quinta-feira, 29 de março de 2012

Libertadores

Um pouco de futebol. O Flamengo deu vexame no Defensores Del Chaco, no Paraguai. Contra um Olímpia que fazia o tão simples quanto eficiente e conhecido esquema com 2 linhas de 4 quatro na marcação. O Flamengo mostrou pucos minutos de lucidez. Sua zaga continua batendo cabeça e o meio mostra muito pouco entrosamento e paga caro pela pouca idade dos garotos da base. Botinelli mostra que tem qualidade, mas que precisa de se adaptar melhor ao estilo de jogo do futebol brasileiro e ao esquema rubro negro. Ronaldinho é um misto de herói e anti herói. Erra passes, perde diversas bolas, mas em um lance pode decidir, como foi o caso do passe para Vagner Love, o que não deixa de ser pouco, mas as vezes pode ser suficiente. Ontem não foi.
O Olimpía fez o seu serviço: mostrou garra e muita disposição para marcar e sair velozmente nos contragolpes. Aproveitou-se da ingenuidade do adversário no 1º gol em jogada de bola parada ensaiada, que todos sabem ser seu ponto forte, mostrou raça no 2° gol após uma sequência de falahas bisonha da zaga do Flamengo e mostrou qualidade no 3° e belo gol. O 3° gol mostrou também outra falha de posicionamento que o Olímpia bem aproveitou-se, a 2° bola, tanto na defesa quanto no ataque, era sempre dos paraguaios.
Complicou para o Flamengo...

quarta-feira, 28 de março de 2012

Recessão se agrava e déficit sobe na Espanha

Valor Econômico - 28/03/2012

O governo central da Espanha anunciou ontem que o seu déficit orçamentário subiu nos dois primeiros meses deste ano para € 20,7 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Num outro sinal de que a quarta maior economia da zona do euro terá dificuldades para sair da recessão, o governo confirmou a retração de 0,3% no PIB do último trimestre de 2011 e indicou que a situação continua sombria no início deste ano.
"A informação mais recente para o começo de 2012 confirma a continuidade da contração na produção do primeiro trimestre deste ano", afirmou o banco central em relatório mensal.
O déficit do governo central nos dois primeiros meses de 2011 havia atingido € 13,8 bilhões, ou 1,29% do PIB. A cifra orçamentária divulgada ontem não inclui as contas dos governos locais e regionais, que responderam por grande parte do déficit do ano passado. Em 2011, o déficit orçamentário geral da Espanha alcançou 8,5% do PIB. Para este ano, a meta do governo é de um déficit de 5,3% do PIB, nível que muitos economistas consideram quase impossível de alcançar sem agravar ainda mais a recessão.
Nos dois primeiros meses do ano, a receita do governo caiu 1,3% em relação ao mesmo período de 2011, para € 34,8 bilhões. Contudo, o governo informou que a elevação do imposto de renda deve ter um efeito positivo sobre a receita de março.
No ano passado, o governo conservador da Espanha - que assumiu o poder em dezembro - anunciou medidas de emergências, incluindo o aumento de impostos para reduzir o déficit orçamentário anual em € 15 bilhões. Além disso, cortes no orçamento no valor equivalente a cerca de 0,5% do PIB vão ser incluídos no orçamento do governo que será apresentado na sexta-feira.
Em Seul, onde participou de uma cúpula sobre segurança nuclear, o primeiro ministro Mariano Rajoy disse hoje que o novo orçamento vai incluir um corte médio de 14% a 15% nos gastos para cada um dos ministérios do país.
Rajoy descartou novos aumentos de impostos e disse que está buscando elevar a receita do governo através de medidas que estimulem a atividade econômica em vez de aumentar os impostos sobre o consumo.
Em conjunto com a austeridade orçamentária, o governo espanhol pretende, a partir do mês que vem, promover reformas no serviço público do país e no setor de energia, acrescentou Rajoy, dizendo que seus planos não serão afetados por uma greve geral convocada para esta quinta-feira contra as medidas de austeridade do governo.
"Eu não me lembro de nenhum governo espanhol que tenha feito mais reformas nos seus cem primeiros dias do que esse... e deve ser por isso que a greve geral foi convocada", disse Rajoy. "O maior erro seria não fazer nada além, só ficar parado, sem realizar mais reformas."
Essas foram as primeiras declarações públicas de Rajoy, após o fracasso do conservador Partido Popular, do qual o primeiro-ministro faz parte, na eleição de domingo, quando não conseguiu a maioria necessária para formar um governo na Andaluzia, região mais populosa da Espanha. A derrota é uma prova do crescente descontentamento da população com as políticas de austeridade.

Desenvolvimentismo e dependência

Para o meu gosto o artigo é muito interessante. Sou fã dessas teorias, sobretudo a do FHC, que mostra de uma forma muito próxima da realidade, e muito mais lapidada do que a teoria de Baran por exemplo, os grilhões da dependencia e do subdesenvolvimento. Quem debate muito bem o tema é Ernesto Laclau em um pequenino livro denominado "Política e ideologia na Teoria Marxista". Nesse livro Laclau explica, critica e delimita muito bem os conceitos de capitalismo, facismo e populismo, incluindo debates acerca do subdesenvolvimento, do colonialismo e da escravatura, citando Frank, FHC e outros.
Vale muito a leitura tanto do livro quanto desse artigo.

Autor(es): José Luís Fiori
Valor Econômico - 28/03/2012
 

Na década de 1960, a crise econômica e política da América Latina provocou, em todo continente, uma onda de pessimismo, com relação ao desenvolvimento capitalista das nações atrasadas. A própria Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) fez autocrítica, e colocou em dúvida a eficácia da sua estratégia de "substituição de importações", propondo uma nova agenda de "reformas estruturais" indispensáveis à retomada do crescimento econômico continental. Foi neste clima de estagnação e pessimismo que nasceram as "teorias da dependência", cujas raízes remontam ao debate do marxismo clássico, e da teoria do imperialismo, sobre a viabilidade do capitalismo nos países coloniais ou dependentes.
Marx não deu quase nenhuma atenção ao problema específico do desenvolvimento dos países atrasados, porque supunha que a simples internacionalização do "regime de produção burguês" promoveria, no longo prazo, o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, no mundo dominado pelas potências coloniais europeias. Mais tarde, no início do século XX, a teoria marxista do imperialismo manteve a mesma convicção de Marx, que só foi questionada radicalmente, depois do lançamento do livro do economista, Paul Baran, "A Economia Política do Desenvolvimento", em 1957. Após sua publicação, a obra de Baran se transformou em referência obrigatória do debate latino-americano dos anos 1960. Para Paul Baran, o capitalismo era heterogêneo, desigual e hierárquico, e o subdesenvolvimento era causado pelo desenvolvimento contraditório do capitalismo. Além disto, segundo Baran, o capitalismo monopolista e imperialista teria bloqueado definitivamente o caminho do nos países atrasados.
As ideias de Baran casaram como luva com o pessimismo latino-americano dos anos 1960, e suas teses se transformaram numa referencia teórica fundamental das duas principais vertentes marxistas da "escola da dependência": a teoria do "desenvolvimento do subdesenvolvimento", do economista americano Andre Gunder Frank, que exerceu pessoalmente, uma forte influência no Brasil e no Chile; e a teoria do "desenvolvimento dependente e associado", formulada por Fernando Henrique Cardoso, com o suporte intelectual de um grupo importante de professores marxistas da USP.
A tese de Frank vem diretamente de Paul Baran: segundo Frank, o imperialismo seria um bloqueio insuperável, mesmo com a intervenção do Estado, e o desenvolvimento da maioria dos países atrasados só poderia se dar por uma ruptura revolucionária e socialista. Esta tese de Frank foi sendo matizada por seus discípulos, mas ainda é a verdadeira marca acadêmica internacional da teoria da dependência. Por outro lado, a tese central de FHC já nasceu menos radical: segundo ele, o desenvolvimento capitalista das nações atrasadas seria possível mesmo quando não seguisse as previsões clássicas, mas seria quase sempre, um desenvolvimento dependente e associado a países imperialistas.
O avanço da teoria do "desenvolvimento associado" foi interrompido pelo próprio sucesso político ao se transformar no fundamento ideológico da experiência neoliberal no Brasil, sob liderança do próprio FHC. Com relação a Frank e seus discípulos, ele mesmo "imigrou", nos anos 1980, para outros temas e discussões históricas, e sua teoria do subdesenvolvimento ficou paralisada no tempo, como apenas uma lista de características especificas, estáticas e intransponíveis, da periferia capitalista. Ou quem sabe, uma espécie de teoria dos "pequenos países".
Apesar de tudo, a "escola da dependência" deixou quatro ideias seminais, que abalaram o fundamento teórico do "desenvolvimentismo de esquerda", dos anos 1950:
1) O capital, a acumulação do capital e o desenvolvimento capitalista não tem uma lógica necessária que aponte em todo lugar e de forma obrigatória para o pleno desenvolvimento da indústria e da centralização do capital.
2) A burguesia industrial não tem um "interesse estratégico" homogêneo que contenha "em si", um projeto de desenvolvimento pleno das forças produtivas "propriamente capitalistas".
3) Não basta conscientizar e civilizar a burguesia industrial e financiar a centralização do seu capital para que ela se transforme num verdadeiro "condotieri" desenvolvimentista.
4) S simples expansão quantitativa do estado não garante um desenvolvimento capitalista industrial, autônomo e autossustentado.
O que chama a atenção é que até hoje, o "desenvolvimentismo de esquerda" não tenha conseguido se refazer do golpe, nem tenha conseguido construir uma nova base teórica que possa dar um sentido de longo prazo à suas intermináveis e inconclusivas deblaterações macroeconômicas e ao seu permanente entusiasmo pelo varejo keynesiano.
José Luís Fiori é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, e autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, 2007. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Novas luzes no debate a respeito das LFTs

Já tem algum tempo que se debate sobre a questão das LFTs que aparentemente é um dos entraves centrais para a mudança na distorcida estrutura da taxa de juros da economia brasileira.
Pois bem, se é um tema central vai tomar um lugar de maior destaque, então vamos nos munir de informações!

