terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Velocidade da inovação traz desafio para grupos de TI

Autor(es): Por Cibelle Bouças | De São Paulo
Valor Econômico - 31/01/2012
 

O mercado de tecnologia da informação (TI) vive um dos melhores momentos de sua história. A despeito da instabilidade econômica internacional, a previsão é que os gastos em TI no mundo vão crescer 3,7% neste ano, chegando a US$ 3,8 trilhões, segundo a consultoria Gartner. O valor é equivalente a uma vez e meia o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.
Esse cenário positivo, no entanto, contrasta com o quadro apresentado por algumas das maiores companhias de TI. Empresas que já foram líderes em seus setores, ou estão lutando arduamente para manter essa posição, têm encontrado dificuldades lidar com a velocidade da inovação - que impõe projetos mais arriscados para conquistar o consumidor -, e ao mesmo tempo agradar os acionistas. O resultado se reflete em uma crise de gestão, que já levou muitos desses grupo s trocar de executivo-chefe. A lista inclui Hewlett-Packard (HP), Yahoo, Research In Motion (RIM) e Nokia.
Os novos chefes têm o desafio de não só recuperar a participação no mercado perdida para concorrentes como tornar as companhias mais lucrativas.
"A rápida adoção de dispositivos móveis e de software como serviço acessado pela internet (computação em nuvem) tem exigido das companhias mais agilidade na tomada de decisões", afirma Jairo Okret, sócio da consultoria Korn/Ferry International. Uma decisão errada provoca perda de participação rapidamente, diz.
Adequar-se a novas situações é um desafio em qualquer setor, mas no de TI o esforço é redobrado porque as decisões precisam ser muito rápidas. Quando o executivo-chefe não consegue fazer isso a tempo, tornam-se o alvo mais visível da insatisfação dos acionistas. "Dificilmente o executivo-chefe responsável pela implementação de um modelo de negócios consegue implantar um novo. Por isso, os investidores cobram essa troca", diz Carlos da Costa, executivo-chefe do Institute of Performance and Leadership (IPL).
A teoria de que "não se ensina truque novo a cachorro velho" fez as ações da RIM caírem mais de 6% na semana passada, depois de a companhia anunciar Thorsten Heins, então diretor de operações de produtos e vendas, como presidente, em substituição aos copresidentes-executivos Mike Lazaridis e Jim Balsillie. Analistas consideraram que a companhia precisaria de um executivo de outra empresa para fazer as mudanças necessárias.
Visto como um executivo com pouca experiência em direção estratégica, Heinz tem o desafio de devolver à RIM a imagem de inovadora. "A RIM já foi admirada por sua estrutura organizacional e pelo BlackBerry, tido como um celular de alta qualidade. Mas não teve velocidade para competir com os novos smartphones", avalia Costa.
A demora em lançar tecnologias também colocou em maus lençóis o atual executivo-chefe da Nokia, Stephen Elop. As vendas de smartphones da empresa caíram 30% no quarto trimestre. Em 2011, a companhia vendeu 417 milhões de celulares e ficou com 26,9% do mercado global. A RIM tem perdido a briga para a Apple, dona do iPhone. Elop anunciou recentemente que fará mudanças para que a Nokia eleve as vendas de smartphones.
Na ânsia de mudar, algumas companhias anunciam decisões estratégicas radicais, que, em muitos casos, acabam sendo revistas. A HP já passava por turbulências quando anunciou Leo Apotheker como executivo-chefe, em substituição a Mark Hurd, envolvido em um caso com uma funcionária de uma empresa parceira da HP.
Em menos de um ano, Apotheker provocou perplexidade no mercado ao anunciar a venda da divisão de computadores da HP - um negócio de US$ 40 bilhões anuais. Apotheker foi demitido e substituído por Meg Whitman, ex-executiva-chefe da companhia bilionária de comércio eletrônico eBay. Reconhecida pelo seu profundo conhecimento em TI, Meg Whitman não perdeu tempo: já anunciou que a HP não venderá o negócio de PCs e que planeja lançar tablets e ultrabooks neste ano para atacar mercados nos quais ainda não atuava.
Ricardo Chisman, líder na área de TI da Accenture, diz que essas companhias ainda podem ser favorecidas pelo cenário de consolidação de tecnologias relacionadas à mobilidade e à computação em nuvem. "Este ano será de amadurecimento de tecnologias. As empresas capazes de apresentar serviços e produtos de maneira inovadora têm chances de recuperar mercado", afirma.
Transformar a imagem de uma empresa madura em inovadora é o principal desafio do Yahoo. Um dos sites mais visitados no mundo, nos últimos quatro anos o Yahoo perdeu audiência e receita para o Google e o Facebook. Neste mês, a companhia anunciou Scott Thompson, ex-executivo-chefe do PayPal, serviço de pagamentos controlado pelo eBay , para assumir a direção no lugar de Carol Bartz, demitida em setembro.
Thompson terá de acalmar investidores e parceiros asiáticos como o Alibaba e o Softbank, enquanto leva adiante a tarefa de reconquistar anunciantes com uma reformulação de serviços e conteúdo. Ele também estuda aquisições "que possam gerar novas fontes de receitas", conforme afirmou em entrevista recente à Reuters.
Para Larry Page, que voltou ao cargo de executivo-chefe do Google após quase dez anos longe do comando da gigante de internet, a questão-chave é conferir foco à empresa, sem perder talentos. Page já cancelou mais de 25 projetos e comprou a Motorola Mobility, em agosto, para competir na área de equipamentos. Ele também tenta levar adiante o projeto de tornar a rede social Google+ a maior do mundo. A rede social tem em torno de 90 milhões de usuários, contra 850 milhões do Facebook.
"Executivos como Page têm de ser uma espécie de evangelizadores, para convencer clientes e atrair e reter bons profissionais", afirma Costa, do IPL. O analista também considera essencial a capacidade de manter boas parcerias no mercado, pois ao desistir de um projeto ou adotar um novo, a empresa pode ter de mudar a rede de fornecedores. "Encontrar alguém com essas qualidades é muito difícil", diz Costa. Por essa razão, observa, as companhias trocam de presidentes entre si, mas raramente elegem um novato.
Para um grupo específico de companhias, a tarefa é mostrar aos investidores que seus negócios são sustentáveis: são as empresas que entraram recentemente no mercado de capitais, como LinkedIn e Netflix, ou que pretendem fazê-lo em breve, caso do Facebook.
Em alguns casos, convencer os acionistas pode exigir mudanças no primeiro escalão da companhia. Costa diz que Mark Zuckerberg, executivo-chefe e cofundador do Facebook, terá de dividir o comando da empresa para agradar os investidores. "Zuckerberg preserva a imagem de visionário, mas não tem paciência para responder aos acionistas. Em algum momento ele precisará dividir a liderança com um executivo do mercado", avalia o analista.
A Apple passou por situação semelhante. Em 1985, em meio a uma grave crise financeira, o conselho de administração demitiu o cofundador Steve Jobs. À época, Jobs não conseguiu cumprir o papel de presidente de uma companhia de capital aberto, diz Costa. "Ele tinha dificuldades em falar com os acionistas. Mas foi pior sem ele. Jobs e a Apple tiveram de aprender de uma forma cruel como lidar com o mercado para retomar a sua confiança", afirma. Jobs voltou ao comando 12 anos depois para se consagrar como um visionário e levar a Apple à posição de companhia mais valiosa do mundo.
No ano passado, a Apple voltou a enfrentar temores dos investidores, mas fez uma transição tranquila ao nomear Tim Cook como executivo-chefe, substituindo Jobs, que se retirou para uma licença médica. Após a morte de Jobs, em outubro, a empresa lançou o iPhone 4S, que se tornou o celular mais vendido no mundo no quarto trimestre, com 37 milhões de unidades.
O episódio de Jobs mostra que embora os problemas de gestão sejam os motivos mais comuns para trocar o comando, há casos de substituições provocadas pela morte do executivo-chefe, como ocorreu na Apple, ou por aposentadoria. É o caso da IBM. A companhia empreendeu mudanças importantes na estrutura organizacional e na estratégia de negócios nos últimos anos, afirma Costa. Por isso, a expectativa é de que Virgina Rometty, que substituiu Sam Palmisano na presidência da "Big Blue", não terá problemas em levar a companhia a atingir a meta de elevar a receita global - de US$ 99 bilhões no ano passado - em mais US$ 20 bilhões até 2015. Enquanto as concorrentes enfrentam um mar tempestuoso, a IBM é uma das poucas a navegar com tranquilidade.

É o câmbio, é o câmbio...

Antonio Delfim Netto 
Valor Econômico - 31/01/2012

Há algumas semanas tive a oportunidade de afirmar nesta coluna que muitos economistas altamente qualificados manifestaram, no início dos anos 90 do século passado, dúvidas a respeito da possibilidade de uma moeda única poder funcionar na Comunidade Econômica Europeia.
Na antevéspera do lançamento do euro, 150 dos mais renomados e bem apetrechados economistas alemães assinaram um "manifesto" em que condenavam a precipitação de instituir o euro sem antes ter construído uma "área monetária ótima", acompanhada de uma forte coordenação das políticas fiscais entre os países e a construção de um Banco Central autônomo, que pudesse, de fato, exercer a sua função de "emprestador de última instância" nos momentos de crise. Essas, seguramente, pela própria natureza da economia de mercado, viriam a existir. Recebi um e-mail de um gentil leitor perguntando se poderia dar exemplos além dos economistas alemães.
Vou tentar atendê-lo revelando as opiniões de dois brilhantes monetaristas que em 1963 publicaram uma das obras-primas da literatura econômica do século XX, Milton Friedman e Anna Schwartz ("A Monetary History of the United States: 1867-1960"). Em entrevistas independentes, dadas, respectivamente, em junho de 1992 e setembro de 1993 para a magnífica revista do Federal Reserve Bank of Minneapolis, eles falaram sobre o assunto.
Dificuldade do euro está no desequilíbrio das taxas
À pergunta (junho de 1992): "Qual é a sua opinião sobre o projeto de uma moeda única na eurolândia?", Friedman respondeu: "Não creio que funcione na minha geração. Talvez na sua, mas não tenho qualquer certeza"... e acrescentou: "Seria altamente desejável que a Europa tivesse uma única moeda, da mesma forma que temos nos EUA. Mas para tê-la você precisa de uma área onde as pessoas e os bens movam-se livremente e na qual exista suficiente homogeneidade de interesses, para que não haja estresse político criado pelo desenvolvimento desigual das diferentes partes da área. Para ilustrar. Temos hoje (1992) uma região dos EUA ("Northeast in general"), em grave dificuldade. Se ela fosse um país separado dos EUA, com outra língua e com um suposto governo nacional próprio, seria fortemente tentada a realizar uma desvalorização cambial, o que não pode fazer... Além do mais, a eurolândia deveria ter um verdadeiro Banco Central com toda autoridade, o que implica fechar a Banque de France, a Banca d"Italia e o Deutsche Bundesbank... Os planos pretendem isso, mas é claro que entre pretender e fazer há uma imensa distância"...
No mesmo diapasão, temos Anna Schwartz. À pergunta (setembro de 1993) "Tem a história alguma lição a dar aos planejadores da união monetária da Europa?", ela respondeu: "Os planejadores da União Europeia deveriam estudar com muito cuidado as razões pelas quais o "gold standard"-, anterior à Primeira Guerra Mundial, foi um regime bem-sucedido; por que a Conferência Econômica de Gênova, de 1922, e a Conferência Econômica de Londres, de 1933, falharam; por que o "gold standard" entre as duas guerras entrou em colapso; por que o acordo de Bretton Woods não sobreviveu à inflação dos EUA; por que o Exchange Rates Mechanism (firmado ente os países europeus para coordenar suas taxas de câmbio) está nas "cordas" desde 1992. A lição do passado é que um regime monetário só é bem-sucedido quando países com os mesmos objetivos sofrem os mesmos choques. Os países-membros devem estar dispostos a ceder sua soberania a uma autoridade monetária transnacional. Num mundo de incertezas e choques não antecipados, os países têm prioridades nacionais, que não podem prescindir do uso de políticas monetárias domésticas e, portanto, resistem a assumir compromisso com um único objetivo: a estabilidade dos preços". E termina afirmando que "a história dos regimes monetários internacionais sugere que a união monetária europeia é a non starter"!
Vemos que Friedman e Schwartz (com alguma teoria e muita história) colocam o dedo na real dificuldade do euro: o desequilíbrio das taxas de câmbio nominalmente fixadas na moeda única, mas "virtualmente" flutuantes dentro da zona do euro, pelo dinamismo diferente da economia de cada um de seus membros.
Esse problema só desaparece quando temos uma federação de fato, como é o caso dos EUA, do Brasil e da Alemanha, onde um poder central redistribui para as regiões, que têm um déficit "virtual" em contas correntes, parte dos recursos tributários recolhidos nas outras, sem que aquelas tenham de reduzir seu crescimento ou endividar-se.
Nada disso é novidade. Aliás, foram as dificuldades cambiais dentro do "gold standard" que levaram à tentativa de mimetizar uma desvalorização cambial sem, de fato realizá-la. Um exemplo é o esquema primitivo de Keynes nos anos 30: uma tarifa "ad-valorem" sobre todas as importações e o uso dos seus recursos para subsidiar as exportações, que recebeu o nome de "desvalorização fiscal".
Quem tiver disposição para ver os "progressos" dessa ideia usando o modelo novo keynesiano de Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico (DSGE), não deve perder o artigo "Fiscal Devaluation", (NBER - Working Paper 17.662, de dezembro/ 2011), onde outros instrumentos para tentar realizá-la (aumento de impostos indiretos e redução das contribuições sociais) são sugeridos. Fé, coragem e bom apetite!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Três perguntas para

