder a nota de crédito AAA das agências de risco — uma avaliação hoje que distingue, na Zona do Euro, Alemanha, Finlândia, Holanda e Luxemburgo. Se descer desse pedestal, a França vai pagar mais caro para rolar sua dívida. Os EUA também foram rebaixados para AA, mas, como o mundo corre para o dólar, seu custo para assumir novas dívidas e rolar as antigas não aumentou. Até diminuiu.
A França tem a segunda maior economia do euro depois da Alemanha. A competitividade de suas empresas é inferior à alemã. A banca está superentalada com papéis de dívida do Tesouro francês e de vizinhos insolventes, como Grécia, ou sob o ataque dos mercados, caso de Itália e Espanha. Resultado: o custo do seguro da dívida da França (com base nos CDS, de credit default swap) já é maior do que o do Tesouro do Brasil, com nota de crédito menor (BBB).
O marmanjo abandonado
Depois de todo o carnaval da premiê da Alemanha, Angela Merkel, radiante com o resultado da cúpula da União Europeia, no último fim de semana, não era para seu colega francês Nicolas Sarkozy aparecer na foto com cara de marmanjo abandonado. E talvez, no íntimo, invejando a independência do inglês David Cameron, que chutou o pau da barraca e negou apoio às medidas draconianas impostas por Merkel para ajudar os países europeus endividados.
Parte da UE, mas não da Zona do Euro, a Inglaterra se isolou, mas sua solidão pode ser breve. Os governos da República Tcheca e da Hungria, que também estão fora da união monetária, ameaçam recuar do apoio ao acordo de austeridade exigido por Merkel.
Cortando-se com gilete
A adesão a tal pacto implica ceder à burocracia de Bruxelas a soberania fiscal, já que o veto sobre o orçamento fiscal sairá dos parlamentos regionais para a caneta do comissariado europeu. E isso em troca de solução para as dividas nacionais que só virá depois que cada governo rendido implante cortes severos de gastos, aumente impostos, demita funcionários, privatize bancos e empresas, reduza aposentadorias. Corte-se com gilete, enfim.
Gerenciamento sombrio
Foi o que o ex-primeiro-ministro da Itália Silvio Berlusconi não quis ou não conseguiu fazer e renunciou. A Itália, terceira maior economia do euro, tem dívida irresgatável, apesar de sua economia, sobretudo a indústria, ser competitiva. Mas com o euro valorizado o que lhe resta? Deflacionar salários. Seu sucessor, um tecnocrata escolhido por Bruxelas, diz que faz, o parlamento italiano está acuado, e as ruas começam a sair de controle.
O que cobrar da sociedade, se, segundo o ministro da Indústria, Corrado Passera, a Itália está em recessão como sequela da crise "criada por um gerenciamento sombrio e inadequado"? Se for como quer a Alemanha, a recessão só vai reduzir a capacidade de cada país pagar o que deve. Vai piorar muito antes de melhorar.
Um perfil de suicidas
Em depoimento ao parlamento alemão na quarta-feira, Merkel, com sua característica frieza, disse que levará anos para a crise da Europa ser resolvida, enquanto os mercados esperam resposta para hoje ou amanhã. Nem a Alemanha pode esperar. No modelo europeu da integração inacabada, o BCE centraliza as políticas, mas cabe aos bancos centrais regionais implantá-las, assim como fechar as contas uns dos outros. O BC deficitário é suprido pelo que tiver superavit — há muito tempo predicado quase único do Bundesbank, o BC da Alemanha. Que também se exauriu, com seus ativos caindo de 268 bilhões de euros em dezembro de 2007 para 21 bilhões de euros em outubro. A crise está revelando um perfil suicida dos europeus.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A história de uma crise


Autor(es): Maria Clara R. M. do Prado
Valor Econômico - 15/12/2011
 

Um querido amigo me perguntou há alguns meses sobre o processo pelo qual a crise da Grécia contaminaria as economias mais avançadas da região. Acreditava que o euro não seria contaminado pelos problemas gregos, irlandeses, espanhóis e portugueses. Afinal, os países do norte da Europa, muito mais saudáveis, tenderiam a passar incólumes pela crise porque nada tinham a ver com os países menos eficientes.
Na sua imaginação, ele enxergava uma Europa com a visão sedimentada na segunda metade do século XX. Os países não tinham maiores vínculos entre si, a não ser pelas regras tarifárias e alfandegárias do mercado comum. Essa concepção, no entanto, não se encaixa na lógica de uma zona monetária única. Uma mesma moeda não pode ser satisfatoriamente compartilhada por entes diferenciados, a menos que haja um poder político superior e comum a todos.
Brasil e Estados Unidos servem de exemplo. Constituídos ambos politicamente como uma federação, cujos entes se subordinam a leis que se impõem sobre todos, administram cada um a sua moeda no contexto mais amplo de soberania que se sobrepõe a tudo o mais.
No caso da Europa, depois do euro, o conceito de soberania se confunde. A moeda é uma só, mas os Estados soberanos que a compartilham são vários, independentes e autônomos. Politicamente estão descolados uns dos outros, embora economicamente amarrados pelo mesmo padrão monetário.
A noção de Europa do meu amigo é a que predomina ainda hoje, mesmo no miolo dos dirigentes mais destacados da zona do euro. Sustentou-se nos anos de prosperidade mundial que beneficiaram a infância da nova moeda, mas não aguentou o tranco da crise financeira mundial. Uma espécie de véu encobria uma realidade que, descortinada, pegou a todos de surpresa.
Mas como isso foi detonado?
As respostas têm de ser buscadas a partir de 2007, no início da crise do subprime (crédito imobiliário de baixa qualidade) nos Estados Unidos, mas o "turning point" (momento da virada) para a crise soberana e bancária na Europa foi a quebra, seguida de resgate, do banco Bear Stearns em março de 2008. Neste ponto, os spreads (taxa de risco) da dívida soberana na região começaram a subir. A segunda etapa, com a falência do Lehman Brothers, foi marcada pela continuidade do aumento dos spreads, mas agora acompanhada de significativa diferenciação de taxas entre os países.
Aquela cronologia foi claramente delineada por dois economistas do Departamento de Europa do FMI, Ashoka Mody e Damiano Sandri. No texto publicado em novembro - "The European Crisis: How Banks and Sovereigns Came to the be Joined at the HIP" ("A Crise Europeia: como os bancos e os Estados soberanos se tornaram inseparáveis") - eles relacionam as várias etapas da crise financeira internacional à crise bancária e soberana da zona do euro com base em estudos econométricos.
O caso da Irlanda é emblemático. Em julho de 2007, quando os subprimes ainda não tinham contaminado o mundo, o bônus soberano irlandês com prazo de dez anos tinha spread negativo, abaixo da taxa paga pelo Tesouro alemão. Em março de 2008, atingira 30 pontos básicos. Em janeiro de 2009, a taxa irlandesa pulou para 300 pontos básicos, com a nacionalização do banco Anglo Irish. Em meados de setembro deste ano a taxa de risco do mesmo tipo de bônus da Irlanda acusou 650 pontos básicos, depois de ter atingido 1 mil pontos.
Na opinião de Mody e Sandri, a partir do resgate do Bear Stearns emergiu uma distinta dimensão europeia da crise bancária. Os spreads das dívidas soberanas passaram a responder cada vez mais à fragilidade dos seus próprios sistemas financeiros. Os problemas do Anglo Irish acenderam a luz no sentido de que também na Europa os bancos estavam vulneráveis. Não apenas o estresse do sistema financeiro influenciava no aumento do "spread" da dívida soberana, mas o crescimento desta passou a afetar o setor financeiro, em uma espécie de contaminação interdependente.
Mody e Sandri analisaram os determinantes de mudanças semanais nos spreads soberanos de janeiro de 2006 a maio de 2011, abrangendo Áustria, Bélgica, Holanda, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha.
A Alemanha ficou de fora porque o "german bund" funciona como benchmark para os demais bônus soberanos e é considerado "risk free". Pelo menos, tem sido assim até aqui.
A crise tomou outra dimensão envolvendo problemas fiscais e de competitividade. Os desajustes do setor público realimentam o processo que eleva os custos de endividamento dos bancos e gera perdas de capital com menor crescimento. "Com o espaço para a intervenção fiscal muito mais limitado, as economias da zona do euro chegaram a uma nova e mais estressante situação da qual não há retorno rápido", concluem os autores.
Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve mensalmente, às quintas-feiras.