Autor(es): José Luis Oreiro e Breno Lobo
Valor Econômico - 26/03/2012
 

No Brasil uma parcela significativa da dívida pública ainda é constituída de títulos pós-fixados (as Letras Financeiras do Tesouro, LFTs) cuja remuneração é dada pela taxa Selic, determinada pelo Banco Central (BC). A Selic é utilizada para controlar a liquidez do mercado monetário, de forma que ela é, ao mesmo tempo, instrumento operacional de política monetária e taxa de remuneração de parcela expressiva da dívida pública. Como os objetivos de política monetária e de gestão da dívida são distintos, existe a possibilidade de que a taxa Selic, ao ser determinada para fins de política monetária, tenha efeitos negativos sobre a dinâmica da dívida pública.
Além desse potencial efeito contágio, a existência das LFTs diminuiria a eficácia da política monetária de duas formas. Em primeiro lugar, as LFTs restringem a eficácia do canal de juros na transmissão da política monetária ao distorcer a formação da estrutura a termo da taxa de juros. Por terem remuneração diária e elevada liquidez, as LFTs gerariam incentivos para que os agentes mantenham parte significativa de sua riqueza financeira no curto prazo, o que diminuiria o fluxo de recursos disponíveis para financiar projetos de investimento de longo prazo, cuja remuneração não estaria muito acima daquela oferecida pelas LFTs.
Em um exercício de simulação, observou-se crescimento do serviço da dívida, deteriorando a situação fiscal
Em segundo lugar, as LFTs restringem a eficácia do canal dos preços dos ativos na transmissão da política monetária. Elevações na taxa de juros fazem com que o preço dos títulos prefixados diminua. Essa diminuição implica em perdas de capital para seus detentores e, portanto, em redução de sua riqueza financeira, o que tende a diminuir o consumo agregado da economia. As LFTs, ao contrário, têm seu preço aumentado como decorrência de uma elevação da taxa de juros, de forma que esses títulos não sinalizariam corretamente para o consumo das famílias a direção desejada pela política monetária.
Diante dessas características, espera-se que a extinção das LFTs aumente a eficácia da transmissão da política monetária e torne os objetivos de política monetária e de gestão da dívida pública menos conflitantes. Todavia, existem custos associados a uma eventual extinção das LFTs. Esses títulos, em geral, têm prazo de emissão mais longo e remuneração menor que as LTNs, que são títulos públicos prefixados, devido ao prêmio de risco que as LTNs têm que pagar com relação às LFTs, haja vista que aquelas estão sujeitas a perda de capital em função de variações da taxa de juros, ao passo que as LFTs estão livres desse risco.
Um exercício de simulação numa economia artificial descrita a partir de um modelo dinâmico com consistência entre estoques e fluxos (Dynamic Stock and Flow Consistent Model - DSFC) foi realizado com o objetivo de analisar as modificações na dinâmica dessa economia decorrentes da implantação de uma política de gestão da dívida que elimine as LFTs. Observou-se, no longo prazo, o crescimento do serviço da dívida que deteriorou a situação fiscal do governo, levando assim a economia a uma trajetória de instabilidade, com descontrole inflacionário e taxa de juros muito elevada. No curto prazo, contudo, a extinção das LFTs permitiu a obtenção de um crescimento econômico mais estável e patamares menores de inflação e de taxa de juros.
Para se eliminar a tendência à instabilidade macroeconômica decorrente da extinção das LFTs é necessário coordenar a política macroeconômica com a política de gestão da dívida pública. Com efeito, nos experimentos realizados com o modelo DSFC, a realização de políticas fiscal e política monetária restritivas foram capazes de controlar o processo inflacionário e estabilizar os ciclos econômicos. Todavia, o ajuste fiscal, ao restringir os gastos públicos, resultou em taxas de crescimento mais baixas e, portanto, maiores taxas de desemprego. Esse efeito, contudo, está associado à manutenção de uma política fiscal na qual os gastos do governo crescem a taxas constantes e fixas.
Caso o governo use a política fiscal de forma ativa, associada a algum objetivo, como a estabilização da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, é possível controlar a inflação e estabilizar os ciclos de crescimento. Essa simulação sugere que a utilização de uma política fiscal ativa pode ajudar no processo de controle da inflação.
Além das políticas fiscal e monetária, simulamos o comportamento dessa economia artificial a partir da utilização de uma política de rendas que limite o repasse de elevações nos preços para os salários nominais dos trabalhadores. Essas simulações sugeriram que uma política monetária restritiva não é a política mais eficaz para combater o processo inflacionário.
Numa economia em que o processo inflacionário decorra, principalmente, do conflito distributivo existente entre trabalhadores e capitalistas, a utilização de uma política ativa de rendas tende a ter um efeito estabilizador sobre a dinâmica do sistema. Esse resultado sugere que políticas que atuem sobre as causas da inflação e não apenas reajam a suas variações, como ocorre no atual sistema de metas inflacionárias, sejam mais eficientes em seu controle. Isso abre espaço para que a utilização de algum tipo de política de rendas pelo governo volte a ser discutida. Um ponto importante a ser destacado é que, no exercício de simulação, a utilização da política de rendas não esteve associada a uma diminuição da participação dos salários na renda agregada, ou seja, a política de rendas não é contrária ao interesse da classe trabalhadora.
Em suma, os resultados obtidos a partir das simulações do modelo DSFC sugerem que a extinção das LFTs pode ter um impacto positivo sobre a economia brasileira se vier acompanhada de uma política fiscal ativa e de uma política de rendas que diminua o repasse da inflação passada para os salários.
José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

quinta-feira, 22 de março de 2012

A Europa aprisionada

 O artigo é interessante porque dá para parafrasea-lo em algumas coisas que acontecem no Brasil, como por exemplo o aumento dos ruídos de quem aposta numa determinada direção BC age em outra, como foi no caso do ano passado, quando muitos esperavam um aumento ou mesmo a manutenção da Selic e veio um corte, deixando muita gente de "mãos abanando". Quase que naturalmente quem perde dinheiro, e muito, vai chiar. O problema não é a choradeira, o problema é o argumento utilizado por quem na maioria das vezes sabe que o que está falando não se sustenta ou pode ser fortemente contestado.
Aliado a isso temos a grande penetração daqueles que sofrem influêcia direta dessas ações no âmbito do poder público, gerando conflitos éticos, isso para dizer um mínimo.
Contudo, temos que ser razoáveis sempre, avaliando cada colocação e verificando as que realmente tem e qual o seu fundamento, afinal, ninguém é totalmente santo nem diabo por completo, ou é?
PS.: Ah, adorei o nome "evento de crédito", muito legal, mas foi calote mesmo viu!!!