Correio Braziliense - 27/01/2012
 

Robert Munks, analista de relações internacionais e risco político na América Latina pela consultoria britânica IHS
Por que Reino Unido e Argentina retomaram a disputa pelas Malvinas?
Há vários motivos para a retomada dessa discussão, e um dos principais está relacionado à exploração do petróleo que está sob a ilha. A recente prospecção na região tem contribuído muito para o aumento da tensão entre os dois países. Além disso, estamos próximos ao aniversário de 30 anos da Guerra das Malvinas. Com isso, temos uma situação na qual, de um lado, o governo argentino insiste na discussão da soberania na ilha e, de outro, o Reino Unido usa o princípio da autodeterminação dos povos para defender sua presença por lá. Ambos os lados são inflexíveis, e estou pessimista em relação a qualquer melhora nas relações bilaterais, ao menos em curto prazo.
A Argentina conquistou o importante apoio dos sócios do Mercosul nesse tema. Isso incomoda o Reino Unido?
A América Latina nunca foi estrategicamente prioritária para o Reino Unido. Mas, agora, os ingleses estão querendo aumentar a presença na região, principalmente por causa do comércio. Então, acho que o governo britânico está, sim, preocupado com o crescimento da disputa verbal sobre as Malvinas e com o apoio que a Argentina tem recebido dos vizinhos.
O senhor acredita que essa situação possa desencadear um novo conflito armado pelo controle do arquipélago?
Não. Muitas pessoas têm falado sobre essa possibilidade, mas há poucas razões para que isso aconteça. A Constituição argentina fala da disputa sobre as Malvinas de forma pacífica, e isso significa negociação. Além disso, os limites das forças militares argentinas são muito diferentes do que em 1982. As forças armadas pouco se modernizaram de lá para cá, enquanto o exército britânico é muito mais tecnológico. Sem falar que há novas bases militares nas ilhas, ou mesmo bases que foram colocadas lá após a guerra e impediriam um ataque aos moldes do que ocorreu há 30 anos.

Por que alguns malfeitos tornam-se escândalos?

Autor(es): Marcus André Melo
Valor Econômico - 27/01/2012
 

As afinidades eletivas entre corrupção e política não são novidade. Após deparar-se com notícias sobre corrupção, um personagem de Lima Barreto, em "O Único assassinato de Cazuza" (1911) conclui: "Penso, de mim para mim, ao ler tais notícias, que a fortuna dessa gente que está na Câmara, no Senado, nos Ministérios, até na Presidência da República se alicerça no crime... Que acha você"?
Embora a corrupção pareça ubíqua para muitos, como Cazuza, a questão instigante é por que alguns delitos e malfeitos tornam-se escândalos e outros não. A visão corrente é que estes últimos são construções midiáticas. Decerto a mídia cumpre papel fundamental neste processo, mas a competição política, ao fim e ao cabo, é que será o fator determinante. Em contextos caracterizados por forte hegemonia ou "monopólio político", o padrão mais comum é muita corrupção e pouco escândalo. E isto por três razões. Uma oposição débil não consegue mobilizar recursos políticos efetivamente para converter denúncia em escândalo. Por outro lado, as instituições de controle não são independentes e são manipuladas pelo Executivo. O mesmo acontece com a mídia. A estrutura de incentivos também milita contra "a oferta" de denúncias uma vez que a probabilidade destas surtirem efeito em ambientes pouco competitivos é pequena.
Por outro lado, em ambientes competitivos em que forças políticas equiparam-se, a geração de escândalos torna-se um imperativo de sobrevivência eleitoral. Afinal um escândalo pode "tip the balance" em uma eleição. E assim os incentivos para a geração de escândalos são fortes. Além do mais a probabilidade da denúncia gerar efeitos e serem publicizadas é alta. Como nestes contextos a mídia é mais pluralista e as instituições de controle são mais independentes, estes incentivos tornam-se ainda mais robustos.
É a competição política e não a mídia que explica os escândalos
A competição política influencia não só os incentivos para a denúncia mas também para o acobertamento dos escândalos. Onde existe acirrada competição política, os incentivos para a "oferta" de denúncias são grandes. A probabilidade de defecção estratégica de membros da base de sustentação do governo é grande e por isso mesmo as denúncias costumam ter desdobramentos (processos investigativos, CPIs). Da mesma forma, há mais incentivos por parte das instituições de "checks and balances" e auditorias para ir a fundo nas suas diligências e auditorias porque os custos políticos de interferência do executivo sobre as mesmas são altos. Os membros destas instituições têm também maior probabilidade de terem sido indicados por forças políticas distintas devido a alternância no poder. Mas por outro lado, os partidos e grupos políticos que dão sustentação à coalizão de governo tendem a unir forças para acobertar malfeitos já que estes podem por em risco suas chances políticas.
Em contextos de ampla dominância política por uma coalizão ou partido, o padrão muda radicalmente. Diminuem os incentivos e escopo dos controles sobre o Executivo por parte da oposição. Mas em compensação crescem os incentivos para as denúncias intracoalizão - o "fogo amigo". Isto porque a própria coalizão de governo ou partido já não teme que ele possa resultar em derrota eleitoral. A expectativa para seus membros é que o "fogo amigo" resulte em mera reacomodação na alocação de ministérios e cargos no Executivo.
Nos países parlamentaristas, onde há fusão dos Poderes Executivo e Legislativo, o Legislativo vê sua capacidade de fiscalizar e controlar o Poder Executivo diminuir. No caso de investigação pelo Legislativo de denúncia de corrupção este estaria dando um tiro no pé. O contrário ocorre sob o presidencialismo, porque os incentivos de sobrevivência eleitoral do Poder Executivo e dos parlamentares são distintos. Por isso, como conclui Kaare Strom, há mais "accountability" e responsabilização no regime presidencialista do que no parlamentarista. Incentivos institucionais para o "acobertamento" e padrão de competição política explicam assim a efetividade dos controles sobre governos, e o saldo é indeterminado. No chamado presidencialismo multipartidário, o modelo constitucional adotado no Brasil, a lógica potencial que prevalece é semelhante à existente no parlamentarismo, a do conluio institucional. Mas quando os "custos reputacionais" dos escândalos tornam-se proibitivamente altos para o Executivo, o conluio se debilita.
Atualmente a base de sustentação parlamentar do governo é avassaladora e não é à toa que o padrão de denúncias tem sido marcado mais pelo "fogo amigo" do que pela artilharia da oposição. (modelo que poderia ser chamado de "argentino": os escândalos são produzidos internamente pela disputa entre facções peronistas rivais).
A despeito do protagonismo da mídia nas denúncias, a fritura de ocupantes de ministérios no governo Dilma foi alimentada pelos partidos da base. Mas o padrão competitivo recente do sistema político brasileiro engendrou instituições robustas. A mídia é bastante autônoma e as instituições de controle mantêm-se relativamente independentes, embora crescentemente sob ameaça. Mas a dominância governista já começou a fazer mal. E o padrão argentino de "fogo amigo" é indicador de uma certa degeneração institucional.
O inimigo do controle sobre governos é a falta de competição política (e o consequente enfraquecimento das instituições de "checks and balances"). No limite, o "efeito-competição" tende a superar o "efeito-acobertamento", e mais episódios de corrupção se converterão em escândalo. Há um limiar quando o controle externo passa a andar sozinho. Mas ainda falta muito para ele ser alcançado.
Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante da Yale University, é "Fellow" da John Simon Guggenheim Foundation e colunista convidado do "Valor". Maria Cristina Fernandes volta a escrever em fevereiro.

Os libertários e os lobistas

Autor(es): Simon Johnson
Valor Econômico - 26/01/2012

Nos três anos desde a emergência da crise financeira mundial, surgiram duas visões dominantes sobre o que houve de errado. É crucial entendermos ambas, porque suas implicações para as autoridades monetárias - e, portanto, para a estabilidade e saúde futura da economia mundial - não poderiam ser mais importantes.
A primeira visão é a de que os governos simplesmente perderam o controle da situação, seja por incompetência ou porque os políticos defendiam apenas suas próprias agendas. É a visão observada com mais frequência na direita política - por exemplo, entre as pessoas que consideram a política imobiliária do governo como o maior problema prévio ao desmoronamento financeiro em 2008.
Nos Estados Unidos, entre os candidatos ainda concorrendo pelo Partido Republicano para poder desafiar Barack Obama na eleição presidencial de novembro, Ron Paul sobressai-se por argumentar sistematicamente que o governo é o problema, não a resposta, no que se refere ao setor bancário. Se o governo fosse afastado mais completamente do setor financeiro (inclusive com a abolição do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA), argumenta Paul, a economia funcionaria melhor.
As grandes firmas financeiras podem facilmente adquirir a proteção política necessária (na forma de desregulamentação), o que lhes permite ficar ainda maiores e mais perigosas. Essa estrutura de incentivos tornou-se ainda mais extrema depois de 2008
A segunda visão é a de que o setor financeiro fez lobby arduamente pela desregulamentação nas últimas décadas, tendo gastado grandes somas de dinheiro e tempo para persuadir políticos de que isso constituía uma abordagem moderna e segura para a área bancária. De acordo com essa visão, as políticas governamentais não fracassaram; ao contrário, operaram exatamente como se pretendia - e para o que foram pagas.
Se essa visão estiver correta, o tipo de receita política recomendada por Ron Paul é menos atraente. A menos que você ache que o setor financeiro moderno realmente pode operar sem regulamentação de qualquer tipo (supostamente, nem mesmo as regras de seguros de depósitos bancários), o verdadeiro problema não são as preferências políticas das autoridades, mas o que elas podem ser persuadidas a fazer pelos lobistas do setor financeiro.
Novas evidências respaldando a segunda visão agora estão disponíveis na forma de um recente estudo de Deniz Igan e Prachi Mishra, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em "Three"s Company: Wall Street, Capital Hill e K Street" (algo como, "Confusão a Três: Wall Street, Capitólio e K Street", em inglês), os autores avaliam os dados - montes de dados - sobre o lobby das empresas do setor financeiro nos EUA.
Os parlamentares, é claro, têm diferentes preferências sobre os tipos de lei que apoiam, o que pode dificultar o estudo dos mecanismos de influência política de forma mais precisa. Igan e Mishra, no entanto, abordaram o problema de uma forma perspicaz - eles observaram os casos em que autoridades eleitas mudaram de posição em votações legislativas propostas mais de uma vez. E empenharam-se profundamente para descobrir o que motivou a mudança.
Além de analisar informações sobre os gastos dos lobbies, os autores mapearam a rede de conexões dos lobistas (conhecidos coletivamente como "K Street", porque muitos têm seus escritórios em Washington nessa rua) e parlamentares. Por exemplo, muitas vezes, os lobistas haviam sido funcionários de parlamentares em suas equipes.
Os resultados são simplesmente desconcertantes - embora certamente não uma surpresa para os lobistas profissionais. Um grande aumento nos gastos em lobby ajuda a persuadir parlamentares a mudar seus votos. E "caso algum dos lobistas empenhado em projeto de lei também tenha trabalhado para um parlamentar no passado, isso inclina a posição sobre esse projeto de lei em favor da desregulamentação".
O que as firmas financeiras querem, naturalmente, é a desregulamentação - menos regras e menos supervisão de qualquer tipo. E é realmente uma questão de quem você conhece e de como você os conhece. Em particular, seu valor como lobista parece depender pesadamente de quem foi seu empregador no passado. Igan e Mishra concluíram que "gastar um dólar é quase duas vezes mais eficiente na mudança de posição de um parlamentar se o lobista tem conexões com o parlamentar, em comparação aos casos em que o lobista não tem conexões".
As pontes entre o Congresso e as firmas de lobby parecem ter sido fundamentais na forma como o setor financeiro tornou-se desregulamentado, o que na prática permitiu a assunção excessiva de risco no período prévio à crise. Em outro estudo, Igan e Mishra, trabalhando com Thierry Tressel, detectaram que as empresas que assumiram mais riscos antes de 2008 também eram as que se empenhavam mais em fazer lobby.
Basicamente, as firmas financeiras compraram o direito de assumir mais riscos. Quando a situação ia bem, os executivos dessas empresas desfrutavam a parte boa - principalmente, em termos de remuneração imediata, já que poucos executivos são remunerados com base em retornos ajustados pelo risco. Isso significa que quando os riscos se materializaram e as firmas tiveram prejuízos, os custos recaíram sobre os contribuintes.
Ron Paul está certo ao apontar desequilíbrios de poder e imensas distorções dentro do setor financeiro. Ele também está correto ao dizer que muitas políticas governamentais favorecem relativamente poucas grandes firmas - e as favorecem de uma forma que encoraja a assunção perigosa e excessiva de riscos.
Paul e outros, no entanto, estão errados ao argumentar que o governo é a causa definitiva de todos os males financeiros. Executivos das empresas financeiras querem assumir grandes riscos. Eles gostam da disposição sob a qual saem ganhando mesmo quando perdem.
As grandes firmas financeiras podem facilmente comprar a proteção política necessária (na forma de desregulamentação), o que lhes permite ficar ainda maiores e mais perigosas. Essa estrutura de incentivos tornou-se ainda mais extrema desde a crise financeira de 2008. (Tradução de Sabino Ahumada)
Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "13 Bankers" (13 banqueiros, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Fed adota meta de inflação nos EUA

Correio Braziliense - 26/01/2012
 

O Federal Reserve, Banco Central dos Estados Unidos, tomou uma decisão histórica ontem, ao adotar uma meta de inflação de 2%. A ação é uma vitória do presidente da instituição, Ben Bernanke. Com isso, o Fed passa a ter uma política alinhada com a de outros importantes bancos centrais no mundo. "Comunicar esta meta de inflação claramente para o público ajuda a manter a expectativa de inflação a longo-prazo firmemente ancorada. Portanto, abriga a estabilidade de preço e taxas de juros moderadas e melhora a habilidade do comitê de promover máximo emprego à beira de significativos distúrbios econômicos", afirmou o Fed, em comunicado.
O objetivo estabelecido está no topo do que, tradicionalmente, é visto como uma meta informal de, aproximadamente, 1,7% a 2% e encerra a cruzada de Bernanke para melhorar a comunicação do Fed, que por muitos anos realizou deliberações de forma propositadamente sigilosa. O novo sistema busca tornar o Banco Central mais eficiente em controlar o crescimento.
O Fed agora prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano cresça entre 2,2% e 2,7% em 2012 — contra previsão de alta de 2,5% a 2,9% divulgada em novembro. Para 2013, a expectativa é de um crescimento de 2,8% a 3,2%, números inferiores à previsão de novembro, que indicava crescimento de 3% a 3,5%.
A decisão de ontem veio em um momento oportuno, porque pode ajudar a minimizar as dúvidas persistentes de que as políticas de afrouxamento monetário sem precedentes do Fed estão abrindo caminho para uma terrível fase de inflação. Ontem, o Fed manteve a taxa básica de juros dos EUA na faixa de zero a 0,25 ponto percentual ao ano. O Comitê de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inlês) do Federal Reserve disse que vai mantê-las "excepcionalmente baixas" pelo menos até o fim de 2014, o que surpreendeu os investidores. "Se os preços ficarem abaixo da meta por muitos anos, é preciso encontrar novos instrumentos expansivos", disse o presidente do Fed, Ben Bernanke, após o anúncio.

Copom: "insiders" vs. "outsiders"?

Autor(es): Eduardo de Carvalho Andrade
Valor Econômico - 26/01/2012
 

O Comitê de Política Monetária (Copom) é formado, pela primeira vez desde a adoção do regime de metas de inflação, basicamente por "insiders" - funcionários do Banco Central (BC), cinco dos sete atuais membros, e sem economistas de bancos privados, "outsiders". Como o BC se compara a seus pares? Será esta composição adequada?
A experiência internacional é bastante diversificada. Por exemplo, o Banco da Inglaterra tem uma estrutura rígida com cinco "insiders" e quatro "outsiders" no seu comitê. Os "outsiders" podem exercer outra atividade profissional. Atualmente, somente um "outsider" veio de um banco privado. O comitê do Banco Central Europeu (BCE) é composto por 13 presidentes dos bancos centrais dos países membros, com um misto de funcionários de carreira ou não, e seis membros do comitê executivo, que normalmente não são carreiristas do BCE.
O Fed, o banco central americano, tem um comitê com 12 membros, sendo sete do "board of governors" e cinco presidentes dos Feds regionais. Dos atuais, 20% vêm de bancos privados, 50% de acadêmicos e há somente um "insider". No Banco do Chile, nenhum membro é proveniente de banco privado, sendo 40% de "insiders". Por fim, dos cinco membros do comitê do Banco do México, dois são provenientes de bancos privados e tem um "insider".
Pode parecer que a composição do Comitê não seja relevante à inflação, mas não é o que a evidência mostra
Apesar de terem estruturas diferentes, a expectativa de mercado é que todos os bancos centrais citados acima devem cumprir a meta de inflação para 2012. O Fed não trabalhava com um regime de metas de inflação até a última reunião, mas mantinha a tradição de perseguir uma baixa inflação.
Pode parecer que a composição dos comitês não é relevante para o resultado da inflação, mas não é isso que a evidência mostra.
No caso da Inglaterra, os "outsiders" tendem a discordar mais frequentemente da maioria, em geral com posição mais favorável ao corte dos juros, especialmente em momentos recessivos. Existem algumas explicações para este resultado. De um lado, "insiders" tem menor incentivo para discordar dos companheiros de instituição, pois a interação entre eles continuará por mais tempo. Por outro lado, os "outsiders" são escolhidos pelo executivo, têm um mandato mais curto e podem querer, como resultado, agradar o governo.
No caso do Fed, a evidência sugere que os membros com maior experiência no governo tendem a votar mais frequentemente para abaixar as taxas de juros, possivelmente para agradar o governo. Por fim, a evidência para os países mais ricos é que os "insiders" tendem a ter uma preferência por menor inflação, mesmo quando comparado aos acadêmicos. Essa maior aversão à inflação pode ser explicada pela preocupação em seguir os objetivos estabelecidos nos estatutos do banco ou talvez exista uma "autosseleção", ou seja, o trabalho no banco central atrai profissionais mais conservadores.
Mesmo sem evidências para o caso brasileiro, algumas especulações podem ser feitas. Primeiro, pode ser um risco manter seguidamente Copom com membros majoritariamente "insiders". A explicação é simples: caso se mantenha um importante diferencial nos salários da instituição e do mercado, os carreiristas podem ser atraídos pelo mercado ou talvez seja difícil para o BC conseguir atrair no futuro os melhores profissionais. Desta forma, o pool de profissionais competentes disponíveis para assumir o Copom ficaria reduzido, colocando em risco a qualidade.
Parece excessiva a atual participação de "insiders" no Copom (71%), como no passado já houve uma excessiva participação de economistas de mercado. Uma das grandes vantagens das decisões de política monetária serem feitas por um comitê, e não por um indivíduo, está relacionada aos benefícios da "heterogeneidade": diferentes formas de pensar melhoram a qualidade das decisões. Experiência proveniente de profissionais de uma mesma origem restringe a base de conhecimento disponível para enfrentar problemas novos. Isso significa evitar "group-think". Uma maior presença de economistas de mercado, e até de acadêmicos, pode evitar este problema.
As experiências mostram que profissionais do mercado podem contribuir de maneira significativa para a qualidade do trabalho dos bancos centrais. Pode parecer desnecessário esse comentário, mas ele responde a uma corrente que considera importante tornar o BC "independente do mercado".
Por fim, é imprescindível que não haja a desconfiança de que o Copom queira agradar o executivo. Isso significa se preocupar um pouco menos com a inflação no curto prazo de forma a gerar alguns dividendos políticos momentaneamente com a maior atividade econômica. Nunca um novo governo democrático manteve o presidente do BC. Com a nova equipe, renova-se a desconfiança: será que a independência operacional será mantida? Como resultado, as expectativas de inflação sobem e o BC tem que ser mais austero para conseguir a mesma redução na inflação.
Os principais partidos políticos brasileiros (PT/PSDB) resistem em aprimorar o arcabouço institucional, de forma a mitigar essa desconfiança, dando a independência legal para o BC e mandatos fixos para os membros do Copom, alternados com o mandato presidencial. Ajustes na composição do Copom são desejáveis, mas a questão central é a eterna desconfiança.
Eduardo de Carvalho Andrade é professor do Insper e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.