Autor(es): Simon Johnson e Daron Acemoglu Valor Econômico - 22/03/2012

A elite política europeia - as pessoas que dão as cartas em nível nacional e na zona euro - estão em sérios apuros. Ela administrou mal a economia, enveredando por profunda crise e traindo todas as promessas grandiosas de unidade e prosperidade enunciadas quando o euro foi criado. A união monetária poderá sobreviver, mas para milhões de pessoas, o euro já descumpriu sua missão de sustentar o crescimento e assegurar a estabilidade. Como foi que isso aconteceu?
As economias grega, portuguesa, irlandesa e italiana estão sofrendo com a austeridade fiscal - com cortes orçamentários e impostos mais altos por tempo indeterminado. Esse mix de políticas retardará seu crescimento e o do restante da Europa.
Mas isso é apenas parte do problema. A dificuldade maior é o "excesso de endividamento" que tem obrigado os governos europeus a tomarem esse curso. Há fortes paralelos com o que aconteceu nos EUA nos últimos anos: muitas famílias sentiram-se esmagadas por suas dívidas, e por isso o consumo das famílias caiu e ainda não se recuperou. O ajuste será ainda mais doloroso na Europa, porque uma crise de dívida soberana tem um efeito depressivo sobre todos - sobre consumidores, investidores e sobre o setor público.
Há uma maneira simples de lidar com um excesso de endividamento: reduzir os pagamentos mediante uma reestruturação da dívida. Muitas empresas têm condições de renegociar os termos de financiamento com seus credores - geralmente alongando a duração de suas obrigações, o que lhes permite tomar novos empréstimos para financiar novos e melhores projetos. Se tais negociações não puderem ser obtidas de forma voluntária, as empresas americanas podem recorrer a concordatas, caso em que um juiz supervisiona e aprova a reorganização das responsabilidades. Assim, seria de esperar que o mesmo valeria tanto para as famílias americanas como para os governos europeus em apuros. Mas a reestruturação da dívida foi pequena demais e veio tarde demais. Por quê?
Nos dois casos, o principal argumento para não eliminar o excesso de endividamento veio dos bancos, que alegavam que isso criaria um caos nos mercados financeiros por duas razões. Primeiro, os bancos eram os principais credores e os prejuízos que eles teriam de sofrer numa reestruturação provavelmente deflagrariam um efeito dominó, em que ondas de pessimismo provocariam altas dos juros e arruinariam as perspectivas dos outros devedores. Em segundo lugar, os bancos também sofreriam porque tinha vendido seguro contra inadimplência - na forma de swaps de risco de crédito (CDS, sigla em inglês). Quando esses swaps fossem executados, os bancos incorreriam em prejuízos possivelmente maiores.
No caso da Grécia, os bancos internacionais argumentaram demorada e vigorosamente que a reestruturação da dívida geraria um contágio muito abrangente e profundo na zona do euro - e talvez além das fronteiras da zona do euro. E, apesar disso, no fim das contas, a Grécia teve escassa alternativa a reestruturar sua dívida, reduzindo o valor dos créditos do setor privado em cerca de 75% em relação a seu valor de face (embora isso provavelmente não seja suficiente para tornar sustentável a carga de endividamento do país). Isso foi considerado um "evento de crédito" (calote), e, portanto, os swaps de risco de crédito foram exercidos: quem tivesse vendido seguro contra inadimplência teria de pagar.
Tudo virou um pandemônio? Não. Os bancos não faliram e não há nenhum sinal de dominós capotando. Mas isso não se deve ao fato de os bancos terem se preparado, captando mais capital. Pelo contrário, em comparação com seus prováveis prejuízos futuros, os bancos europeus levantaram relativamente pouco capital recentemente, e muito disso não passou de contabilidade criativa, ao invés de captação efetiva de maiores aportes de capital dos acionistas.
Talvez o risco de que uma reestruturação da dívida grega pudesse produzir um colapso financeiro sempre tenha sido mínimo - e era de esperar calma nos mercados. Mas, nesse caso, por que toda essa balbúrdia?
Nesta altura dos acontecimentos, a resposta deve estar clara: as políticas dos grupos de interesse e a visão de mundo das elites responsáveis pelas políticas econômicas. Ainda que o risco para o sistema financeiro fosse mínimo, o impacto sobre os bancos e os detentores de títulos era substancial. Eles poderiam perder bilhões e muitos funcionários do setor financeiro poderiam perder seus empregos. Não surpreende que os principais banqueiros pressionassem contra a reestruturação da dívida, tanto nos bastidores como publicamente.
Por exemplo, o International Institute of Finance (IIF), um importante grupo lobista em Washington, e representante dos interesses dos grandes bancos, não para de insistir: salvem-nos ou sofram as consequências. Mas, tão importante quanto a narrativa desses lobistas é seu poder político, que cresceu muito nos últimos anos - a tal ponto que todos as principais autoridades econômicas nos EUA e na Europa preocupam-se com a sorte dos bancos, mesmo quando não há implicações mais amplas para a economia.
Mesmo agora, muitos dos prejuízos que os bancos deveriam ter absorvido estão sendo descarregados sobre o setor público, inclusive por meio de diversas formas de apoio direto e de iniciativas extraordinárias e arriscadas assumidas pelo Banco Central Europeu. A extensão dos subsídios nesse setor é estonteante e, no cenário das políticas atuais, só tenderão a crescer ao longo do tempo - dando, assim, sustentação ao estilo de vida do 1% de pessoas nos países muito ricos.
O calote grego acabou por ser o proverbial cão que não latiu. A lição para a Europa - e para os EUA - é clara: é hora de parar de ouvir o que dizem os bancos e começar a se prestar a atenção no que eles fazem. Devemos reavaliar a política econômica distorcida do setor financeiro antes que o poder excessivo de poucos imponham custos ainda maiores para todos os demais. (Tradução de Sergio Blum). Copyright: Project Syndicate, 2012. www.project-syndicate.org.
Simon Johnson é professor da Faculdade Sloan de Administração no MIT e membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, é coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why it Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores [dos EUA], nossa dívida nacional e porque isso é relevante para você).
Daron Acemoglu é professor de economia no MIT e coautor de "Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty", (por que os países fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza).

terça-feira, 20 de março de 2012

'WSJ': Frade era aposta de risco

O Globo - 20/03/2012
 

Presidente da Chevron para a AL determinou pressa em 2008
As perfurações no campo de Frade eram consideradas uma aposta arriscada, conforme admitiu o próprio presidente para América Latina e África da Chevron, Ali Moshiri, ao "Wall Steet Journal", em uma reportagem publicada em outubro de 2008. Essa reportagem foi citada pelo delegado da Polícia Federal Fábio Scliar em seu relatório sobre o vazamento ocorrido em novembro do ano passado. Moshiri, na ocasião, justificou os riscos lembrando que acabou o tempo das grandes reservas de petróleo fáceis de explorar, conhecidos na indústria como elefantes. "Se você só for atrás de elefantes, nunca vai caçar", disse Moshiri ao "Journal".
A reportagem conta que Moshiri estava envolvido com o campo de Frade desde 2001, quando assumiu o cargo após a fusão de Chevron e Texaco. "Era um projeto que foi contestado desde o primeiro dia", contou. A Texaco pretendia construir uma grande plataforma no local, o que Moshiri descartou por ser muito caro.
Moshiri, segundo o "Journal", esperava que o campo de Frade se tornasse um padrão para exploração em locais semelhantes. Mas tinha pressa: para ganhar tempo e dinheiro, ele vetou abordagens convencionais, mais demoradas, e reciclou equipamentos antigos.
A Chevron tentava desenhar um plano de baixo custo quando descobriu que o petróleo não estava em uma "colmeia" de pequenos reservatórios. A colmeia teria tornado a exploração economicamente inviável. A equipe que trabalhava no campo de Frade queria perfurar mais poços para melhor entender o local. Mas Moshiri disse que isso era muito caro e demorado e defendeu a perfuração de menos poços, mais simples e baratos.
Muitos dos engenheiros envolvidos no projeto estavam habituados a locais de fácil exploração e achavam o campo de Frade perda de tempo. Moshiri lembrou-os de que esse tempo acabara.
Plataforma tinha 30 anos e foi adaptada para águas profundas
Em agosto de 2004, um diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) criticou a empresa, dizendo a uma publicação setorial que a Chevron não estava se esforçando para desenvolver o local. Moshiri e uma equipe de engenheiros e geofísicos da Chevron foram ao Rio para uma série de reuniões com a agência. Ele disse ao "Journal" que os técnicos se convenceram.
O plano original da Chevron era perfurar metade dos 19 poços planejados, começar a produzir petróleo, depois estudar os dados por 18 meses antes de perfurar os restantes. Era uma abordagem conservadora. Se os primeiros poços não parecessem bons, a empresa poderia desistir dos outros e reduzir as perdas.
Mas, enquanto os geólogos da Chevron aconselhavam a ir devagar, Moshiri decidiu, em meados de 2005, apostar alto no campo de Frade. Eles perfurariam todos os poços, um atrás do outro, sem intervalo. "Este é nosso trabalho, assumir riscos", afirmou Moshiri.
Temendo perder a oportunidade de explorar o local, Moshiri decidiu correr. A Chevron foi atrás de uma plataforma. Em novembro de 2005, conseguiu uma para adaptação.
A Sedco 706, construída em 1976, não era adequada para a moderna exploração em águas profundas e nem estava operando. A Chevron propôs à dona da plataforma, a Transocean, um contrato de três anos, de US$ 315 mil por dia, se esta adaptasse a Sedco - citada no relatório da PF - para o serviço. A Transocean concordou. Para levar a plataforma ao local, a Chevron recorreu a outra quase-sucata: o navio-tanque Lu San, cuja vida útil começara nos anos 1970, com o armador grego Aristóteles Onassis.
No fim, o "Journal" lembra que permaneciam dúvidas sobre o campo de Frade. "Apesar de anos de modelação computacional, a Chevron não sabe quanto óleo as rochas contêm ou a localização exata do reservatório."

A Abimaq e o PIB

São alguns pontos que são desmistificados de forma interessante. A produtividade brasileira versus a chinesa; a manipulação da taxa de câmbio; o custo no Brasil versus o custo no mundo e o que não é mais importante mas ao que parece é o que é mais utilizado pela mídia  por ser o que mais chama atenção das massas: os efeitos estatísticos.
Enjoy your read!