A política brasileira vai ao entretenimento

"Comentários: É notório o que isso acontece, em formas mais ou menos diferentes ao redor do mundo e dessa forma que foi dita aqui no Brasil. Há algum tempo o que vemos, sobre tudo nas cidades do interior do Brasil o coronelismo, do clientelismo e do voto de cabresto são substituídos por novas modalidades de coação direta ou indireta e já há muito tempo que, nessas mesmas cidades os destaques ficam por conta dos "bons de voto", não dos bons administradores. Ganhar a eleição virou um grande negócio e como todo grande negócio custa caro.
Uma pena que aqueles que são especialistas em ganhar eleições quase sempre não são especializados em gestão."

Autor(es): Eugênio Bucci
O Estado de S. Paulo - 26/01/2012
No início, ainda no século 18, a imprensa criticava o poder. Aprendeu a influenciar e derrubar governos. Ao final do século 19 os magnatas da imprensa criaram pontes que os levaram pessoalmente ao poder. O americano William Randolph Hearst (1863-1951) foi um dos precursores. Dono de grandes diários espalhados pelos Estados Unidos, elegeu-se deputado. Na primeira década do século 20 tentou a prefeitura de Nova York e, depois, o governo do Estado de Nova York. Perdeu as duas disputas, mas abriu o caminho. Depois dele vieram outros, como o bilionário Michael Bloomberg, dono do canal de TV com o mesmo nome, que é o atual prefeito de Nova York.
Ao longo do século 20, como sabemos, os jornais cresceram e deixaram de ser apenas jornais. Misturaram-se ao rádio, ao cinema, à televisão, aos espetáculos em geral, e tudo isso se converteu na portentosa indústria do entretenimento, dentro da qual a imprensa é um reles departamento. Hoje essa indústria entra e sai dos gabinetes do Estado na hora que bem entende, do jeito que bem quer, a tal ponto que as fronteiras entre os dois mundos às vezes se esfumaçam. Veja-se a epopeia bufa de Silvio Berlusconi, o imperador da televisão comercial italiana, que governou o seu país como se os shows de TV e as salas de despacho fossem um palco só.
A imbricação entre política e entretenimento foi tão longe que até mesmo atores medíocres conseguiram ser levados a sério pelas urnas. Ronald Reagan foi um paradigma histórico na presidência dos Estados Unidos, enquanto Arnold Schwarzenegger se realizou no papel de governador da Califórnia. Palhaços pouco letrados viraram campeões de voto, como Tiririca. Foi nesse embalo globalizado que a nossa República, também ela, que um dia teria sido a "República dos Bacharéis", se foi tornando calmamente a "República dos Comunicadores". O político dos nossos dias aprendeu a ser star. O texto que ele recita é secundário, o conteúdo não pesa tanto: o texto, na política, está subordinado ao regime do estrelato.
Resumindo: se antes os donos dos jornais queriam uma ponte que os levasse aos palácios do poder, hoje os políticos é que querem atrair os holofotes do entretenimento, querem ser amados como animadores de auditório. Fazer política, na nossa era, é fazer parte da festa ininterrupta da famigerada "grande mídia".
Não que a coisa toda tenha piorado. Até que melhorou. Aquela "República dos Bacharéis", convenhamos, era tudo menos republicana. Hoje, pelo menos, podemos falar numa democracia menos elitista, menos encastelada, uma democracia um pouco mais "de massa", ainda que popularesca.
Mas há problemas, e como. Na longa remodelação da linguagem política, a ideologia deu lugar à eficiência publicitária e o ideólogo foi aposentado pelo "marqueteiro". Agora, a comunicação política não copia apenas os trejeitos típicos do entretenimento, ela copia também o seu vocabulário, deixa-se pautar pela indústria da diversão e olha para ela, a diversão industrializada, como quem olha para o próprio mundo real.
Três episódios recentes ilustram esse quadro.
O primeiro aconteceu em dezembro, quando a atriz Lília Cabral recebeu da revista IstoÉ o prêmio de Personalidade do Ano de Televisão. A presidente Dilma Rousseff, que também foi premiada na mesma noite, quis entregar pessoalmente o troféu à atriz. "É uma emoção muito grande receber o prêmio das mãos da presidente que é quem conhece melhor do que ninguém as Griseldas desse país", comoveu-se a atriz.
Em tempo: Griselda é a personagem que Lília Cabral interpreta na novela das 9 da Globo, Fina Estampa, escrita por Aguinaldo Silva. É a heroína da classe C por excelência, ou, melhor, a heroína de uma classe C idealizada: tem um forte senso moral, põe a família acima de tudo, batalha para crescer na vida e, evidentemente, ganha na loteria. Mais que a pessoa física da atriz, quem ganhou o prêmio foi a protagonista da novela. Foi também à personagem - e ao que ela simboliza - que Dilma Rousseff rendeu homenagens. Mais uma vez, a política reverenciou a ficção em troca de popularidade.
O segundo episódio veio da mesma novela Fina Estampa. Na trama, o ator Marcelo Serrado representa um mordomo afeminado, que por vezes se exalta, num tom soprano aspirado, com tiques e contratiques caricatos. O nome dele é Crô. Lá pelas tantas, o ator, não o personagem, resolveu dar qualquer declaração a respeito de beijo gay na televisão. Parece que ele falou contra o beijo gay, algo assim. Pois foi o que bastou para que o assunto explodisse na internet e mesmo nos artigos de opinião em grandes jornais, em debates acalorados. A ficção, de novo, liderou a agenda do espaço público.
O terceiro evento foi a entrada em cena da ministra Iriny Lopes (Políticas para as Mulheres). Na semana passada ela enviou um ofício ao Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro pedindo providências diante de uma suspeita de abuso sexual dentro do programa BBB, também da Globo. Pela primeira vez o poder público participou ativamente do maior reality show em exibição no Brasil. O circo pautou o ministério.
Há quem diga que é por oportunismo que os políticos reagem solícitos aos estímulos do espetáculo. Não é. Mais que oportunismo, cristalizou-se um deslocamento nos fundamentos mesmos do discurso político. A política não tem outra saída. Hoje, no que chamamos de Ocidente, os domínios da emoção popular não pertencem mais à religião, assim como já não pertencem ao fulgor das mobilizações de massa: elas foram monopolizadas pelas formas de representação típicas da indústria do entretenimento. A política, que precisa tocar a emoção do povo, teve, então, de virar entretenimento. Os sintomas aí estão. Todos eles. Os efeitos mais perversos é que ainda estão por vir.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Por que só olhamos a metade vazia do copo?

Autor(es): Carlos Pereira
Valor Econômico - 25/01/2012

A democracia brasileira está prestes a completar a sua maioridade sem que nenhum ator político se atreva a jogar fora das regras democráticas. O Brasil foi capaz de alcançar equilíbrio macroeconômico, diminuir a pobreza e a desigualdade, adquirir credibilidade internacional, diminuir o desemprego, alcançar o posto de sexta economia do mundo etc. Alcançar tal desempenho em um curto intervalo de tempo não é uma tarefa trivial. Por que então continuamos com a sensação de que as coisas não funcionam bem? Por que o sistema político brasileiro é sempre responsabilizado pela metade vazia do copo?
Até muito pouco tempo atrás a combinação de presidencialismo e multipartidarismo era vista como improvável. Impasses frequentes e paralisia decisória predominavam em função da suposta dificuldade de presidentes minoritários em costurar coalizões sustentáveis em um ambiente fragmentado. Preponderava a interpretação de que democracias com este desenho institucional seriam um desastre. Para os mais otimistas, seriam difíceis e "caras" de serem gerenciadas. Para os alarmistas, um convite a "trocas escusas" entre elites políticas. Diante disso, reformas políticas de todas as matizes foram imaginadas. A alternativa tida como "superior" seria o sistema majoritário bipartidário, que supostamente ofereceria mais transparência e responsabilização de governantes.
Entretanto, contrariamente à expectativa negativa generalizada, a "difícil" combinação de presidencialismo e fragmentação tem funcionado relativamente bem. Na realidade, o modelo que antes era interpretado como caos governativo, polarização ideológica, falta de cooperação e propenso a instabilidade se transformou no padrão a ser emulado pelas novas democracias, não apenas na America Latina.
A viabilidade e a funcionalidade, até certo ponto inesperadas, do presidencialismo multipartidário demandam uma explicação. Este arranjo institucional pertence a uma classe especial de modelo constitucional que não opera como o presidencialismo bipartidário americano, nem tão pouco como regimes parlamentaristas multipartidários europeus. Há três elementos necessários para a boa governança em presidencialismo com fragmentação partidária.
Primeiro, o presidente necessita concentrar poderes legislativos e de agenda delegados pelo Congresso. Aqui, entretanto, uma distinção se faz necessária: onde presidentes concentram poderes unilateralmente não se tem delegação legítima de poderes constitucionais, mas usurpação de direitos civis e abuso de poder como, por exemplo, tem sido o caso da Venezuela. No caso brasileiro, contudo, a maioria dos legisladores constituintes perceberam que um presidente fraco não teria capacidade de governar em um ambiente partidário altamente fragmentado. A saída encontrada foi delegar uma série de poderes para que o presidente funcionasse como uma espécie de coordenador do jogo com o Legislativo.
Segundo, a existência de moedas de troca (ministérios, emendas no orçamento, cargos na burocracia, concessões políticas etc.) institucionalizadas capazes de atrair o apoio intertemporal de partidos e legisladores para a coalizão do presidente. Em ambientes institucionais fragmentados, a lealdade partidária, a ideologia, ou mesmo os poderes de agenda do presidente não são suficientes para determinar o apoio de parlamentares no Congresso. Ou seja, a provisão institucionalizada de moedas de troca é crucial para a funcionalidade e fluidez de coalizões, na maioria das vezes ideologicamente heterogêneas e com muitos partidos.
O terceiro elemento é a presença de uma rede de instituições de "checks and balances" independentes (Judiciário, Ministério Público, tribunais de contas, Polícia Federal, mídia etc.) capaz de checar potenciais desvios do Executivo. Ou seja, um presidente poderoso não significa necessariamente um "cheque em branco" para as ações desse Executivo. Muito pelo contrário! Para que um presidente forte seja capaz de coordenar uma democracia fragmentada de forma competitiva e virtuosa, instituições de controle e accountability independentes e robustas têm que estar presente constrangendo as ações do próprio Executivo. Competição política e fragmentação partidária também funcionam como restrições as ações do presidente. Daí porque diminuir a fragmentação partidária seria contraproducente nesse contexto de dominância do Executivo.
O Brasil possui esses três elementos em seu presidencialismo multipartidário. Para se ter uma ideia da eficiência desse modelo, a maioria dos presidentes brasileiros pós-redemocratização foram capazes de construir e de sustentar coalizões majoritárias. Em que pese a dominância do Executivo no jogo político, a rede de instituições de controle e "accountability" tem exercido um papel fundamental monitorando as ações do Executivo e restringindo os seus desvios. Os escândalos de corrupção que levaram à demissão de seis ministros do governo Dilma em seu primeiro ano de governo são exemplos recentes do grande ativismo das estruturas de "checks and balances", em que pese o pessimismo que muitos alimentem dessas instituições de controle.
Presidencialismo multipartidário não deve ser interpretado como um sistema ideal ou que não precise de ajustes. De fato, ainda padecemos de uma série de problemas graves tais como desigualdade, corrupção ou falta de transparência. Ainda assim, as regras do nosso sistema político têm gerado equilíbrio e cooperação com um resultado líquido positivo. Reconhecer os aspectos positivos do presidencialismo multipartidário pode nos ajudar a perceber não apenas a metade vazia, mas também a metade cheia do nosso copo.
Carlos Pereira é professor titular na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getulio Vargas (FGV), professor visitante da Brookings Institution e colunista convidado do "Valor. Rosângela Bittar volta a escrever na segunda quinzena de fevereiro.

A fome mundial de bens públicos

Autor(es): Martin Wolf
Valor Econômico - 25/01/2012
 

Bens públicos são os elementos constituintes da civilização. A estabilidade econômica é, em si mesma, um bem público. Também o são segurança, ciência, ambiente limpo, confiança, governança honesta e liberdade de expressão. A lista poderia ser bem maior. Isso é relevante, porque é difícil conseguir um suprimento adequado desses bens. Quanto mais mundiais os bens públicos, mais difíceis de obter. Ironicamente, quanto mais nos capacitamos a ofertar bens privados e, assim, mais ricos nos tornamos, mais complexos são os bens públicos de que precisamos. Os esforços da humanidade no sentido de enfrentar esse desafio poderão revelar-se a história definidora do século.
A leitura da série Capitalismo em Crise, do "Financial Times", sublinha essa lição. Um elemento central do debate é a forma de evitar instabilidade financeira extrema. Essa instabilidade é um mal público. Evitá-la é um bem público. Aqueles que agem no sistema de mercado não têm nenhum incentivo para disponibilizar o bem ou evitar o mal.
Para os não familiarizados com essa terminologia, o que é um bem público? No jargão, um bem público é "não excludente" e "não competitivo". Não excludente significa que não se pode impedir não pagadores de desfrutar os benefícios. Não competitivo significa que seu desfrute por uma pessoa não se dá à custa de outra. A defesa nacional é um bem público clássico. Se um país mantém-se a salvo de ataques, todos se beneficiam, inclusive os residentes que em nada contribuem. Novamente, o desfrute dos benefícios por alguns não reduz o defrute por outros. Da mesma forma, se a economia mantém-se estável, todos gozam o benefício e ninguém pode ser privado desse direito.
Bens públicos são um exemplo daquilo que os economistas denominam "falha de mercado". Esse aspecto é generalizado na terminologia relativa a "externalidades" - consequências, boas ou más, não levadas em conta por aqueles que tomam as decisões. Nesses casos, a mão invisível de Adam Smith não funciona como poderíamos desejar. Alguma forma precisa ser encontrada para mudar comportamentos; bens públicos normalmente envolvem alguma verba estatal; as externalidades geralmente envolvem um imposto, um subsídio ou alguma mudança em direitos de propriedade. Economistas de livre mercado, como Tyler Cowen, da George Mason University, preferem este último.
Os economistas tendem a assumir que a economia de mercado é intrinsicamente estável. Se assim fosse, a estabilidade seria disponibilizada automaticamente. Infelizmente, as coisas não são assim. A economia de livre mercado pode expandir o crédito sem limites, a custo zero. Uma vez que a oferta monetária é simplesmente o passivo contraparte de decisões de crédito privadas, a instabilidade é um ingrediente do bolo econômico. Por essa razão, a estabilidade econômica é um bem público que temos grande dificuldade em suprir. As consequências de repetidos fracassos nesse sentido também podem ser terríveis. Até mesmo o falecido Milton Friedman acreditava na necessidade de intervenção governamental, por meio de bancos centrais, para evitar longas séries de colapsos bancários.
Muito mais pode ser dito sobre as facetas de bem público da estabilidade financeira e econômica. Mas há um aspecto mais profundo em tudo isso. A história da civilização é a história de bens públicos. Quanto mais complexa a civilização, tanto maior o número de bens públicos que precisam ser fornecidos. A nossa civilização é, de longe, a mais complexa que a humanidade já desenvolveu. Por essa razão, sua necessidade de bens - e bens com características de bens públicos, como educação e saúde - é extraordinariamente grande. A instituição que, historicamente, disponibiliza bens públicos é o Estado. Mas não está claro se os Estados contemporâneos têm condições de - ou se lhes será permitido - disponibilizar bens que agora exigimos.
A história dos bens públicos remonta ao nascimento dos Estados, que foram resultado da revolução agrícola. Essa revolução tornou populações vulneráveis a salteadores - que o falecido Mancur Olson denominou "bandidagem errante". A reação foi o "bandido estacionário": o Estado. Não foi uma resposta perfeita. Mas funcionou o suficiente para permitir aumentos substanciais de população. O Estado provia defesa em troca de tributação. Os impérios - seja Roma ou a China - gozaram de economias de escala ao oferecer segurança. Quando Roma caiu, a segurança foi privatizada por gangsters local, a enorme custo social: foi o que hoje denominamos feudalismo.
A revolução industrial expandiu as atividades do Estado de inúmeras maneiras. Isso ocorreu fundamentalmente por causa das necessidades da própria economia. Os mercados não poderiam, por conta própria, disponibilizar uma população educada ou grandes infraestruturas, defender a propriedade intelectual, proteger o ambiente e a saúde pública, e assim por diante. Os governos sentiram-se obrigados a - ou tiveram prazer em - intervir, como fornecedores e agentes regulamentadores ou subsidiadores e coletores de impostos. Além disso, a chegada da democracia tornou crescente a demanda por redistribuição, em parte como resposta à insegurança dos trabalhadores. Por todas essas razões, o Estado moderno, muito mais poderoso do que qualquer outro antes existente, explodiu, em termos do leque e da escala de suas atividades. Será, isso, revertido? Não. Será que funciona bem? Essa é uma boa pergunta.
Mas considere onde estamos agora. O impacto da humanidade é, como o da economia, cada vez mais mundial. A estabilidade econômica é um bem público mundial. O mesmo vale, na era das armas nucleares, para a segurança. E o mesmo vale, em aspectos importantes, para o controle do crime organizado, falsificação, pirataria e, acima de tudo, poluição. E também, até mesmo, para a oferta de educação ou de serviços de saúde. O que acontece em qualquer lugar afeta a todos - e cada vez mais.
Nossos Estados não podem fornecê-los por conta própria. Eles precisam cooperar. Tradicionalmente, a maneira menos ruim de assegurar essa cooperação é através de algum tipo de liderança. O líder atua a despeito dos que vão de carona. Em consequência, alguns bens públicos globais têm sido supridos adequadamente - ainda que imperfeitamente. Mas à medida que avançamos novamente para uma era multipolar, a capacidade de algum país suprir tal liderança será limitado. Mesmo nos dias unipolares, isso só funcionou onde a potência hegemônica quis fornecer o bem público em questão.
Eu comecei falando de estabilidade econômica porque a grande surpresa dos últimos anos é exatamente com tem sido difícil proporcionar até mesmo isso. A questão com que quero concluir é muito mais ampla. Nossa civilização é cada vez mais mundial, exigindo a prestação de uma ampla diversidade de bens públicos. Precisamos pensar sobre como administrar esse mundo. Será necessária uma criatividade extraordinária. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

4% em 2012. Por que não?

Antonio Delfim Netto
Valor Econômico - 24/01/2012
 

Quando se olha o resultado obtido pelas políticas econômica e social de 2011, parece justo concluir que ele foi bastante razoável, tendo em vista: 1) o quadro internacional de desintegração das economias desenvolvidas; 2) as dúvidas e as críticas que elas sofreram da maioria dos analistas financeiros à medida que eram implementadas.
Hoje, parece claro que a mudança da política econômica, que deu mais ênfase à fiscal, proporcionou maior grau de liberdade à monetária para usar outros instrumentos como, por exemplo, o IOF sobre transações que envolvem a taxa de câmbio. A ação do governo estava mais antenada com a realidade do mundo e com o desenvolvimento recente da economia do que uma boa parte dos seus críticos. Isso é objetivamente revelado na enorme aprovação popular do primeiro ano da presidente Dilma Rousseff.
Provavelmente o fato mais importante de 2011 seja a credibilidade crescente da política fiscal (em meio a dúvidas iniciais) pelo cumprimento do objetivo de fazer o superávit primário em torno de 3,2% do PIB. Isso deu conforto ao Banco Central para que exercesse a sua musculatura, iniciando uma queda da taxa real de juros.
O compromisso de fazê-lo em 3,1% do PIB em 2012, como prometido pelo governo, é importante para a continuação da redução cuidadosa da taxa de juros real para um nível parecido ao do mercado internacional. Essa é uma das condições necessárias para que funcione adequadamente o sistema de câmbio flutuante.
É preciso lembrar: 1) que a taxa de câmbio (juntamente com adequada matriz de tarifas efetivas) determina o equilíbrio entre o valor do fluxo de bens e serviços exportados e dos importados e é um dos preços mais importantes para manter a economia num alto nível de utilização dos fatores de produção internos, inclusive o emprego da mão de obra; e 2) que ela é sensível à política fiscal.
Parece possível afirmar que uma sólida política fiscal, que controle o ritmo de crescimento das despesas de custeio e transferências, abra espaço para o investimento público e permita à política monetária continuar a reduzir a taxa de juros real e, simultaneamente, ampliar o crédito ao setor privado (não há nenhuma contradição nisso), condição fundamental para um crescimento mais robusto em 2012, com uma taxa de inflação convergindo para a meta e a sustentação de um câmbio real mais amigável com o setor industrial brasileiro.
Com relação à situação fiscal (dívida/PIB) não há nada que no momento nos atrapalhe. Não podemos esquecer, entretanto, que a relação dívida líquida/PIB não satisfaz à condição de transparência. Melhor seria usar - como a grande maioria dos países - a relação dívida pública bruta/PIB, que hoje anda em torno de 64%, 2/3 maior que a dos emergentes, excluído o Brasil.
Dito isso, como devemos tratar o problema do crescimento em 2012? A maioria dos que têm a obrigação, por motivos profissionais, de prevê-la afirma que ela será qualquer coisa entre 3% e 3,5%, mas não explicita quais as condicionalidades da profecia.
Felizmente, ninguém mais fala que o "produto potencial" brasileiro é de 3,5%. Fala-se agora de 4,5%. Mas como disse numa entrevista imperdível, no Valor (20/22 janeiro de 2012), um dos nossos economistas mais bem apetrechados, o competente e sóbrio Sergio Werlang, "estou mais para 4,5% como crescimento potencial, mas se já há erro na medida do próprio PIB, imagine na medida do potencial".
Já devíamos ter aprendido que a única forma segura de prever o futuro é tentar construí-lo. Honestamente, não há nenhuma razão para supor que não possamos crescer entre 4% e 4,5% (entre o último trimestre de 2011 e o seu homólogo de 2012), se o governo cumprir seu programa fiscal e ativar os investimentos do PAC, atento à flutuação estacional das despesas num ano eleitoral; transferir com rapidez o máximo possível dos investimentos em infraestrutura para o setor privado através de concessões e parcerias; prosseguir na pressão para aprovar o sistema previdenciário público e eliminar alguns absurdos tributários, que continuam a destruir nossas exportações industriais e trabalhar contra o aumento do valor adicionado das exportações agrícolas. Nada impossível com a credibilidade da presidente e sua cômoda maioria no Congresso.
Para crescer 4% em 2012 com a inflação sob controle, o governo tem que fazer a sua parte. Cumprir transparentemente sua meta fiscal e cooptar o setor privado (trabalhadores, empresários e banqueiros) para tomar o risco de o acompanhar para fazê-lo.
Nota à parte. Quem ainda tem curiosidade e capacidade para surpreender-se sobre os efeitos dos IOF no mercado cambial, não deve perder o artigo "Bubble Thy Neighbor: Direct and Spillover Effects of Capital Control", apresentado numa conferência promovida pela Allied Social Sciences Association, em Chicago, pelos economistas Kristin Forbes (MIT-Sloan School of Management), Marcel Fratzscher, Thomas Kostka e Roland Straub (todos do Banco Central Europeu), em novembro de 2011.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Jogo da Rodada