Antonio Delfim Netto
Valor Econômico - 20/03/2012
 

Em condições normais, a importação é um fator de produção tanto quanto o trabalho ou o estoque de capital. Mas, quando temos "condições normais"? Quando a taxa de câmbio é o preço relativo que (com uma estrutura de tarifa efetiva adequada) produz o equilíbrio entre o valor do fluxo das exportações e das importações de bens e serviços produtivos e a política fiscal tem espaço para acomodar, sem custos exorbitantes, as eventuais flutuações produzidas pelo aumento das oportunidades de investimento estrangeiro. Isso exige que a taxa de juro real interna seja igual à externa. Para que haja reciprocidade na alocação eficiente dos fatores as mesmas condições devem valer para todos os participantes do comércio internacional. Não é assim, quando os parceiros fazem manobras para desvalorizar as suas moedas e expandir as suas exportações, à custa da redução da produção nacional dos outros.
A taxa de câmbio é, sempre, de uma forma explícita ou velada, sujeita à vigilância das autoridades de cada país, atenta aos seus efeitos que podem ser devastadores quando o desequilíbrio pode durar alguns anos e produzir cicatrizes definitivas na estrutura produtiva do país. Não tenhamos ilusão: a taxa de câmbio sempre foi, é e será instrumentalizada.
Alguns ficaram surpresos com o resultado do pequeno crescimento do PIB em 2011. Não deviam. Era evidente que nossa política monetária usando as medidas prudenciais e a alta da taxa de juros no início do ano estava tentando controlar a demanda global. O crescimento da economia estava rodando a 7,5% ao ano no quarto trimestre de 2010 com relação ao seu homólogo de 2009 e já no 1º trimestre de 2011 havia caído para 2,7% na mesma comparação. Terminamos com um crescimento de 2,7%. Qual o principal fator dessa desaceleração?
A resposta é simples: o afundamento da indústria de transformação. Ela cresceu apenas 0,1% no ano e registrou uma queda de 2,5% no 4º trimestre com relação ao 3º. Se tivesse se expandido no ano apenas 3%, o PIB provavelmente teria crescido 3,5% pelos efeitos multiplicadores do setor. É claro que não se tratou apenas do "controle da demanda", que era necessário, mas deveria ser evidente que o tal crescimento de 7,5% em 2010 era produto de um efeito estatístico. O crescimento médio do PIB entre 2008 e 2010 foi de 4,1%.
Entre 2008 e 2011 o saldo da balança comercial da indústria de transformação passou do equilíbrio a um déficit de US$ 43 bilhões. O que mudou na "produtividade" do setor a não ser a "supervalorização cambial" e a ação dos países predadores com suas moedas desvalorizadas (especialmente a China) que se defenderam da crise invadindo os mercados dos países incautos? Um cálculo grosseiro mostra que a nossa relação câmbio/salário (a taxa de câmbio real) caiu cerca de 30% no período. Com o yuan administrativamente "desvalorizado" em pelo menos 30% (além dos subsídios de toda a natureza: juros, transporte, ausência de assistência social, preços políticos do aço, energia etc) pode-se falar, sem corar, em "competição" ou diferença de "produtividade"? De resto, há evidências empíricas que a produtividade por homem/hora no chão da fábrica no Brasil e na China são praticamente iguais. A diferença está fora do portão da fábrica! Mas há muito mais. Sustentando o yuan desvalorizado, a exportação chinesa desloca deslealmente a nossa para os EUA, para a Europa e para o Mercosul. Produz um duplo efeito sobre nosso PIB: reduz o valor adicionado no nosso setor industrial e corta-lhe as exportações. Tudo sob os olhos complacentes da OMC.
A Abimaq acaba de divulgar um trabalho preocupante que deve ser analisado e levado a sério, porque os números estão cuidadosamente verificados. Entre 2004 e 2009, os preços de máquinas e equipamentos (IPA) cresceram 21,1% e o faturamento líquido do setor 32,8%, o que sugere um crescimento físico do setor da ordem de 1,9% ao ano, enquanto o PIB cresceu a 3,6% ao ano. Os preços dos insumos cresceram à taxa de 6,3% ao ano, os salários à taxa de 9%, e os encargos e benefícios à taxa de 10%. No caso dos insumos em 2011, por exemplo, a tonelada de aço no Brasil custava 30% acima do preço internacional e o gás natural, por milhão de BTU, seis vezes mais do que nos EUA!
Com esses fatos não é difícil "explicar" porque a balança comercial de bens de capital acumulou um déficit de US$ 63 bilhões entre 2004 e 2011 e a indústria química assistiu a um crescimento exponencial do seu déficit comercial no último quinquênio, atingindo US$ 26 bilhões em 2011. Nem porque o "coeficiente de penetração" nos bens de capital cresceu de 22% em 2004 para 40% em 2011, enquanto para o setor manufatureiro global passou de 11% para 20%.
O efeito acumulado do crescimento dos preços dos insumos básicos internos, da proteção da tarifa efetiva de insumos básicos importados e da "supervalorização" da taxa de câmbio entregou o mercado das indústrias de transformação à produção estrangeira, dando-lhe as condições para ocupar sua capacidade ociosa e aproveitar os ganhos de escala. Não foi sem razão, portanto, que o crescimento de 0,1% do nosso setor manufatureiro nos roubou quase 1% do crescimento do PIB. É hora de cuidar do câmbio e de proporcionar condições isonômicas para nossos produtores, o que agora tenta fazer o governo federal.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

sexta-feira, 16 de março de 2012

Desigualdade democrática

Autor(es): Raghuram Rajan
Valor Econômico - 15/03/2012

Por que o índice de poupança das famílias nos Estados Unidos despencou antes da Grande Recessão? Dois de meus colegas na University of Chicago, Marianne Bertrand e Adair Morse, propõem uma resposta intrigante: o crescimento na desigualdade de renda.
Bertrand e Morse detectaram que nos anos prévios à crise, em regiões (normalmente Estados) em que o consumo estava alto entre as famílias na faixa dos 20% mais ricos da distribuição de renda, o consumo também estava elevado nas faixas mais baixas. Depois de descartar várias explicações possíveis, eles concluíram que as famílias mais pobres imitavam o padrão de consumo das mais ricas em suas regiões.
De forma consistente com a ideia de que as famílias nas faixas de renda mais baixas estavam "acompanhando o ritmo dos Vanderbilt", os não ricos (mas não realmente pobres) morando nas proximidades de consumidores de alta renda e altos gastos inclinavam-se a gastar muito mais em itens que os ricos consumem normalmente, como joias, serviços domésticos, produtos de beleza e em esportes. Na verdade, muitos captaram empréstimos para financiar seus gastos, de forma que a proporção de famílias pobres com problemas financeiros ou declarando falência foi muito maior em áreas em que os ricos ganhavam (e gastavam) mais. Se não fosse por essa imitação dos padrões de consumo, as famílias não ricas teriam poupado anualmente, em média, mais de US$ 800 nos últimos anos.
Trata-se de um dos primeiros estudos detalhados sobre os efeitos adversos da desigualdade de renda que já vi. Vai além do debate sobre os "1%" - que costuma capturar as manchetes - e mostra que mesmo a desigualdade do dia a dia ante a qual a maioria dos americanos se depara - por exemplo, a desigualdade entre a renda dos leitores típicos deste artigo e o restante - possui profundos efeitos nocivos.
Igualmente interessante é a conexão que o estudo encontra entre a desigualdade de renda e a política econômica pré-crise. Parlamentares republicanos de distritos com maiores níveis de desigualdade de renda mostraram maior disposição em votar a favor de leis para expandir o crédito imobiliário aos pobres nos anos prévios à crise (quase todos os democratas votaram a favor dessas leis, o que torna difícil distinguir seus motivos). E o impacto dos gastos das famílias ricas nos gastos das não ricas foi maior em áreas em que os preços residenciais podiam oscilar mais, sugerindo que o crédito residencial e a capacidade de endividamento graças à alta no patrimônio residencial pode ter respaldado o consumo excessivo dos não ricos.
Fiquei mais fascinado, no entanto, pela diferença entre a reação dos parlamentares à desigualdade no passado e nos dias de hoje. Em estudo sobre as votações parlamentares da Lei McFadden de 1927, que buscou aumentar a concorrência na concessão de créditos, Rodney Ramcharan, do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), e eu concluímos que os congressistas de distritos com alta desigualdade na distribuição de terras - a agricultura era a fonte principal de renda em muitos distritos na época - tendiam a votar contra a lei. A maior desigualdade levava os parlamentares, pelo menos nesse caso, a preferir menos concorrência e menos expansão nos empréstimos. E descobrimos que os condados com menos concorrência no setor bancário passaram por uma expansão agrícola mais moderada e, portanto, por uma queda menor nos anos antes da Grande Depressão.
A lição óbvia a ser extraída desses episódios é a importância das consequências imprevistas. No início do século XX, os proprietários ricos de terras tinham grande probabilidade de também ser donos dos bancos locais de seus distritos ou de ter parentesco ou amizade com os donos. Eles se beneficiavam da concorrência limitada e do controle ao acesso a financiamentos.
Os deputados votavam em nome dos interesses poderosos de seus distritos. Eles preferiam ter menos concorrência nos mercados de crédito, não por preocupação com agricultores imprudentes, mas para defender os lucros das poderosas instituições de crédito. Eles os defenderam, mas um efeito colateral imprevisto foi proteger esses distritos e evitar sua entrada na onda de frenesi financeiro.
Por que os congressistas do século XXI se comportaram de forma diferente? A opinião questionadora, cada vez mais popular, é que novamente eles estavam votando com o bolso - todas as leis financeiras aprovadas no período anterior à crise de 2008 teriam sido supostamente motivadas pelo apetite do setor financeiro por mais clientes para devorar seus créditos tentadores e hipotecas duvidosas.
Mas, se a votação fosse influenciada pelo setor financeiro, o suposto do partido dos plutocratas, o Republicano, deveria ter votado em peso a favor dessas leis. Em vez disso, ficaram divididos com base no grau de desejo de obtenção de financiamento por seus eleitores não ricos. No século XXI, os congressistas passaram uma impressão mais democrática, reagindo aos desejos de seus eleitores, mesmo que possivelmente imprudentes, em vez de ouvir primeiramente os interesses financeiros poderosos.
De fato, uma vez que as consequências imprevistas de suas ações - mais pressão financeira para os não ricos depois da crise - ficaram mais claras, Bertrand e Morse mostraram que os congressistas em distritos com mais desigualdade agiram contra o setor financeiro para proteger seus eleitores, votando a favor de limitar as taxas de juros cobradas pelas instituições de crédito de curto prazo (que emprestam para captadores de baixa renda muito endividados a juros altíssimos). Naturalmente, essa lei terá consequências imprevistas, que estudos futuros desvendarão, mas as intenções por trás dela não podem ser questionadas.
Não devemos pensar, a partir desses episódios, que expandir o acesso ao financiamento é algo negativo. Em geral, expandir o acesso é benéfico (apenas não antes de crises!), mas o financiamento é uma ferramenta poderosa que precisa ser usada de forma sensata. O acesso é bom; o excesso é ruim.
Mas há uma questão mais importante: embora existam muitas diferenças entre a intenção e as consequências de uma lei, no fim das contas os parlamentares parecem realmente importar-se mais com seus eleitores de menor renda do que no passado. A democracia está mais forte. Em tempos céticos como os atuais, isso é encorajador.
Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é professor de Finanças na Booth School of Business, da University of Chicago, e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy" (Linhas de falhas: como fraturas ocultas ainda ameaçam a economia mundial, em inglês).
Copyright: Project Syndicate, 2012.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A taxa de juro real: o Banco Central e o mercado

Apesar da elegante retórica o texto mostra um sutil viés, pró mercado e direitista. Para ilustrar podemos verificar a afirmação que fala que a queda nos juros agora levaria a uma necessária elevação futura. Existem duas maneiras de abordar isso. A primeira é que é uma questão da própria lógica cíclica da economia, uma queda de juros presente elevará a atividade econômica e levará a necessidade de futuros aumentos, mesmoque para ajustes, para novamente haver novos ajustes de juros para baixo, sem contar com choques na economia, que podem atenuar ou agravar o cenário descrito. A segunda questão é que a conjuntura econômica pode oferecer uma janela para que o Brasil altere estruturalmente o nível de flutuação histórico das taxas de juros, claro que se ajudando fazendo as reformas imprescindíveis, algumas até já feitas ou em curso, ou seja, a afirmação encontra argumentos de refutação muito bem compostos.
Todavia a leitura não deixa de ser interessante e de certo que sóbria em alguns pontos.

Autor(es): Cristiane A. J. Schmidt
Valor Econômico - 15/03/2012
 

O Banco Central (BC) sonda as instituições sobre temas que julga relevantes. O tópico da vez é a taxa de juros real neutra do país, que para o BC pode ser até menor do que 4%, pois, para dezembro de 2012, mesmo com uma inflação esperada em 5,27%, a Selic indicada é 9%. A mediana do mercado, porém, considera que ela seja de 5,5%.
A discussão é pertinente e tempestiva, pois o Brasil, ainda que tenha apresentado mudanças estruturais, está com uma dinâmica peculiar: preços relativos estranhos, custo de vida acima do de economias com renda per capita o dobro da brasileira, muito fluxo de capital entrando no país, inflação acima da meta e crescimento abaixo do potencial. Por isso deve-se questionar qual é o juro real que permite à economia crescer sem criar pressão inflacionária.
Pesquisa feita em 2010 aponta que a mediana da taxa neutra era de 6,75%. Há consenso (88%), assim, de que ela decresceu. Mas mesmo que ela siga sendo uma das mais altas do mundo e que haja o desejo (da sociedade, não só do governo) em diminuí-la, a redução da taxa Selic se sustenta no médio prazo?
Antes de responder, pois, vale tocar em dois pontos. Primeiro que, sem choques na economia, se o Banco Central entende que a taxa neutra é mais baixa do que aquela verdadeira (não observável), a demanda agregada é estimulada, que pressiona a inflação. Segundo, uma forma de inferir como ditas taxas divergem é comparar as taxas de inflação efetiva e esperada com relação à sua meta.
Isso posto, até 2004, esses desvios foram elevados, indicando que o BC estava subestimando a taxa neutra ou que a economia estava sofrendo choques. Em março de 2003, por exemplo, o IPCA foi de 17%, a meta de 4%, e a diferença, assim, de 13 pontos percentuais. De fato, além da crise na Argentina, o evento de 11 de setembro e o racionamento de energia, em 2001, após as eleições em 2002, o Brasil passou por um período conturbado, com real desvalorizado, que pressionou ainda mais a inflação nos períodos subsequentes.
Com respeito ao período após 2004, os desvios não foram grandes ou persistentes. A partir de março de 2010, porém, eles sugerem alguma preocupação. Pode ser que revertam, como ocorreu entre junho de 2004 e abril de 2006, mas já são 23 meses consecutivos de desvios positivos e a expectativa é de que sigam assim por pelo menos mais 24 meses (Focus). Não se pode rejeitar, portanto, a hipótese de que o juro real neutro esteja acima daquele que o BC entende que é.
Tome-se, por exemplo, o ano de 2011. Como o IPCA foi de 6,5% e a média Selic de 11,62%, a taxa de juros real implícita foi de 4,81%, valor abaixo da mediana de mercado (5,5%). Não por menos o desvio entre o IPCA e a meta (4,5%) ficou positivo todo o ano de 2011. Em janeiro de 2012, com a inflação em 6,22% e a média-Selic em 10,69%, a taxa de juros real implícita ficou ainda menor, em 4,21%. Finalmente para o ano de 2012, com a inflação projetada em 5,25% e média-meta-Selic ao redor de 9,5%, a taxa real deverá ser de 4%, também abaixo do consenso do mercado.
Em suma, o juro real efetivo (induzido pelo BC ao impor a meta-Selic) parece não estar condizente nem com o que o mercado estima como sendo o neutro, nem com o verdadeiro. Ou seja, esta taxa hoje não parece estar condizente com os fundamentos da economia brasileira.
De certo, os fatos falam por si. Para crescer precisa-se de investimento (a taxa é de 19,3%), que, por sua vez, precisa-se de poupança, que tem sido baixa (17,2%). Adiciona-se o fato de que há 6 trimestres a produtividade não cresce (Ibre/FGV, Valor, 5/3/12) e de que o Brasil parece estar passando pelo "Lewis turning point" (o ponto em que o mercado de trabalho saturado passa a pressionar os salários). Assim, por mais que o produto esteja crescendo abaixo do seu potencial (argumento para reduzir a Selic), o desemprego está baixo (o que pressiona o custo das empresas) e a inflação, mesmo decrescente desde outubro de 2011, está há dois anos acima da meta e pode ficar assim por pelo menos mais um. A inflação de serviços, que representa 25% do IPCA, está acima de 9% e não parece que dará trégua. E com o governo evitando a valorização do real e impondo barreiras à importação, a inflação dos bens comercializáveis pode deixar de ajudar a arrefecer o IPCA.
Impor juro real baixo como o governo vem fazendo e dizendo que continuará a fazer, é, portanto, discutível. Enquanto o BC sustenta que haverá convergência da inflação para a meta, o mercado não enxerga este cenário nem para 2013.
Para dar mais transparência, o BC poderia aumentar a meta de inflação ou, talvez, alterar a sua estratégia com relação à Selic. Diminui-la hoje (até 6%!) para conter o fluxo externo de capitais e estimular o PIB pode significar ter que aumentá-la mais ainda no futuro para frear a inflação.
A realidade é que há dúvidas quanto à meta de inflação que o BC de fato persegue e também sobre o juro real que ele julga ser o neutro. Mesmo considerando os complexos desafios que o BC tem passado, há questionamentos quanto à redução da taxa de juro real, que, como parece ser insustentável, acaba sendo uma estratégia não crível no médio prazo.
Cristiane Alkmin J. Schmidt é doutora em Economia pela EPGE/FGV, ex-secretária-adjunta da Seae/MF e professora da FGV.

terça-feira, 13 de março de 2012

BC viu boa chance para acelerar redução dos juros

Muito bem dito. Da fato há que se elogiar o que o BC brasileiro fez. Passou aglutinador a formador de opniões do mercado. O mercado, claro, elevou o ruído e quis travar uma queda de braço, afinal, ninguém gosta de ser contrariado.
Mas tal qual faz um pai parcimonioso quando mostra que o filho está errado, o BC fez com o mercado: esperou o resultado e BINGO!, o tempo mostro que ele estava certo.
O BC faz uma espécie de aposta com risco calculado, já que os cenários em que as coisas podem dar errado são em maior quantidade do que aqueles em que as coisas caminha bem. Ocorre que os cenários de acerto do BC são os mais prováveis, ganhando cada vez mais força com o tempo.
Talvez o Brasil se torne civilizado econômicamente.



Valor Econômico - 13/03/2012
 

O Banco Central deve se redimir agora do brutal erro de avaliação cometido em 2008, quando a crise financeira eclodiu após a quebra do Lehman Brothers, em setembro. Um pouco antes, em 10 de setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom), considerando apenas as condições internas, com a inflação a uma velocidade anual de 6,3%, resolveu elevar a taxa básica de juros de 13% para 13,75%. O mundo financeiro desabou, mas o BC ainda manteve os juros intocados até a reunião encerrada em 21 de janeiro de 2009, quando reduziu a Selic em um ponto percentual.
Esse foi o exemplo claro de que uma análise basicamente doméstica dos fatores que condicionam a inflação pode levar a decisões desafortunadas. Por parte do mercado, as críticas de que o BC perdeu uma grande chance de reduzir rapidamente os juros na ocasião só foram feitas um bom tempo depois e com a timidez de praxe quando se trata de movimentos para derrubar os juros.
O BC agora, ao que parece, não quer perder nova oportunidade. A inflação, alta em 2008, recuou a golpes de um abrupto corte no crédito, provocado pela súbita interrupção dos canais de financiamento externos. Embora haja diferença na dinâmica inflacionária entre 2008 e agora, o BC surpreendeu o mercado ao iniciar em agosto um ciclo de baixa dos juros, considerado prematuro pelo setor financeiro. Como em 2008, a maior parte do mercado desconsiderou os efeitos destrutivos da crise que se desenrolava na Europa. Com a recuperação americana patinando, o Japão estagnado e a perspectiva de que a China desaqueceria os motores de sua expansão acelerada, a aposta de que a inflação se desaceleraria no Brasil tinha bases sólidas.
De lá para cá, quanto mais o BC acertou, pelo menos no curto prazo, mais o mercado estranhou o comportamento da autoridade monetária. Foi em parte auxiliado nisso pela enxurrada de declarações de várias esferas do governo, que aumentaram os ruídos após um claro erro de comunicação do BC.
Nessa toada, confundiram-se os objetivos das ações do BC com outros que possivelmente não foram por ele cogitados. A célebre pressa exigida pela presidente Dilma Rousseff em atingir o juro de um dígito, finalmente alcançado na última reunião do Copom, encontrou campo favorável na realidade, embora desse margem às suspeitas de que havia acabado a autonomia informal que o BC desfrutava há muitos anos.
Nova onda de avaliações recentes ligou a aceleração nos cortes da Selic à necessidade de impedir a valorização do real. Até agora, o BC não mirou a taxa de câmbio, embora a redução do diferencial de juros ajude a desestimular o fluxo de capitais de curto prazo à procura de bons retornos com arbitragem das taxas. O BC precisaria reduzir muito os juros domésticos se quisesse mesmo brecar o carry trade. O diferencial a favor dessa operação atinge hoje, mesmo após o corte de 0,75 ponto percentual, algo como 8,13%, expressos pelo retorno dos "Non-Deliverable Forward", que levam em consideração a diferença da taxa de juros doméstica e a Libor dólar (taxa interbancária de Londres usada como referência para empréstimos na moeda americana). O BC indicou que o comportamento da demanda doméstica o preocupava.
As taxas de juros reais no Brasil tornaram-se uma aberração diante dos juros atuais nos países desenvolvidos e mesmo nos emergentes, em geral negativos ou ligeiramente positivos. Com dados fracos da atividade econômica, indústria sem crescimento, possível efeito deflacionário das importações e enorme instabilidade externa, tentar reduzir mais rapidamente os juros é uma coisa sensata.
Há obstáculos claros e muita coisa pode dar errado. Os mercados preveem inflação em alta em 2013, já contando com aquecimento da economia decorrente das ações do governo e da elevação do salário mínimo. Com o risco geopolítico em alta no Oriente Médio, o comportamento do preço do petróleo volta a ser uma incômoda incógnita. E os impulsos fiscais, monetários e creditícios para fazer a economia retomar o fôlego podem ser exagerados, chegar a contornar a meta fiscal e trazer de volta, antes do esperado, a alta da inflação. É certo que o BC corre grandes riscos. Pelo fato de ter acertado até agora em seus prognósticos, torna-se incompreensível a ausência de sinais indicativos de suas ações para o mercado. Ao contrário de derrubar a inflação, esse não é um problema muito difícil de resolver.

Maior eficácia da política monetária?

Autor(es): Andre de Melo Modenesi
Valor Econômico - 13/03/2012
 

A taxa real de juros vem caindo de forma sistemática no Brasil, desde o Plano Real. Este movimento se intensificou a partir do ano de 1999, com a adoção do tripé câmbio flexível, metas de inflação e superávit primário. De forma geral, trata-se de um resultado da consolidação da estabilidade de preços e do consequente distanciamento do período de alta inflação crônica.
Entretanto, este processo tem sido muito lento e o país ainda segue como recordista em termos de taxas de juros. Nos últimos 17 anos, a Selic real ficou abaixo de dois dígitos em apenas sete ocasiões.
Desde 2009, a Selic nominal tem sido mantida próxima a um dígito e o juro real vem experimentado mínimos históricos. Muitos consideram que esse fenômeno reflete uma maior eficácia da política monetária que, por sua vez, resultaria de "mudanças estruturais significativas na economia" (como expresso na última ata do Copom). Em suma, a Selic estaria mais potente para controlar a inflação e, portanto, estaria sendo reduzida de forma mais acentuada.
Nos termos da regra de Taylor, isso significaria uma queda na taxa de juros "neutra" - que assegura, simultaneamente, o cumprimento da meta de inflação e o fechamento do hiato do produto. É preciso qualificar o argumento de que o juro neutro reduziu-se de forma expressiva nos três últimos anos.
É bem verdade que a economia brasileira vem passando por importantes mudanças, com destaque para o crescimento da relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB); o alongamento da curva de rendimentos; a diminuição da participação das LFTs na dívida pública; e a repactuação de alguns preços administrados no âmbito federal - especialmente as tarifas de energia elétrica e de telefonia. Esses fatores concorrem para a maior eficácia da política monetária e, portanto, explicam parte da queda da Selic. No entanto, as mudanças estruturais não são os únicos fatores por trás da recente aceleração da diminuição da Selic.
Há dois fatores conjunturais, de suma importância. Primeiro, ressalta-se a flexibilização, sem precedentes, da política monetária por parte dos principais bancos centrais mundo afora (EUA, Inglaterra, Japão etc) em resposta à crise do subprime. Para captar esse efeito, foi estimada (em com autoria com R. L. Modenesi e N. M. Martins) uma regra de Taylor expandida pela inclusão da taxa Libor*. Os resultados apontam que o Banco Central (BC) reage fortemente a essa taxa e que, portanto, a atual redução da Selic reflete, largamente, a queda anormal nos juros internacionais. Ou seja, a despeito de ter baixado a Selic razoavelmente, o BC continua praticando um elevado diferencial entre os juros domésticos e externos - e, portanto, a valorização do real ainda é crucial para o controle inflacionário.
Segundo, deve levar-se em conta os efeitos de uma mudança - muito sutil e acanhada - da política econômica, que vem se desenhando desde o fim do ano de 2010. Por um lado, o BC tem, acertadamente, usado instrumentos complementares de política monetária.
As medidas de controle de crédito têm-se mostrado eficazes no combate a inflação, o que permite uma diminuição da Selic sem comprometer a estabilidade de preços. Por outro, parece haver uma maior coordenação entre o Ministério da Fazenda e o BC, o que também viabiliza uma queda da taxa de juros (vale notar a proposta de alteração da remuneração da poupança).
É um resultado da aceitação, ainda que tácita, de que a Selic tem limitada eficácia no combate à inflação e que, portanto, o seu uso é muito custoso - notadamente ao valorizar o real e ao encarecer o serviço da dívida pública. Assim, essa modificação no mix de política econômica não apenas permite uma diminuição da Selic como tende a reduzir o sacrifício imposto pela manutenção da estabilidade de preços.
Em suma, a queda no juro neutro reflete, em grande medida, fatores conjunturais, especialmente a redução sem precedentes da taxa de juros internacional. Esse efeito foi potencializado por uma mudança no mix de política econômica - ressaltando-se o uso das medidas de controle de crédito.
É equivocado considerar que a redução dos juros tenha se acelerado significativamente em decorrência de mudanças estruturais que teriam tornado a Selic mais eficaz no combate a inflação. Ainda há diversos fatores comprometendo a transmissão da política monetária, com destaque para o alto grau de indexação, que persiste tanto no lado real quanto financeiro da economia; e a presença de setores oligopolizados, com poder de mercado para formar preços.
A Selic continua pouco potente para conter os preços e, portanto, a diversificação da estratégia de estabilização necessita ser aprofundada. A inflação não é um fenômeno meramente monetário. O seu controle deve ser multidimensional, conjugando diferentes instrumentos - monetários e não monetários - e as variadas instâncias da política econômica.
* "A Modified Taylor Rule for Brazilian Economy: convention and conservatism in 11 years of inflation targeting (2000-2010)". XXXIX Encontro Nacional de Economia, dez/2011.
Andre de Melo Modenesi é professor da UFRJ, pesquisador do CNPq e diretor da Associação Keynesiana do Brasil (AKB). As opiniões do autor não necessariamente refletem a visão da AKB.

sexta-feira, 9 de março de 2012

A imagem invisível

Autor(es): Eugênio Bucci
O Estado de S. Paulo - 08/03/2012
 
A capa da revista Time com data de 5 de março provocou um bom debate. Em 20 fotografias enfileiradas sobre fundo branco, ela retratou rostos de americanos de origem latina. São homens e mulheres, de várias idades, mas todos eles, sem exceção, morenos, de olhos sutilmente puxados. Ao centro, uma chamada em espanhol: Yo Decido. Ao lado, um pequeno texto explicativo: "Por que os latinos decidirão a escolha do próximo presidente".
Detalhe explosivo: numa das fotos, logo na fileira do alto, o terceiro da esquerda para a direita, está alguém que não nasceu nem no México nem na Guatemala. Embora nenhuma das personagens da capa esteja identificada, logo se soube que aquela pessoa, fisicamente parecida com as outras 19 que lhe fazem companhia na capa, era Michael Schennum, um tipo simpático de ascendência chinesa. Ele não é, nem nunca foi, o que a revista Time chama de latino, mas está lá para provar que os latinos existem.
Foi o que bastou para que se armasse uma grita na internet. Duramente questionada pela multidão, a revista não teve outra saída: em questão de poucos dias, precisou pedir desculpas em seu site pelo que chamou de "mal-entendido".
O episódio, que já rendeu polêmicas pertinentes, ainda vai ser muito comentado na imprensa e nas escolas de Jornalismo. Uns dirão que a Time cometeu um deslize ético. Outros, mais técnicos, afirmarão que houve pressa e descuido na seleção das fotos. Haverá ainda os que falarão da força crescente das redes sociais para fiscalizar e denunciar os desvios da mídia. Todos estarão certos, como de costume, mas o que essa história tem de mais interessante não tem que ver apenas com a ética ou com a técnica da atividade jornalística, assim como não se restringe ao poder dos internautas de desmentir a famigerada "grande imprensa". O melhor do episódio está num campo mais vasto, mais crítico, mais fascinante e mais incerto: ele nos leva a refletir sobre o limite da fotografia como registro da realidade no jornalismo.
Comecemos pelo óbvio: há fenômenos que a fotografia é incapaz de registrar. Parece uma aleivosia dizer isso nestes tempos de culto das imagens, mas há notícias, há fatos, há personagens que os olhos não podem ver, mas o pensamento pode saber que existem de verdade. O jornalismo pode dar conta deles, sem dúvida, mas, aí, as câmeras fotográficas não apenas não ajudam, como, às vezes, atrapalham. Foi o que aconteceu agora com a Time, que tentou fabricar um fenótipo quase individualizado para uma demografia difusa.
O equívoco da Time não veio de um preconceito racial ou de más intenções inconfessas, mas da tentativa de fotografar o que não tem face própria, nem pode ter. A revista quis dar rosto a algo que não tem um rosto uniforme e, nesse artifício gráfico, distorceu a face da América. Pior: contribuiu para estigmatizar, pela cor da pele, pelo formato dos olhos, pela textura dos cabelos, pessoas que são tão americanas quanto Kim Basinger, Muhammad Ali ou Louis Armstrong. A Time apontou sua objetiva para uma demografia e captou apenas um erro de informação. Atenção para isso: mesmo que o descendente de chineses Michael Schennum não estivesse ali, a capa da Time com data de 5 de março seria bastante problemática. Ou mesmo errada.
Para que se entenda melhor a invisibilidade de que estamos falando aqui, pensemos no conceito de América Latina. Alguém consegue demarcar no mapa, com exatidão, onde começa e onde termina esse território? Aliás, a América Latina é território? Ou é um conceito cultural? Será que a América Latina acaba na cerca mortal que separa o México dos Estados Unidos? Ou ela continua para dentro do Estado do Texas, chegando mesmo à periferia de Nova York? Será que a América Latina não está, hoje, dentro da própria alma do eleitorado americano? A revista Time, a seu modo, diz que sim, mostrando que 9% dos eleitores americanos são latinos. São eles, segundo a revista, que decidirão a disputa. Por isso ela quis mostrar o rosto deles, e errou.
Os latinos não têm um rosto homogêneo. Assim como o conceito de América Latina não tem fronteiras nítidas na geografia, o aspecto físico dos latinos não é único, distinto de todos os demais, pois nascem bebês de olhos azuis no Peru e em El Salvador. Há latinos loiros e negros despejando suas escolhas nas urnas americanas, mas eles não são um tipo físico. Os latinos da Time são reais, eles existem, mas, para quem quiser enxergá-los um a um, no meio das massas humanas que trafegam nas cidades americanas, eles são invisíveis. Podemos deles ter muitas imagens, mas não podemos ter um retrato. A não ser que queiramos estigmatizá-los, segregá-los, isolá-los, separá-los do povo - e se for esse o caso, teremos de inventar um tipo físico e, com base nele, traçar a linha de corte, o que poderia dar em tragédia.
De tudo isso temos uma conclusão provisória: vídeos, filmes e fotografias não são o critério da verdade, não são capazes de separar o que existe do que não existe. Às vezes as fotografias só mostram uma ilusão, como ocorreu com esse estereótipo de "latinos" que tomou de assalto a capa da Time. Quando é assim, a fotografia é antifactual, antijornalística por definição, apenas uma miragem.
No documentário Janela da Alma, de 2001, dirigido por João Jardim e Walter Carvalho, o escritor José Saramago dá um depoimento difícil de esquecer: "Foram necessários mais de 2 mil anos para que a humanidade inteira entrasse dentro da caverna de Platão". Para ele, a nossa civilização é prisioneira da crença fanática que tem nas imagens. Só damos o estatuto de verdade ao que podemos ver. Um dos muitos problemas que isso nos causou aparece agora na capa da Time. Às vezes criamos falsos deuses, ou falsas fotos jornalísticas, para dar traços de fisionomia ao que são apenas fantasmas da ideologia.

terça-feira, 6 de março de 2012

Os republicanos e os déficits malditos

Na verdade a coluna tá mais para um misto de política sociologia do que a economia em si. Expõe as entranhas da mídia, de como funcionam as notícias e o trabalho de massificação daquilo a que os expositores se pretendem a transformar em objeto de conhecimento deflagrado, ou como diz no texto, fabricando até ou dando a ênfase e o viés que lhes seja mais oportuno, a economia, a literatura, a política, etc.
No que tange a economia vale lembrar do que muitos não levam em conta sobre Keynes que o texto afirma o que já se ouviu talvez pela enésima vez e a maioria não dá a devida atenção, sobre a teoria de Keynes, não é a qualquer tempo, não é sob qualquer circusntância e muito menos de qualquer jeito que se deve fazer isso...

Autor(es): Luiz Gonzaga Belluzzo
Valor Econômico - 06/03/2012
 

Keynes dizia que "os homens práticos são sempre escravos de um economista defunto". A parêmia revela que o autor da Teoria Geral tinha fé no poder das ideias e depositava esperanças na persuasão e no convencimento. É de se temer, porém, que ressuscitado, o velho Keynes, ao tomar conhecimento do destino de sua obra, implorasse por uma volta imediata aos confortos da eternidade.
A frase do grande homem público me veio à lembrança, despertada pelos debates que travam os candidatos republicanos envolvidos na disputa das primárias nos Estados Unidos. Todos eles compram pelo valor de face a vulgata dos detratores de Keynes a respeito dos déficits, das dívidas e de seu financiamento. Se algum dia tivessem manuseado a literatura de melhor qualidade ficariam sabendo que o teórico da economia monetária jamais poderia receitar déficits a torto e a direito. Típica dos extremistas da direita americana, essa visão das políticas econômicas keynesianas combina a banalidade do mal com o mal da banalidade.
As invectivas e lambanças de Romney, Santorum & cia. suscitaram outras lembranças. Gillles Deleuze, o filósofo, dizia que a "filosofia (e eu acrescentaria a economia política) é inseparável da cólera contra a época, mas não é uma potência. As religiões, os Estados, o capitalismo, a dita ciência econômica, o direito, a opinião e a mídia são potências, mas não a filosofia. Não sendo potências, a filosofia e a economia política não podem empreender uma batalha contra as potências: em compensação travam com elas uma guerra sem batalhas, uma guerra de guerrilha. Não podem falar com elas, nada têm a lhes dizer, nada a comunicar, apenas mantêm conversações".
Se tivessem manuseado literatura de qualidade, saberiam que Keynes jamais receitou déficits a torto e a direito
Apesar de suas formidáveis intuições e descobrimentos, Keynes deixou-se carregar pelas ilusões do poder das ideias e do convencimento, imaginando ser possível, com tais armas, travar batalha contra as potências. Mas, na realidade, nos tempos da sociedade de massas e do aparato de comunicação abrigado na grande mídia, as potências estão desinteressadas em sufocar a crítica ou as ideias desviantes. Não se ocupam mais dessa banalidade. Elas se dedicam a algo muito mais importante: fabricam os espaços da literatura, do econômico, do político, completamente reacionários, pré-moldados e massacrantes. "É bem pior que uma censura", continua Deleuze, "pois a censura provoca efervecências subterrâneas, mas as potências querem tornar isso impossível".
Isto acontece em uma sociedade encantada pela inversão de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha do indivíduo-consumidor. Não se trata de uma mistificação vulgar, da intenção de enganar, mas de uma ilusão necessária, em que a manipulação, a construção da notícia, a censura da opinião alheia e a intimidação sistemática devem aparecer aos olhos do público consumidor como legítimo exercício dos direitos de opinar e de informar.
Nas análises dos comentaristas e palpiteiros de todo o gênero que se apresentam na Fox americana, os sofrimentos dos gregos ou os protestos de grandes massas na Catalunha são ridicularizados e contrapostos às incontornáveis exigências da "verdadeira ciência econômica", como se existisse tal coisa. O barulho se concentra naquele episódio momentâneo, até que a notícia perca o seu impacto. As relações de poder e ideológicas que permitiram a eclosão da crise europeia são suprimidas e as manifestações de protesto transformadas erupções da "perversidade humana". O deslocamento da nossa compreensão dos fenômenos sociais, políticos e econômicos chega à exasperação. Inspiradas nos mandamentos do espetáculo e da intimidação, os estardalhaços dos comentaristas da Fox cuidam de ocultar, sempre, o problema de fundo, a raiz do fenômeno. O que nos oferecem é uma sucessão de superficialidades, imagens defiguradas e ilegíveis. O propósito não é apenas suscitar no espectador a raiva, a revolta, mas reduzi-lo à impotência crítica e imobilizá-lo nas cadeias do imediato.
Nos espaços fabricados pelas potências não é possível manter conversações porque neles a norma não é a argumentação, mas o exercício da animosidade sob todos os seus disfarces, a prática desbragada da agressividade a propósito de tudo e de todos, presentes ou ausentes, amigos ou inimigos, Não se trata de compreender o outro, mas de vigiá-lo. "Estranho ideal policialesco, o de ser a má-consciência de alguém", diz Deleuze.
Nas redes sociais do Tea Party, os republicanos radicais transformam a opinião em potência, abandonam a crítica pela vigilância. A vigilância exige convicções esféricas, maciças, impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento. Gritam implacáveis: "Estes malditos keynesianos, promotores de déficits, vamos pegá-los. Vamos pegá-los porque os déficits são maus. Abaixo os déficits, morte aos keynesianos". Só um insensato, em meio à perseguição, tentaria explicar alguma coisa a este bando enlouquecido.
Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Grécia fora da UE não deve ser opção

Autor(es): Camila Villard Duran
Valor Econômico - 05/03/2012
Algumas vozes europeias têm sustentado que a saída da Grécia da zona monetária comum poderia ser uma resposta para os problemas econômicos que o país vem enfrentado. Esse processo poderia tornar a economia grega mais competitiva, via desvalorização monetária. Assim, a Grécia seguiria o "modelo" argentino do início da década passada que, ao reformar seu sistema monetário e entrar em default com seus credores externos, pôde se reconstruir e hoje apresenta taxas significativas de crescimento econômico.
O problema desse argumento é que a Grécia não é a Argentina e sua economia depende da importação de produtos relevantes, inclusive de alimentos. A desvalorização do dracma grego em relação ao euro, como decorrência da saída da zona comum, vai tornar o custo não somente de empresas, mas principalmente de famílias gregas, extremamente elevado. Esse processo desencadeará pobreza e marginalização de um grande número de cidadãos, que são europeus.
A saída da Grécia não deveria nem ao menos ser considerada. Se o esforço de ajuste fiscal implica problemas sociais e demanda uma política europeia específica de solidariedade financeira, que responda a essa questão), o que se pode dizer de um processo induzido de perda de confiança na moeda e de diminuição drástica do valor de unidades monetárias gregas? A comparação com o caso da Argentina tem se reduzido aos argumentos de benefícios econômicos. Entretanto, eles foram sentidos depois de anos de penúria popular.
O sofrimento de uma parte expressiva da população, que se viu pauperizada durante muito tempo e que enfrenta até hoje as dificuldades decorrentes, deveria ser considerado nesse debate. Além disso, esse tipo de medida tende a impactar especialmente a camada menos favorecida da população, uma vez que as classes sociais mais abastadas dispõem de instrumentos financeiros em outras moedas para se proteger. Adicionalmente, se o processo de saída da zona euro for anunciado previamente, uma corrida bancária, com vistas à retirada de euros para a proteção do valor de créditos, seria inevitável. Essa corrida acarretaria problemas ainda mais graves às instituições depositárias gregas. Países que viveram processos hiperinflacionários e de perda de confiança no padrão monetário conhecem bem os custos sociais e econômicos envolvidos - e a Alemanha é um deles.
Os gregos são, antes de tudo, cidadãos europeus. A grande maioria declara querer permanecer na zona euro. O avanço da moeda única não é somente econômico. Ele faz parte da construção da cidadania europeia. Ser cidadão europeu também é compartilhar uma referência monetária comum (ou aspirá-la) e fazer trocas entre fronteiras em uma linguagem comum: o euro. Nesse processo, as diferenças linguísticas também são ultrapassadas. Os processos de integração econômica e, especialmente, monetária são também processos de integração social.
A integração europeia é um exemplo de como a integração econômico-monetária pôde proporcionar benefícios sociais e de identificação cultural a um enorme contingente populacional de histórias diversificadas. A economia da Alemanha e dos países ditos do "norte" dependem do comércio europeu e dessa linguagem monetária comum. Os gregos e os países europeus do "sul" integram a riqueza econômica e cultural dessa região. A França parece ter um posicionamento central e estratégico nesse contexto: ela é capaz de articular negociações políticas entre países do "norte" e do "sul".
A solução para o impasse grego passa pela reconstrução do desenho institucional da zona monetária comum. A criação dos eurobonds, emissões de dívida solidária com garantias compartilhadas entre países membros em substituição às dívidas soberanas emitidas individualmente, e o aprofundamento da solidariedade financeira, via reforço de estruturas jurídico-econômicas como o fundo europeu de estabilização financeira, parecem ser medidas incontornáveis. Para o caso grego e, muito provavelmente, também para o português em um horizonte de curto prazo, que revelam problemas de solvência, a reestruturação da dívida e um default organizado (para além do corte já negociado) parecem ser necessários.
Para tanto, mecanismos de apoio a países com problemas de liquidez (como a Itália, a Espanha e a Irlanda) precisariam ser reforçados para evitar contágio. Uma maior atuação do BCE, na compra de títulos soberanos em mercado secundário, e uma ampliação dos poderes do fundo, inclusive financeiro, tornar-se-iam imperativos.
A segunda "frente" de reestruturação institucional tem se relacionado a medidas políticas de redução da dívida pública desses países e de medidas jurídicas de supervisão e sanção à assunção de déficits excessivos. No entanto, políticas de aperto fiscal precisariam ser dosadas por políticas de crescimento, que deveriam compreender investimento público dirigido a setores da economia promissores e dinâmicos, além de medidas de integração social. Ao contrário de outros países, entretanto, uma política monetária expansionista não poderia fazer parte desse conjunto de políticas, já que ela é proibida pelo tratado europeu. Uma integração fiscal cada vez mais acentuada parece constituir o cenário provável para a UE.
Camila Villard Duran é doutoranda em direito pela USP e pela Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Os bancos, o público e os políticos

Autor(es): Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico - 02/03/2012

Sejam ricos ou pobres, quase todos os países, da Índia à Suíça, têm bancos públicos. Sua participação na economia foi maior no passado, diminuiu com a "revolução" liberal do fim do século XX e, em alguns países, subiu com a crise, quando alguns bancos foram estatizados para não quebrar.
A existência desses bancos é motivo de polêmica na literatura econômica. Em tese, um banco público, por pertencer a todos, foca no interesse coletivo, em anteposição aos bancos privados, cujas atividades buscariam o interesse de seus acionistas; portanto, de um subgrupo da população. Ainda que em geral as atividades dos bancos privados beneficiem toda a sociedade, há em tese circunstâncias em que não se dá essa coincidência, cabendo aos bancos públicos delas desincumbir-se.
Contrapõe-se a essa explicação desenvolvimentista uma visão mais cética dos bancos públicos, pela qual, mesmo que criados com nobres intenções, essas instituições tendem a ser capturadas por políticos que os comandam com foco nas suas próprias agendas. Basta abrir os jornais e ler sobre a "faxina presidencial" na seção de política para entender a que tipo de captura referem-se os que defendem essa segunda visão.
Visão política é relevante para explicar ação das instituições públicas, mesmo que não seja único fator
Essas duas visões levam a conclusões distintas sobre os impactos dos bancos públicos na economia. Para a visão desenvolvimentista, eles contribuem para sanar falhas no setor financeiro e alavancar o crescimento econômico. Já na visão política, eles servem apenas para transferir renda para os políticos e aqueles a eles ligados, inibindo a expansão dos bancos privados e atrasando o desenvolvimento.
É mais complicado do que pode parecer discernir qual das duas visões melhor explica os fatos. Assim, as duas preveem que os bancos públicos devem ser mais importantes em países pobres e com sistemas financeiros pouco desenvolvidos, o que de fato ocorre. Da mesma forma, as duas também preveem que os bancos públicos devem ser menos lucrativos que os privados, o que também se observa.
Duas estratégias são utilizadas para discriminar entre essas duas visões. A primeira é olhar o que vem antes, se os bancos públicos ou a falta de desenvolvimento. A primeira visão argumenta que as coisas deveriam melhorar, de preferência num horizonte não muito longo, depois da instalação dos bancos públicos, a segunda defende que isso não acontece. A outra estratégia examina as atividades dos bancos públicos, em especial investigando se essas tendem a beneficiar grupos de interesse bem situados politicamente.
No Brasil, ainda são poucos os estudos focados nessa questão. Os primeiros trabalhos miraram a alocação dos empréstimos públicos, para ver se essa era consistente com o foco desenvolvimentista, e o seu impacto sobre o desenvolvimento econômico e financeiro.
Mais recentemente, porém, se começou a pesquisar também se há indícios de que essa alocação é influenciada por fatores políticos. Uma importante contribuição neste sentido foi dada por Sérgio Leão, em tese defendida no departamento de economia da PUC-RJ. O trabalho foca nos bancos comerciais controlados pela União e analisa a relação entre seus empréstimos e variáveis político-eleitorais.
Há pelo menos duas conclusões importantes do estudo a esse respeito. A primeira é que esses bancos, controlando para outras variáveis, em geral emprestam mais em municípios em que o prefeito é filiado a um partido na base de apoio ao governo do que naqueles em que isso não ocorre. Utilizando dados para o período 1997-2008, o autor obtém que o crédito desses bancos nos municípios "alinhados" cresceu 1,3 ponto percentual a mais, ou 10% mais rápido, que nos não alinhados com o governo federal. As empresas localizadas nesses municípios foram as mais beneficiadas por isso.
Em outro estudo, mostra-se que as empresas que nas eleições municipais de 2004 e 2008 contribuíram para a eleição dos candidatos da base de apoio ao governo receberam no ano seguinte à eleição, em média, 9% a mais de crédito dos bancos comerciais federais do que as que contribuíram com candidatos de fora da base. Sintomaticamente, no ano em si das eleições não se observa essa diferença. Outro achado interessante é que mesmo as empresas que contribuem para a oposição, ou para os dois lados, são beneficiadas, sugerindo que há uma relação entre contribuição financeira e benefícios creditícios.
Esses achados são consistentes com os de estudos semelhantes para outros países, reforçando a conclusão de que a visão política tem relevância para explicar o comportamento dos bancos públicos, mesmo que não seja a única a influenciar suas decisões. Para um país em que o capital é um recurso especialmente escasso, esse resultado é de grande relevância, já que indica que a produtividade do capital pode estar sendo sacrificada por considerações político-partidárias, comprometendo o crescimento do país.
A análise empírica do trabalho utiliza milhares de observações e é robusta a mudanças na forma de estimação, mas é importante que novos estudos aprofundem suas conclusões.
Armando Castelar Pinheiro, é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.