O jogo da rodada foi o ocorrido ontem no Emirates Stadium, Manchester City X Tottenham Hot'Spurs.
A partida foi eletrizante, mesmo com alguns momentos em que as equipes não conseguiam se articular em seus ataques, notadamente o time de Manchester, que comandava as ações do jogo mas esbarrava na forte masrcação imposta pelos adversários.
Os Sky blues vieram no famoso 4-2-3-1. As ausências dos irmãos Toure (Copa da África) e de Kompany foram seus desfalques, deixando a zaga então com Savic, o volante sendo Milner e o bósnio Dzeko pela esquerda na linha de meias. Os Spurs vieram com uma proposta de atacar e defender em bloco, num 4-1-4-1, com Scott Parker fazendo todo serviço sujo logo atrás da linha de 4 do meio campo composta por Van der Vaart e Modric pelo meio, Bale pela esquerda e Lennon pela direita, invertidos no decurso do jogo. O esperto Defoe jogando como avançado na vaga de Adebayor, vetado por cláusula de empréstimo.
Se criativo e veloz, o meio campo do Tottenham passou a sofrer pela falta de caracteríticas de marcação dos seus jogadores. Num esquema como esse (4-1-4-1) é preciso espremer o homem que fica entre as duas linhas de 4 para que haja um amarcação eficiente, coisa que aconteceu em partes do jogo. O problema é que o City tem meias e atacantes criativos, velozes e em ótima fase, caso de David Silva, o homem que pensa o jogo da sua equipe, Nasri voltando a boa forma e Aguero em ótima forma, o que sobrecarregou Scott Parker, tanto que na 2° etapa Van der Vaart saiu para entrada de um homem com maior poder de marcação.
O City mesmo em queda mostra estar pegando "liga". Milner atuando como volante fez uma partida irretocável taticamente, David Silva novamente jogou uma grande partida, articulando todas as jogadas dos azuis, além de dar uma magnífica assistência para Nasri marcar um dos tentos da partida.
Os Spurs sentiram falta do grandalhão Adebayor para fazer a parede, tanto que abusaram dos cruzamentos rasantes buscando o oportunismo dos seus meias e atacantes. Modric tentava articular o jogo da sua equipe que não fluia muito. Lennon pouco fez durante o jogo, ao contrário de Bale, que engrenou no 2° tempo e mostrou o porque de ser uma das sensações da temporada com um belíssimo gol.
No fim do jogo um penalti bobo sofrido e convertido pelo sempre polêmico Balotelli selou o destino das equipes.
O Manchester vai rumo ao título da Premier League e derruba um rival direto. O Tottenham por sua vez se não almeja mais o título segue firme na busca pela vaga na Champion's.
Arsenal e Chelsea que se cuidem, alguém vai sobrar.
 

A resiliência da América do Sul

Autor(es): Paulo M. Levy
Valor Econômico - 23/01/2012
 

A resiliência da América Latina na esteira da crise financeira de 2008 foi notável, especialmente quando comparada ao desempenho da região nos anos 1980 e 1990. Mas, enquanto a economia mundial depara-se com incertezas renovadas, a região precisa encontrar novas estratégias para reduzir o impacto potencial de mercados financeiros voláteis e da estagnação prolongada nas economias mais ricas do mundo.
Embora o crescimento na América Latina se correlacione com as tendências globais, há uma boa chance de que em 2012 as economias da região voltem a superar o desempenho dos países industriais. A contração do comércio mundial e a redução dos fluxos financeiros provavelmente desaceleração o crescimento em certa medida, mas o ritmo anual deverá continuar próximo à média de 4% da região entre 2000 e 2008.
Um motivo para essa previsão é que a liquidez abundante nos mercados internacionais e a continuidade da demanda elevada na China e Índia podem impedir os preços das commodities - especialmente dos produtos agrícolas - de caírem tanto como durante a crise de 2008-2009. Os ganhos nas relações de troca foram cruciais para o crescimento da América Latina, dado o baixo índice de poupança doméstica da região, porque encorajam os investimentos, mas têm relativamente pouco impacto negativo no balanço de conta corrente.
As fortes entradas de capitais, especialmente de investimentos externos diretos, e a recuperação das relações de troca desde 2009 deixaram a região menos vulnerável a choques externos - ou seja, à repetição da repentina reversão de fluxos de capitais observada no final de 2008 e início de 2009. Mais importante, a maioria dos países latino-americanos agora tem em vigor medidas anticíclicas para suavizar qualquer impacto externo negativo.
Por exemplo, quando surgiram os primeiros sinais de turbulência, muitos países que estavam apertando sua política monetária, interromperam as altas de juros ou, como o Brasil, começaram a reduzi-los. A maioria dos recentes ajustes nos países latino-americanos, além disso, impediu que suas posições orçamentárias e déficits em conta corrente se tornassem fontes de vulnerabilidade.
Esse parece ser o caso, por exemplo, do Peru, onde políticas fiscais sólidas mantiveram os déficits e a inflação sob controle. Isso também é verdadeiro na Colômbia, onde a forte arrecadação orçamentária poderia permitir um aumento temporário nos gastos para conter riscos externos. As exceções dignas de atenção são a Argentina e a Venezuela, onde as tensões macroeconômicas reduziram o espaço para ações anticíclicas, e no México, cujo destino está ligado, pelos amplos laços comerciais, ao dos Estados Unidos.
O Brasil, maior país e um dos mais prósperos da região, reflete muitas das tendências econômicas na América Latina. Depois do surgimento da crise financeira mundial no último trimestre de 2008, as taxas de juros do Brasil caíram acentuadamente, o crédito teve forte expansão e a política fiscal deixou de ser neutra e passou a ser altamente expansionista. O financiamento maciço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pelo Tesouro brasileiro também agiu como proteção contra o declínio nos investimentos.
O estímulo proporcionado por essas políticas levou a um forte crescimento, tanto no consumo como nos investimentos, com o que a atividade econômica recuperou-se rapidamente. Embora a valorização do real tenha mantido os preços de bens comercializáveis sob controle, os dos bens não comercializáveis, especialmente os de serviços, continuaram como fonte de pressão inflacionária. Para combater a aceleração da alta dos preços, as autoridades adotaram medidas no fim de 2010 para esfriar a demanda doméstica sobreaquecida, primeiro por meio de restrições ao crédito e maiores exigências de reservas para os bancos - as chamadas medidas "macroprudenciais" - e depois por meio da retomada da alta das taxas de juros.
Mas a deterioração repentina das condições financeiras externas e as perspectivas de estagnação prolongada na Europa e EUA, levaram o Brasil a reverter as políticas no fim de agosto. O Banco Central já cortou seus juros básicos em 150 pontos base, para 10,5%, e a tendência de baixa prevista deverá levar as taxas reais para seus menores patamares históricos no período pós-crise.
O preço a pagar, no entanto, pode muito bem ser que a inflação anual continue significativamente acima da meta de 4,5%. De fato, mais recentemente, as restrições de crédito adotadas no fim de 2010 foram relaxadas, como forma de estimular a demanda dos consumidores.
Além disso, a política fiscal brasileira deverá mudar de restritiva para neutra ou ligeiramente expansionista neste ano. O governo prometeu promover a mudança de forma mais suave do que em 2009-2010, permitindo, portanto, flexibilidade para reduzir as taxas de juros no longo prazo.
Neste ano, o governo elevou o salário mínimo em 14% seguindo a atual regra de ajuste, com forte impacto nos benefícios da previdência social, e deverá retomar os investimentos públicos que foram reprimidos em 2010. Essas medidas, somada à redução na arrecadação com impostos, deverão reduzir o superávit primário e contribuir para reanimar a demanda.
A América Latina obteve progresso substancial em sua estrutura de políticas macroeconômicas, dando a suas autoridades mais espaço de manobra para suavizar o impacto dos choques internos. Mas administrar a demanda é apenas parte do trabalho quando se trata de alimentar o crescimento econômico de longo prazo. Depois de terem conduzido seus países com sucesso pela crise, as autoridades da América Latina deveriam dedicar maior atenção à retomada dos esforços de reforma voltados a melhorar a competitividade e assegurar a sustentabilidade de altos índices de crescimento. (Tradução de Sabino Ahumada)
Paulo M. Levy analista econômico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Copyright: Project Syndicate, 2012.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O crescimento necessário

Autor(es): agência o globo:Rogério Furquim Werneck O Globo - 20/01/2012

Na discussão sobre a possível desaceleração do crescimento chinês, voltou a ser lembrado na mídia que a liderança do Partido Comunista da China estaria convencida de que a expansão da economia não pode cair abaixo de 7% a 8% ao ano. Crescimento mais lento poria em risco a coesão social do país e o regime unipartidário. Guardadas as devidas proporções, pode-se fazer indagação similar sobre o Brasil: a que taxa tem de crescer a economia brasileira? Embora não seja uma pergunta fácil, o governo tem a resposta pronta.
Na entrevista publicada na revista "The New Yorker", em dezembro passado, a presidente Dilma Rousseff explicou que "precisamos manter a economia crescendo, sem inflação, para gerar receita que permita continuar nossa política de distribuição de renda". A equipe da Fazenda tem sido bem mais específica. Está convencida de que o crescimento tem de ser de pelo menos 4,5% ao ano, para que a receita tributária permita ao governo continuar a expandir o dispêndio e levar adiante seus programas, sem deterioração das contas públicas.
É uma visão um tanto peculiar dos limites da desaceleração do crescimento. Na China, menos de 7% deixaria o país à beira da explosão social. No Brasil, menos de 4,5% deixaria o governo impossibilitado de dar continuidade à rápida expansão de gasto público que embasa seu projeto político. Há muitas razões para defender um crescimento econômico de 4,5% ao ano. O que há de peculiar é que, entre todas, a que mais mobiliza o governo seja a folga fiscal propiciada por tal ritmo de expansão do PIB.
É importante ter essa firme convicção do governo em mente, ao analisar suas supostas dúvidas sobre como conduzir a política macroeconômica nos próximos meses. O Planalto assustou-se com a desaceleração da economia. E quer que o crescimento seja retomado tão logo quanto possível. Há boas razões para crer que, em um cenário em que não haja uma deterioração dramática do quadro econômico mundial, a retomada já esteja a caminho, na esteira do afrouxamento monetário observado nos últimos meses. Mas o governo não quer dar tempo ao tempo e deixar que os efeitos da queda da taxa de juros se façam sentir em toda sua extensão. Um aumento do nível de atividade concentrado no segundo semestre lhe parece tardio e insuficiente. Significaria mais um ano de crescimento do PIB a cerca de 3%. E de pouca fartura fiscal para fazer face ao reajuste do salário mínimo e a outros aumentos de dispêndio já encomendados.
Pronto a abandonar seu novo discurso sobre política fiscal, adotado há menos de cinco meses, o Planalto não esconde que gostaria que o estímulo monetário fosse complementado com mais um vigoroso impulso fiscal. O governo anda especialmente preocupado com o investimento público, que caiu no ano passado. Não por contenção de gastos, mas em decorrência do desmantelamento das cadeias de comando que acionavam decisões de investimento em ministérios infestados por esquemas de corrupção.
O Planalto agora tem pressa. Foi-se o primeiro ano do mandato. Há eleições municipais pela frente. A cada dia, as deficiências da infraestrutura parecem mais desgastantes. E os cronogramas da preparação do país para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mais alarmantes. Mas como recuperar o investimento público e assegurar o impulso fiscal capaz de antecipar a retomada, sem que as contas públicas se deteriorem e o combate à inflação seja comprometido?
Não é difícil vislumbrar a "solução". Mais uma vez, o governo parece propenso a apelar para o orçamento paralelo que montou no BNDES, alimentado por transferências diretas do Tesouro, não contabilizadas nas estatísticas de resultado primário e de dívida líquida do setor público. Caso a situação externa se agrave, poderá ser feita nova e vultosa transferência de recursos do Tesouro ao BNDES, com roupagem salvacionista. Mas, mesmo que não se agrave, o governo parece disposto a fazer tal transferência a seco. Dissimulando-a, talvez, com a cortina de fumaça de um programa espalhafatoso - e inócuo - de contingenciamento de gastos.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O voo turbulento da Kodak - PARTE I E II

EFE - 19/01/2011 PARTE II

Empresa entrou com um pedido voluntário de 'proteção' ao Capítulo 11 da lei de falência nos EUA e pretende reforçar a liquidez



A centenária companhia fotográfica Eastman Kodak apresentou perante um tribunal de Nova York um pedido de quebra concordata para reorganizar seus negócios, informou a própria empresa nesta quinta-feira através de comunicado em seu site.

Em comunicado, a Kodak informou que "a companhia e suas subsidiárias nos EUA entram com pedido voluntário de 'proteção' ao Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos". Com esta solicitação, a Kodak pretende reforçar a liquidez nos Estados Unidos e no exterior, rentabilizar a propriedade intelectual não estratégica, solucionar a situação dos passivos e concentrar-se nos negócios mais competitivos.
A Kodak, fundada em 1888 e com sede em Rochester (Nova York), dedicou a maior parte de seus investimentos durante os últimos anos à área digital e a materiais de alta tecnologia, responsáveis por 75% de sua receita em 2011.
O pedido de concordata é um revés para o presidente executivo, o espanhol Antonio Perez, que assumiu o cargo de executivo-chefe da Kodak em 2005. Ele havia trabalhado por 25 anos na Hewlett-Packard Co., ajudando a contabilizar mais de US$ 7 bilhões em valor de mercado para a HP. Na Kodak, contudo, não conseguiu repetir o feito.
O Conselho de Administração acredita que esta solicitação é um passo necessário para garantir o futuro da empresa. A companhia comunicou que firmou um acordo creditício com o Citigroup para um aporte de US$ 950 milhões, a devolver em 18 meses, o que permitirá aumentar sua liquidez.
Após o pedido de concordata, porém, esta linha de crédito estará sujeita a aprovação judicial. Em seu comunicado, a Kodak assinalou que, apesar do pedido de concordata, tem capacidade suficiente para gerir seus negócios e prestar serviços a seus clientes "normalmente".
A empresa espera pagar dívidas e salários a seus funcionários e dar continuidade a programas de relacionamento com clientes. Por outro lado, as filiais fora dos Estados Unidos não estão sujeitas a estes procedimentos e cumprirão todas as obrigações com seus provedores.
A quebra da companhia já era esperada pelo mercado, e os rumores sobre esta possibilidade fizeram as ações da sociedade caírem até 30% no último dia 4, chegando a valer US$ 0,46, de modo que nos últimos 12 meses acumulou desvalorização de 91,53%. Ontem, as ações de sociedade fecharam a US$ 0,55, com uma recuperação de 3,77%.

PARTE I

EFE - Nov/2011 -

 

A antiga líder mundial do mercado fotográfico aposta nas impressoraspara voltar ao azul e enfrenta o ceticismo do mercado, que já especula se a empresa sobreviverá





Perez, que foi nomeado CEO em 2005, recusou-se a tecer comentários para esta matéria, citando o período de silêncio antes que os próximos relatórios de rendimentos sejam anunciados, em 3 de novembro. Os funcionários da companhia negaram que a Kodak esteja considerando abrir falência.
O porta-voz da Kodak disse que Perez está perseguindo as impressoras de jato de tinta porque a companhia ''descobriu um tesouro’' na tecnologia desse mercado em sua unidade de pesquisas e desenvolvimento e que o negócio está ''bem posicionado para sucesso futuro’'. ''Nossa estratégia corporativa está focada nas vantagens principais da junção entre a ciência de materiais e a ciência da imagem digital’', disse o porta-voz Christopher Veronda em um e-mail. ''Estamos diretamente nesse cenário’'.
Em adição a isso, os funcionários da Kodak dizem que suas impressoras jato de tinta são apenas parte de uma estratégia de virada, que também inclui um foco em impressoras comerciais, embalagens e softwares corporativos.
Mass os críticos da diretoria da Kodak estão impacientes. Gregg Abella, um dos diretores da Investment Partners Asset Management, disse que já estava cansado de ouvir Perez dizer que a companhia iria virar a mesa em um ou dois anos. E questionou por que a junta diretora da Kodak não foi mais firme, no direcionamento de Perez para um curso de ação diferente.
''Como a junta tem ouvido esse cara pelos últimos seis anos e não fez nada à respeito?'', disse Abella. ''Quando você compra ações ou cotas de uma companhia da Fortune 500, existe uma expectativa de que a diretoria irá responder às condições de deterioração financeira antes que se torne nada mais do que uma opção de compra em sua propriedade intelectual’'.
Chris Whitmore, o analista que tachou a estratégia das impressoras da Kodak como 'chicotada’, diz que a companhia ainda não se recuperou de seu primeiro deslize: seu fracasso em adotar completamente as câmeras digitais, depois do colapso das vendas do produto de assinatura da Kodak, que era seu filme fotográfico da caixinha amarela.
''A grande história aqui é que seu mercado principal – o mercado da caixinha amarela – foi canibalizado pelas câmeras digitais, que ironicamente foram inventadas por eles mesmos’', diz Whitmore, que trabalha no Deutsche Bank Securities. Perez é o último em uma linha de CEOs da Kodak que vêm tentando reconstruir a companhia, depois que sua dominância no mercado dos filmes foi corroída por concorrentes mais ágeis e pela tecnologia digital. Um antigo executivo da Hewlett-Packard, que perdeu seu alto cargo na empresa para Carly Fiorina, Perez apresentou uma estratégia que incluía o fechamento das fábricas de filmes e o reposicionamento da companhia. Ele arrendou o portfólio de patentes da companhia, o que gerou US$ 1,9 bilhão de 2008 a 2010, para financiar seus esforços para uma virada.
E Perez colocou dinheiro em mercados que ele acreditou que com o tempo gerariam dividendos, incluindo as impressoras de jato de tinta para o consumidor final, na verdade enfrentando seu antigo empregador, a HP. Perez rejeitou o modelo 'lâmina de barbear’ tradicional, usado pela maioria dos fabricantes de impressoras, que oferece impressoras relativamente baratas – e gera lucros na venda das tintas. Em vez disso, a Kodak cobrou preços um pouco maiores por suas impressoras e vendeu suas tintas relativamente mais barato.
''Nós acreditamos que isso nos dará a oportunidade de romper com o modelo de negócios da indústria e chamar atenção para a principal insatisfação do consumidor: o preço da tinta’', disse Perez à Businessweek, em 2007. Até hoje, a unidade de impressoras para consumo da Kodak capturou aproximadamente 6% do mercado dos Estados Unidos, segundo a firma de pesquisa de mercado IDC. Em contraste, a HP lidera aproximadamente 60% do mercado, valor que, espera-se, permaneça relativamente estável ou que entre em declínio.
''Em termos de tecnologia, acredito que o produto seja bom’', disse Marco Boer, vice-presidente da IT Strategies, uma companhia de pesquisa de mercado de impressão digital. ''Mas isso irá salvar a Kodak? Mesmo que as impressoras fossem um sucesso fenomenal, não tenho certeza se qualquer companhia conseguiria crescer no mercado com rapidez suficiente para superar os declínios nos outros ramos da Kodak’'. Ken Luskin, desapontado investidor na Kodak que comanda a Intrinsic Value Asset Management, disse que a estratégia de virada de Perez foi a história de como ''uma companhia foi colocada no chão pelas necessidades de ego de apenas um homem’'. ''Ele disse, 'Eu vou esfregar isso na cara da Hewlett-Packard’. E é por isso que a companhia está fazendo tudo isso’', disse Luskin.
Mas Mark Kaufman, analista do Rafferty Capital, é mais otimista sobre as perspectivas da Kodak. Ele disse que a companhia possui tecnologia melhor que a de seus concorrentes, tanto para as impressoras comerciais quanto as de consumo. Mais ainda, ele disse que a venda proposta pela Kodak de algumas de suas patentes poderia gerar mais de US$ 2 bilhões e deixar a companhia em uma situação que permitiria sua venda ou prosperar por si mesma.
''Eles podem ser capazes de conseguir por si mesmos por causa de sua tecnologia superior’', disse.
Poucos questionariam o fato de que Perez tem enfrentado uma tarefa anormalmente formidável. Em 2005, ano da nomeação de Perez para o cargo, a empresa relatou perdas de quase US$ 1,3 bilhão.
A Kodak foi criada pelo inventor George Eastman no final do século 19. Ela rapidamente se tornou um nome familiar, comercializando filmes fotográficos com o slogan, ''Você aperta o botão, nós fazemos o resto’'. A Kodak prosperou usando a mesma estratégia 'lâmina de barbear’, vendendo câmeras a preços baixos e fazendo dinheiro com os filmes.
Em 1975, um cientista da Kodak inventou a primeira câmera digital do mundo, que era mais ou menos do tamanho de uma torradeira. Naquela época, a Kodak controlava aproximadamente 90% do mercado de filmes e 85% das vendas de câmeras nos Estados Unidos, segundo pesquisadores de Harvard. Mas o sucesso fenomenal da Kodak com os filmes também iria se tornar a sua ruína, fazendo com que seus gerentes tornassem-se complacentes e lentos na adaptação às mudanças.
Quando a Fuji começou a roubar o mercado dos filmes da Kodak nos anos 1970, os executivos da Kodak ignoraram os alertas internos, porque ''não acreditavam que o público americano compraria outro filme’', segundo 'Changing Focus: Kodak and the Battle to Save a Great American Company’, de Alecia Swasy. Em um notório incidente ocorrido no começo dos anos 1990, Kay R. Whitmore, CEO da empresa na época, dormiu durante uma reunião com o fundador da Microsoft, Bill Gates.
Na época, estava claro que a Kodak precisava realizar mudanças significativas para continuar relevante, com seu mercado dos filmes em franco declínio. Durante a década anterior, a companhia adquiriu empresas que produziam analisadores de sangue 'in vitro’, disquetes, aspirinas e a Lysol, em uma tentativa de reverter o declínio, segundo as pesquisas de Harvard.
''Vamos encarar a realidade’', disse Ulysses Yannas, corretor da Buckman, Buckman & Reid, que vem acompanhando a Kodak por quatro décadas – e aplaude os esforços de Perez. ''Essa companhia foi muito, muito mal gerenciada no decorrer dos anos 1960, 1970, 1980 e 1990. Ela era conduzida como se fosse um serviço público’'.
Perez jurou virar a mesa da companhia até 2008. Enquanto isso ainda não aconteceu, os funcionários da Kodak observam que três quartos do lucro da companhia agora provêm de produtos digitais. Uma década atrás, a maioria de sua renda ainda vinha dos filmes. Somando-se a isso, no trimestre mais recente, as áreas de maior crescimento da Kodak cresceram 22%, lideradas pelo aumento de 48% das rendas vindas das impressoras de consumo.''Continuamos focados em nossa estratégia de nos tornar uma companhia digital rentável e sustentável’', disse o porta-voz Veronda via e-mail.

BC faz primeira redução do ano nos juros: 10,5%

Autor(es): agência o globo:Gabriela Valente O Globo - 19/01/2012

Selic cai ao menor patamar desde junho de 2010. Autoridade monetária indica que manterá cortes, mas não até quando
BRASÍLIA e SÃO PAULO. O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, cortar a taxa básica de juros (Selic) pela quarta vez consecutiva, em 0,5 ponto percentual, para 10,5%, como previra a maioria dos economistas. É a menor taxa desde junho de 2010. A expectativa maior não era com a decisão do Banco Central (BC), e sim com o comunicado, para saber se este iria dirimir a principal dúvida dos analistas: até quando prosseguirão os cortes?
O BC apenas indicou que manterá o ritmo nos cortes, sem dar sinais de quando interromperá esse movimento. "O Copom entende que, ao tempestivamente mitigar os efeitos vindos de um ambiente global mais restritivo, um ajuste moderado no nível da taxa básica é consistente com o cenário de convergência da inflação para a meta em 2012", afirma a nota, que repete o texto da reunião anterior.
- Não havia motivo para o Banco Central se comprometer com algum cenário, se ainda estamos no início do ano, e um ano com muitas incertezas. Acho prematuro ter definido um cenário baseado num possível aumento de inflação em 2013 - disse o ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall.
Taxa chegaria a 9,5% em abril, dizem analistas
Assim como ele, a maioria dos economistas espera mais dois cortes de 0,5 ponto percentual consecutivos, o que levaria a taxa a 9,5% em abril. Alguns, como a área econômica do Itaú Unibanco, projetam um corte adicional em maio, a 9%. Isso porque a inflação dos últimos 12 meses está em 6,5% (o teto da meta), e ela tende a cair, tanto por questões econômicas como estatísticas, devido à nova fórmula de cálculo do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Apesar da perspectiva de piora do cenário externo, com o agravamento da crise na zona do euro, o que poderia levar a mais cortes de juros, a maioria dos analistas está cautelosa.
- Aparentemente, a economia entrou em 2012 numa velocidade maior que a esperada, por isso é pouco provável que a Selic possa cair além de 9,5% - diz Flávio Samara, economista da LCA Consultores.
Para ele, se os sinais de aquecimento maior da economia se confirmarem já neste primeiro trimestre, é mais provável que os próximos dois cortes do BC sejam de apenas 0,25 ponto cada.
- O BC está num dilema. É melhor ir em doses homeopáticas, porque estamos no escuro. E, quando se está no escuro, a gente tem de andar devagar - afirmou o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas, ressaltando que ninguém sabe com certeza qual será o comportamento da economia.
A seu ver, a retomada da economia deve ser sentida em 2013, quando a pressão sobre os preços seria maior. Por isso, Freitas espera alta dos juros no segundo semestre deste ano.
Cortes de gastos ajudariam no combate à inflação
Já para o economista da Gradual Investimentos, André Perfeito, o BC deveria ter cortado apenas 0,25 ponto ontem. Ele explicou que, para alguns de seus colegas, o BC rasgou o manual do sistema de metas de inflação. Mesmo sem concordar, ele acha que a instituição não apertará o cinto mais do que o necessário para não massacrar o crescimento, mas as contas não fecharão em 2012.
Para outro grupo, o governo quer levar a Selic a um dígito até o fim do governo Dilma. Para isso, os cortes de gastos fariam o papel da taxa de juros para controlar a inflação. O problema, segundo Perfeito, é que com menos crescimento o governo terá menos gordura para queimar. Por isso ele não vê espaço para maiores cortes e projeta Selic de 10% este ano.
- Este ano será mais difícil, mas pode ficar menos difícil daqui para a frente, e a Selic pode chegar a 9% - disse o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Júlio Gomes de Almeida, hoje no Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria..

Quando empréstimo vira receita primária

Autor(es): Ribamar Oliveira
Valor Econômico - 19/01/2012
 

Um dos fatos mais importantes na área fiscal brasileira, ocorrido na década passada, foi que as empresas estatais passaram a depender cada vez menos de recursos do Tesouro Nacional e a dar lucro, muito lucro. O bom resultado das estatais ao longo dos últimos anos encheu os cofres públicos, sob a forma de dividendos.
Até mesmo a Petrobras, a maior empresa estatal brasileira, pagava poucos dividendos ao Tesouro. Em 1997 foram apenas R$ 181,9 milhões. Naquele mesmo ano, os dividendos pagos pelo Banco do Brasil foram de R$ 60,98 milhões, enquanto a Caixa Econômica Federal (CEF) simplesmente não pagou nada. Atualmente, todas as grandes estatais federais apresentam lucros expressivos e transferem recursos consideráveis ao Tesouro.
A receita do Tesouro com dividendos em 1997 foi de apenas R$ 822,4 milhões. No ano passado, ela ficou em R$ 19,7 bilhões, tendo chegado a R$ 26,7 bilhões em 2009, de acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Hoje, essa receita passou a ser essencial para o fechamento das contas do governo federal.
Há uma questão, no entanto, que merece ser analisada. Os dados da STN mostram que a "explosão" da receita anual com dividendos ocorreu a partir de 2008, quando ela superou, pela primeira vez, a marca dos R$ 10 bilhões. Em 2007, a receita do Tesouro com dividendos foi de R$ 6,98 bilhões, passando para R$ 13,4 bilhões no ano seguinte, R$ 26,7 bilhões em 2009, R$ 22,4 bilhões em 2010 e R$ 19,7 bilhões no ano passado.
Embora todas as grandes estatais tenham elevado muito o valor dos dividendos pagos ao Tesouro, pois os lucros delas cresceram muito no período considerado, a "explosão" coincide com o aumento dos pagamentos feitos pelo BNDES. Em 2007, o BNDES pagou R$ 923,6 milhões ao Tesouro, sob a forma de dividendos. Isto equivalia a 13,2% da receita total da União com dividendos. Em 2008, o valor subiu para R$ 6,02 bilhões, o que correspondeu a 45% do total.
Nos anos seguintes, a participação do BNDES no total continuou significativa, tendo chegado a incríveis 54,1% do total em 2009. Toda receita do Tesouro, inclusive os dividendos, é apurada pelo regime de caixa. As estatais, por sua vez, contabilizam os lucros em seus balanços pelo conceito de competência. Isto significa que parte dos recursos que ingressam no caixa do Tesouro é proveniente de pagamentos referentes a exercício anterior.
Nos últimos quatro anos (de 2008 a 2011), o BNDES pagou um total de R$ 37,5 bilhões em dividendos ao Tesouro (veja tabela abaixo). Para se ter uma ideia, essa receita é maior do que toda a arrecadação do governo federal com o Imposto sobre Operações Financeira (IOF) no ano passado e muito próximo do que foi arrecadado também em 2011 com a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).
O aumento do pagamento de dividendos pelo BNDES decorreu da elevação da lucratividade dessa instituição financeira. Em 2007, o lucro líquido do BNDES foi de R$ 7,3 bilhões. Em 2010 (último dado disponível, pois o balanço de 2011 ainda não foi divulgado), o lucro já estava em R$ 9,9 bilhões.
Mas esse aumento da lucratividade do BNDES resultou, em grande medida, dos empréstimos que o Tesouro Nacional passou a fazer para a instituição financeira a partir de 2008. Daquele ano até 2011, os empréstimos totalizaram R$ 287,5 bilhões. A justificativa do governo para eles é que a crise financeira internacional reduziu os recursos disponíveis para as empresas brasileira e que os bancos não conseguem oferecer financiamentos de longo prazo para os investimentos.
Essa montanha de dinheiro permitiu um aumento significativo das operações do banco no mercado, o que turbinou o seu lucro operacional. Ampliou-se, concomitantemente, um outro componente do lucro. Os empréstimos são feitos pelo Tesouro por meio da emissão de títulos públicos. Os papéis são entregues ao BNDES, que não monetiza todos os títulos de uma única vez. Enquanto isso não acontece, a instituição financeira lucra com esses papéis, que são, geralmente, remunerados pela Selic.
Ao analisar as contas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva relativas a 2010, o Tribunal de Contas da União (TCU) observou em seu relatório que "o lucro do BNDES foi de R$ 9,9 bilhões (naquele ano), dos quais R$ 8,4 bilhões como "resultado com aplicações em títulos e valores mobiliários", de acordo com as demonstrações financeiras da estatal".
Dito de uma forma mais direta: parte expressiva do lucro do BNDES decorreu da remuneração dos títulos que lhes foram repassados pelo Tesouro. Esse lucro deu origem aos dividendos pagos. Falta calcular que proporção dos dividendos pagos de 2008 a 2011 decorreu desse ganho financeiro.
O fato, no entanto, é que operações financeiras (empréstimos ao BNDES) deram origem a uma receita primária do Tesouro Nacional (dividendos), que pagou despesas primárias durante os últimos quatro anos. Essa é, certamente, uma questão polêmica na área técnica.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras