quinta-feira, 23 de agosto de 2012

No limiar de novo ciclo

Autor(es): Thomás Tosta de Sá
Valor Econômico - 22/08/2012

A crise econômica mundial, que se agravou a partir da crise financeira de 2008, está afetando a economia brasileira com uma intensidade maior do que se imaginava inicialmente.
A resposta do governo brasileiro adotando medidas de estímulo ao consumo com o aumento do crédito e redução de impostos, com o aumento dos gastos do governo e financiamento de longo prazo das empresas, com aportes do Tesouro para capitalização do BNDES, surtiu um efeito positivo de curto prazo fazendo com que a economia brasileira apresentasse em 2010, ano de eleições presidenciais, seu mais elevado crescimento do PIB, 7,5%, nos últimos 20 anos.
O modelo se esgotou e novos rumos deverão ser traçados para corrigir o ritmo de crescimento do PIB de 2,7% em 2011 e provavelmente menos de 2% em 2012.
O crescimento econômico das nações só é sustentável com o aumento da produtividade dos fatores de produção.
O capital intelectual só aumenta sua produtividade por meio da educação aplicada à inovação. O capital financeiro, com a alocação eficiente da poupança por meio do mercado de capitais e os recursos naturais com seu uso inteligente, em benefício do ser humano.
Se durante o século passado o crescimento da economia mundial foi liderado pelas economias desenvolvidas, acredita-se que nas próximas décadas o crescimento será impulsionado pelos países emergentes.
Para que o Brasil tenha um papel relevante nesse processo, será necessário rever seu modelo calcado em consumo e gastos de governo. Investimentos sociais terão que substituir gastos sociais como prioridade da política governamental. Hoje, a carga tributária de quase 40% do PIB é usada para financiar gastos correntes dos quais os benefícios previdenciários representam quase 12% do PIB.
Mas os investimentos do governo federal são inferiores a 2% do PIB num país que tem uma enorme demanda por investimentos em estradas, ferrovias, portos, aeroportos, energia, saneamento sem contar os investimentos sociais nas áreas de educação, saúde e segurança.
Medidas recentes para correção desse desequilíbrio estão sendo tomadas e a aprovação do fundo de previdência complementar do servidor público é um exemplo da conscientização do governo sobre o risco do Brasil não enfrentar o problema previdenciário. Outras reformas na área da previdência são esperadas apesar do comportamento irresponsável do Congresso que, em ano eleitoral, acena com mais benefícios sociais.
Na área de investimentos em infraestrura, o anúncio de uma nova política de concessões que abrangerá todos os setores anteriormente mencionados transferindo para o setor privado a gestão e, principalmente, a captação de recursos, é um renovado programa de parceria público privada. Nesse cenário o mercado de capitais pode voltar a desempenhar o papel de maior financiador de longo prazo das empresas brasileiras.
Em 2007 tivemos 67 IPO"s e o valor de mercado das empresas cotadas em bolsa atingiu 97% do PIB e o mercado de capitais contribuiu com cerca de R$ 115 bilhões para o financiamento dessas empresas. O BNDES, historicamente o maior financiador de longo prazo no Brasil, aplicou nesse ano cerca de R$ 66 bilhões.
Desde 2008 modificou-se esse quadro, com o BNDES, à falta de outra alternativa, assumindo novamente o papel de grande financiador das empresas com todas as desvantagens decorrentes.
O resultado é que tivemos apenas quatro, seis e 11 IPO"s respectivamente em 2008, 2009 e 2010. O mercado de capitais brasileiro, um dos mais bem regulados do mundo, deve seu sucesso a um trabalho permanente de educação de seus agentes e de fatores específicos que marcaram seus dois últimos ciclos desde 1991:
1991/1997 - uma legislação flexível para entrada dos investidores estrangeiros e o sucesso do Plano Real que resultou no controle da inflação. Nesse período o IBovespa teve uma valorização de quase 3 mil % em dólares;
2002/2008 - lançamento do Novo Mercado, eliminação da CPMF nas negociações em bolsa, mudança da lei das S.A."s restabelecendo direitos de acionistas minoritários e o lançamento do Plano Diretor do Mercado de Capitais pelas entidades do mercado e implementado durante o governo Lula. O índice Bovespa valorizou-se de 8.300 pontos em outubro de 2002 para 73.500 pontos até a crise de 2008.
O novo ciclo do mercado de capitais, que imaginamos estar se aproximando, terá como fatores determinantes a redução da taxa de juros e uma nova Estratégia Nacional de Acesso ao Mercado de Capitais que encontra-se em construção para ampliar de forma significativa o número de investidores, intermediários e empresas no mercado.
Com pouco mais de 550.000 investidores individuais e de 400 empresas listadas em bolsa o conjunto de investidores institucionais aplica apenas 17% de seus recursos em ações e 7% em títulos de dívida das empresas sendo que títulos públicos e papéis bancários absorvem 41% e cerca de 30% desses recursos respectivamente.
O aumento de produtividade do capital financeiro resultante do crescimento do seu mercado de capitais poderá ser o principal responsável pela retomada gradual de novos níveis de seu desenvolvimento econômico e social.
Thomás Tosta de Sá é presidente executivo do Ibmec-Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais e ex-presidente da CVM

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A próxima transformação da China

Autor(es): Andrew Sheng e Xiao Geng
Valor Econômico - 21/08/2012
 

Durante três décadas de condições econômicas favoráveis no mundo, a China criou um sistema de produção integrado e mundial sem precedentes em escala e complexidade. Mas agora seus dirigentes têm de lidar com um triplo desafio: os desdobramentos da crise da dívida europeia, a lenta recuperação nos EUA e uma desaceleração do crescimento chinês. Os três problemas são interligados e erros de quaisquer das partes poderão mergulhar a economia mundial em nova recessão. Para avaliar os riscos e opções à China e ao mundo, precisamos compreender o sistema de produção "Made in the World" chinês, que se apoia em quatro pilares distintos, mas mutuamente dependentes.

O primeiro desses pilares, a "fábrica mundial" baseada na China, foi em larga medida criada por empresas multinacionais estrangeiras e seus fornecedores, e subcontratados com emprego intensivo de mão de obra e de linhas de montagem implementadas por empresas de pequeno e médio porte com acesso direto aos mercados em todo o mundo por meio de uma complexa rede de contratos. Começando modestamente em áreas costeiras e Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), a cadeia de suprimentos da "fábrica do mundo" alastrou-se por toda a China, produzindo de tudo: de animais empalhados a iPads.

A "fábrica do mundo" não teria sido construída sem o segundo pilar: a "rede de infraestrutura chinesa", instalada e operada predominantemente pela integração vertical de empresas estatais nas áreas de logística, energia, estradas, telecomunicações, transporte e portos. Esse pilar baseia-se fortemente em planejamento, investimento fixo em larga escala e controles administrativos, e sua qualidade, escala e eficiência relativas foram estratégicas para a competitividade e produtividade chinesas.

Para que sua economia fique mais equilibrada, socialmente justa e sustentável, a China tem que reorganizar os pilares em que ela se apoia: a "fábrica mundial", a rede de infraestrutura e as cadeias de suprimentos financeiro e de serviços governamentais

O terceiro pilar é a "cadeia de suprimento financeiro chinesa", que disponibilizou o financiamento para construir e manter a rede de infraestrutura. Essa cadeia de suprimento é caracterizada pela predominância de bancos estatais, poupança interna elevada, mercados financeiros relativamente subdesenvolvidos e uma conta de capital fechada (NT: o governo não permite, pelos seus cidadãos apliquem seu dinheiro no exterior).

O último pilar é a "cadeia de suprimento de serviços governamentais". Os funcionários dos governos locais e central afetam todos os elos da cadeia de produção, de logística e das redes financeiras mediante regulamentos, impostos ou alvarás. A maioria dos observadores estrangeiros não se dão conta da escala e profundidade de inovação institucional e de processos na cadeia de suprimento que conseguiu (na maioria dos casos) proteger os direitos de propriedade, reduzir custos de transações e minimizar riscos, alinhando os serviços governamentais com interesses do mercado. Por exemplo, os governos locais chineses tornaram-se altamente hábeis em atrair o investimento estrangeiro direto (IED), disponibilizando infraestrutura e serviços de apoio que facilitam a expansão de cadeias de produção em âmbito mundial.

Com o início da atual crise mundial, e em vista das mudanças em mídia social, demografia, urbanização e escassez de recursos naturais, os quatro pilares estão agora estressados. As cadeias produtivas estão sofrendo escassez de mão de obra, aumento de salários e ameaças de relocalização em países onde é possível operar a baixo custo. Por outro lado, os investidores mundiais estão questionando a solvência dos governos locais.

Especialistas chineses agora estão debatendo uma questão chave de governança: que nível de arquitetura permitiria ao país adotar as reformas necessárias para atender as pressões mundial e nacional? Os investidores estão preocupados com o desempenho irregular das ações de empresas chinesas, riscos inerentes a regulamentação e surpresas políticas, assim como incertezas decorrentes de maior volatilidade nos preços dos ativos, como preços dos imóveis, taxas de juro e taxa de câmbio. O que torna mais difícil analisar a economia chinesa é a interação cada vez mais complexa dos quatro componentes de seu sistema de produção - entre si e com o restante do mundo.

Primeiro, as condições favoráveis para o crescimento da "fábrica do mundo" começaram a se dissipar. Os custos de produção (mão de obra, recursos naturais, regulamentação e infraestrutura) estão em alta no mercado interno, ao passo que, no Ocidente, estouraram as bolhas de consumo.

Em segundo lugar, o sucesso inicial da "infraestrutura chinesa" baseou-se em terrenos, capital e mão de obra baratos. Mas apesar de sua moderna infraestrutura, os custos logísticos na China representam 18% dos custos de produção - nos EUA são 10% -, devido às ineficiências internas.

Em terceiro lugar, o sucesso do sistema financeiro chinês foi construído com base em financiamento, por bancos estatais, de grandes projetos de infraestrutura e financiamento estrangeiro da produção para exportação por meio de IED e comércio. O sistema financeiro ainda não enfrentou os problemas de inclusão financeira, especialmente o financiamento das pequenas e médias empresas e das áreas rurais, e a exposição a excesso de capacidade em alguns setores.

Por último, os três pilares não teriam se mantido sem a âncora proporcionada pelo quarto. Seu êxito foi baseado em concorrência positiva entre governos locais e diferentes ministérios, aferida por indicadores de desempenho, como PIB e receitas fiscais. Infelizmente, isso gerou problemas de equidade social e sustentabilidade ambiental, o que exige uma complexa coordenação de "silos burocráticos" para superar a resistência de interesses enraizados.

Há um consenso de que o caminho de reformas exige uma reengenharia nos quatro pilares. Primeiro, a cadeia de produção precisa abandonar sua dependência externa e focar no consumo interno. Realinhar a infraestrutura chinesa significa privilegiar qualidade sobre quantidade e reduzir a participação estatal e preços controlados em favor das forças de mercado. A orquestração estatal deveria concentrar-se na luta contra a corrupção, reduzindo os custos das transações e as barreiras a entradas, promovendo a concorrência e eliminando excessos de capacidade.

Para a cadeia de suprimento financeiro, é crucial atacar os riscos sistêmicos e realinhar os incentivos para induzir os investidores a apoiar os motores do crescimento da economia, em vez da criação de bolhas de ativos.

O milagre chinês foi engendrado por inovação institucional e de processos em todos os níveis da cadeia de suprimento de serviços governamentais. A China necessita de outra reengenharia radical para tornar-se uma economia mais equilibrada, socialmente justa e sustentável. Esse processo já começou com outra rodada de experimentações em três novas ZEEs (em Hengqin, Qianhai e Nansha) para comandar o surgimento de uma economia de serviços criativa baseada em conhecimento.

Uma economia assim depende fundamentalmente da qualidade de sua governança. O desafio, para as autoridades, é equilibrar criatividade e inovação institucional com ordem, garantindo a integridade dos quatro pilares de sua economia. (Tradução de Sergio Blum

Andrew Sheng é presidente do Fung Global Institute, foi presidente da Hong Kong Securities and Futures Commission e é professor adjunto da Universidade de Tsinghua, em Pequim.

sábado, 18 de agosto de 2012

A grande piada do preço do carro importado no Brasil


16/08/2012 - 18:36

Após reportagem da Forbes, importadores “abrem” planilha e culpam os impostos.
– Carros do Mercosul, do México e feitos no Brasil teriam larga margem de lucro.
– Há muita gordura pra queimar: governo reduz impostos e montadoras remetem lucro para o exterior
O presidente da Abeiva, a associação dos importadores, Flavio Padovan, fez as contas para mostrar que a principal razão do alto preço do carro no Brasil é a excessiva carga tributária, em resposta à reportagem da revista Forbes, que em sua versão on line atacou o preço excessivo cobrado no Brasil pelos carros importados.
A reportagem humilha o consumidor brasileiro: “Pagar R$ 179 mil, ou US$ 89,5 mil por um Jeep Grand Cherokee é “ridículo”, escreveu Kenneth Rapoza. “Foi mal, Brazukas… não há status em um Corolla, um Civic, um Grand Cherokee ou um Durango. Não se deixem enganar pelo preço. Vocês estão definitivamente sendo roubados. O que você diria se um colega americano lhe dissesse que pagou US$ 150 por um par de Havaianas?” (Veja matéria).
Como a referência do jornalista foi para o carro importado, Padovan fez questão de mostrar que o preço alto cobrado pelas marcas do segmento ocorre em razão do tratamento diferenciado em relação aos carros produzidos no Brasil.
Pelas contas do dirigente, um carro com motor acima de 2.0 supostamente comprado por R$ 100 mil no exterior (preço FOB = de fábrica + frete) é vendido no Brasil por R$ 343,2 mil.
Desse valor, segundo ele, apenas R$ 14,4 mil (ou 7,5%) ficam com o importador, como margem de lucro. Bruta. O resto é imposto, taxa e lucro do distribuidor.
Alíquota de importação: R$ 35 mil
Despesas aduaneiras: R$ 3 mil
Cofins, PIS e ICMS: R$ 54 mil
Total parcial: R$ 192 mil
IPI (25% + 30%) s/parcial: R$ 105 mil
Margem do importador: R$ 14,4 mil
Margem do concessionário: R$ 31,2 mil
Preço final: R$ 343,2 mil
Se as contas estiverem corretas, tem concessionária pagando para trabalhar, pois muitos carros importados são vendidos a preço abaixo da tabela, com descontos que se aproximam da estimada margem de lucro. Como não é possível deixar de pagar o fornecedor e nem os impostos, a única possibilidade de reduzir o preço final é abrir mão da margem de lucro.
Em alguns casos, como o Malibu, da GM, o desconto é maior do que a margem de 7,5%, conforme pesquisa Molicar:
Malibu
Preço oficial: R$ 99,9 mil
Margem (*):  R$ 7,425 mil
Restariam: R$ 92,376 mil
Preço praticado: R$ 90 mil
Prejuízo (?): R$ 2,376 mil
Além do Malibu, outros carros importados são vendidos com desconto, o que reduziria a margem de lucro do importador, casos do Tribeca, do Jimny e do 308 Cabriolet.
Subaru Tribeca
Preço oficial: R$ 155 mil
Margem prevista (*):  R$ 11,625 mil
Restariam: R$ 143,375 mil
Preço praticado: R$ 145 mil
Margem reduzida: R$ 1,625 mil
Suzuki Jimny
Preço oficial: R$ 54,79 mil
Margem prevista: (*) R$ 4,109 mil
Restariam: R$ 50,681 mil
Preço praticado: R$ 52 mil
Margem reduzida: R$ 1,319 mil
Peugeor 308 Cabriolet
Preço oficial: R$ 129,99 mil
Margem prevista (*): R$ 9,749 mil
Restariam: R$ 120,241 mil
Preço praticado: R$ 125 mil
Margem reduzida: R$ 4.759 mil
(*) 7,5%, segundo a Abeiva
Preços com IPI cheio (sem considerar os descontos que vão até 31 de agosto)
Seguindo o mesmo raciocínio, a margem de lucro dos carros importados do Mercosul e do México – que não pagam alíquota de importação (R$ 35 mil) e nem o IPI especial de 30% (R$ 30 mil) – teria um adicional de R$ 65 mil num carro cujo preço de custo fosse R$ 100 mil, como no exemplo da Abeiva. Somada aos 7,5% “oficiais” a margem total seria de R$ 79,4 mil (R$ 65 mil + R$ 14,4 mil).Além do Malibu, outros carros importados são vendidos com desconto, o que reduziria a margem de lucro do importador, casos do Tribeca, do Jimny e do 308 Cabriolet.
Já o carro fabricado no Brasil, que além de não recolher alíquota de importação e nem o IPI especial, também não paga (obviamente) despesas de importação: frete (estimado em R$ 1 mil da Europa) e taxas aduaneiras (R$ 3 mil), teria uma margem de lucro ainda maior, de R$ 83,4 mil.
A carga tributária não explica, por si só, os absurdos preços do carro vendido no Brasil, assim como o chamado Custo Brasil – que inclui insumos, energia, logística e demais custos de operação.
Ambos – impostos e custos – ampliam o preço final, mas, como já mostramos aqui, é o Lucro Brasil o maior responsável pelas distorções de preços no mercado brasileiro.
Não há carga tributária ou custo de operação que expliquem uma diferença de preço tão grande. O preço do carro no Brasil é alto em relação aos países do Primeiro Mundo e também em relação aos países subdesenvolvidos.
Veja o comparativo do preço do Toyota Corolla no Brasil, na Argentina e nos EUA, conforme a Acara, a associação dos fabricantes de veículos da Argentina.
Toyota Corolla
Nos EUA: US$ 15,5 mil
Na Argentina: US$ 21,6 mil
No Brasil: US$ 37,6 mil
Veja outros exemplos de grande diferença de preços no Brasil e no exterior:
Volkswagen Jetta
No México: R$ 32,5 mil
No Brasil: R$ 65,7 mil
Mercedes ML
No Brasil: R$ 265 mil
Nos EUA: R$ 75 mil
Kia Soul
No Paraguai: US$ 18 mil
No Brasil: US$ 33 mil
Mesmo carros feitos no Brasil, como o Gol E-Motion, da Volkswagen, é (muito) mais barato no exterior
Volkswagen Gol E-Motion
No Chile: R$ 29 mil
No Brasil: R$ 46 mil
GORDURA PARA QUEIMAR
A indústria argumenta que a margem de lucro é muito pequena. Diz que ganha no volume, considerando todo o catálogo de produtos, mas em alguns casos – como em determinados modelos populares – chegaria a ter prejuízo.
As montadoras instaladas no Brasil reclamam, mas quem está fora quer vir pra cá. Cada vez é maior o número de empresas interessadas em atuar no mercado brasileiro, que apesar das crises continua crescendo e tem um potencial que já não existe nos mercados maduros.
E se ganhar dinheiro no quinto maior mercado do mundo, que tem um consumo de 3,5 milhões de unidades é tão difícil, o que essas empresas estariam fazendo em países com mercados infinitamente menores, como Chile, Colômbia, Venezuela?
Mas a necessidade de enfrentar a concorrência leva as montadoras a estabelecer uma estratégia de redução dos preços, o que vem acontecendo nos últimos anos por pressão do mercado.
O estudo AutoInforme Molicar  mostra que o preço do carro OK está em queda. No ano passado o preço médio do setor de carros e comerciais leves caiu 0,14% e no primeiro semestre deste ano houve mais uma queda, de 3,76%.
Mas se a montadora já trabalhava com uma margem apertada, como consegue reduzir o preço final e continua remetendo milhões de dólares para as suas matrizes?
A maioria dos preços dos carros básicos caiu nos últimos anos e nem por isso as fábricas quebraram.
A Fiat baixou o preço do Siena EL em R$ 2.850,00 e, obviamente, continua tendo lucro. O Fiesta custava em torno de R$ 41 mil. Com a chegada do JAC J3, que veio com ar-condicionado, direção hidráulica, vidros elétricos, air bag e ABS por R$ 37,9 mil, a Ford abriu mão de R$ 3 mil da margem de lucro: baixou o preço para os mesmos R$ 37,9 mil do JAC.
Também nesse caso, mostrou que a margem de lucro poderia ser reduzida, mas se não fosse pressionada pela concorrência manteria o preço. Detalhe: a redução só ocorreu nas duas maiores cidades do País, São Paulo e Rio, onde a concorrência é mais atuante. Nas demais praças, onde a JAC não tem uma atuação agressiva, o consumidor continua pagando pelo Fiesta o preço inchado R$ 41 mil.
A Volks fez a mesma coisa com o Voyage e o Fox, baixando o preço para enfrentar a concorrência, assim como outras marcas.
Isso mostra que tem muita gordura pra queimar. Mesmo assim, quando a situação econômica impõe dificuldades, as montadoras pedem socorro e são atendidas pelo governo.
Desde a crise em 2008 o Brasil socorreu por duas vezes o setor, abrindo mão de R$ 26 bilhões em impostos. Foram criadas no mesmo período 23,7 mil vagas de trabalho, isto é: o custo de cada vaga foi de R$ 1 milhão em renúncia fiscal. E nesse mesmo período as montadoras instaladas no Brasil enviaram às matrizes no exterior lucro de R$ 14,6 bilhões.

Fonte: Blog O Mundo em Movimento, por Joel Leite

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Vencedor de licitação do VLT de Cuiabá era sabido um mês antes; assessor acusa propina


Publicações em jornal e site anteciparam resultado de licitação de R$ 1,47 bilhão em Cuiabá








Publicações em jornal e site anteciparam resultado de licitação de R$ 1,47 bilhão em Cuiabá
A licitação para definir o consórcio construtor do VLT de Cuiabá, atualmente orçado em R$ 1,47 bilhão, tinha o seu vencedor conhecido pelo menos um mês antes da entrega das propostas dos consórcios concorrentes e da abertura dos envelopes.
No dia 18 de abril deste ano, uma mensagem cifrada publicada no jornal Diário de Cuiabá revelou que o Consórcio VLT Cuiabá, formado pelas empresas Santa Bárbara, CR Almeida, CAF Brasil Indústria e Comércio, Magna Engenharia Ltda e Astep Engenharia Ltda, sairia vencedor do certame. O MP-MT (Ministério Público de Mato Grosso) foi informado sobre a mensagem e como decifrá-la.  A abertura dos envelopes foi realizada no dia 15 de maio, confirmando o resultado.

"PAGARAM R$ 80 MI EM PROPINA PARA VENCER A LICITAÇÃO", DIZ ASSESSOR DO GOVERNO DO MT

  • Fernando Donasci/UOL O mineiro Rowles Magalhães Pereira da Silva, atualmente exercendo o cargo comissionado de assessor especial da vice governadoria do Estado de Mato Grosso, afirmou ao UOL Esporte que há uma série de irregularidades no processo de licitação para a construção do VLT).
O UOL Esporte também havia tomado conhecimento da informação semanas antes do evento. Em 22 de abril, Rowles Magalhães Pereira da Silva, assessor especial do vice-governador do Estado de Mato Grosso, adiantou que o consórcio VLT Cuiabá venceria a licitação. Rowles afirma ainda que integrantes do governo estadual receberam uma propina da ordem de R$ 80 milhões para viabilizar o negócio, e que o acerto para determinar o vencedor fora articulado entre os três consórcios primeiros colocados na concorrência.
Na última segunda-feira, o MP-MT informou à reportagem que recebera a informação de que a licitação havia sido dirigida. Um denunciante, que tem seu nome mantido sob sigilo pelos promotores, revelou a publicação de uma mensagem cifrada na sessão de classificados do jornal Diário de Cuiabá no dia 18 de abril. O anúncio informava: “Vende-se terreno. Na avenida da Feb, entre as ruas Carlos Roberto Almeida e Santa Bárbara. Em frente ao local vai passar o VLT. CAF. (65) 9001-2012”
A avenida da Feb é uma das principais vias por onde passará o VLT, na cidade de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá. Já as ruas Carlos Roberto Almeida e Santa Bárbara não existem, e seriam uma indicação das duas empreiteiras que integram o consórcio vencedor (CR Almeida e Santa Bárbara). A palavra CAF, que não tem função nenhuma no anúncio publicado, é o nome da empresa construtora de trens que integra o consórcio vencedor. Por fim, o número de celular, que também não existe, é um indicativo do número da licitação, sem o algarismo nove: 001-2012.
O MP-MT afirma estar investigando o caso, junto com outros elementos que indicariam o possível arranjo entre os concorrentes da licitação.

Vinícius Segalla
Do UOL, em Cuiabá (MT) e em São Paulo*  17/08/2012 06h30

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Aluno do ensino médio na escola pública sabe menos que o do fundamental na particular

16/08/201206h00
Karina Yamamoto
Do UOL, em São Paulo


Alunos de colégios particulares, mesmo tendo estudado menos anos, sabem mais que os estudantes de escolas públicas em séries superiores.
Os conhecimentos de matemática e português de um aluno no 9º ano do ensino fundamental (antigo ginásio) em colégio particular são maiores que os de estudantes do ensino médio (ex-colegial) em escola pública.
É o que demonstram os dados da Prova Brasil de 2011, cujos dados foram divulgados na terça-feira (14) pelo MEC (Ministério da Educação).
Um aluno da rede privada sai dos anos finais do ensino fundamental (9º ano) com pontuação 298,42 em matemática enquanto um aluno da rede pública termina o ensino médio com conhecimento de 265,38 pontos na escala Saeb, que vai de 0 a 500.
Em português acontece o mesmo: na escola particular, o aluno do 9º ano tem proficiência de 282,25. Já o estudante da rede pública alcança ao final do ensino médio com 261,38 em português.
Observe a tabela abaixo:

Notas da prova Brasil de de matemática e português

  Matemática
1º a 4º anos
Potuguês
1º a 4º
Matemática
5º a 9º anos
Português
 5º a 9º
Matemática Ensino médio
Português Médio
Nota total Brasil 209,63 190,58 252,77 245,20 274,83 268,57
Rede privada 242,81 222,70 298,42 282,25 332,89 312,75
Rede pública 204,58 185,69 244,84 238,77 265,38 261,38

Diferença socioeconômica

A nota na Prova Brasil é "fortemente dependente do nível socioeconômico", segundo Romualdo Portela de Oliveira, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo). Se o estudante vem de uma família com mais dinheiro, ele tem mais acesso a bens culturais que um aluno pobre.
É como se aluno da escola privada saísse com 50m de vantagem numa corrida de 100m, exemplifica a diretora-executiva do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, fazendo, como ela mesma diz uma "simplificação tremenda". Segundo ela, se essa diferença for retirada, "a escola privada acrescentaria pouco". Por isso, o Estado precisaria "dar mais para quem tem menos" na visão de Priscila.
A Prova Brasil é aplicada de dois em dois anos em praticamente todas as escolas públicas e em algumas escolas particulares para medir o nível de conhecimento dos alunos. Juntamente com a taxa de aprovação, a nota dessa prova compõe o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), também calculado a cada dois anos.

Pior que o demonstrado

Por causa da importância do componente socioeconômico, Portela de Oliveira analisa que "o resultado educacional [do Ideb 2011] é pior que o crescimento demonstrado". Segundo ele, uma parte dos crescimentos apresentados é "reflexo do crescimento econômico do pais". Ele também considera importante contextualizar que o fato de existir um índice ajuda na promoção da melhora dele mesmo. Ou seja, a partir do momento em que o Ideb se torna mais conhecido, os diretores e os professores tendem a dar mais atenção à Prova Brasil e à taxa de aprovação (as duas variáveis da nota) e esse movimento já auxilia no aumento das notas.
O MEC divulgou o "boletim" da educação brasileira, com dados do Ideb. O resultado, apesar do crescimento em todos os ciclos avaliados, ainda é preocupante pois demonstra que a qualidade do ensino avançou pouco em termos educacionais.
As notas dos anos finais (5º-9º anos) do ensino fundamental (4,1) e do ensino médio (3,7) cresceram apenas 0,1. O anos iniciais do ensino fundamental (5,0) manteve o ritmo de crescimento de 0,4 como nas edições anteriores.
"Nos anos finais, também superamos a meta. Continua uma trajetória de crescimento consistente, é um resultado bastante significativo, mas não teve a mesma  velocidade dos anos iniciais", afirmou o ministro Aloizio Mercadante (Educação) em coletiva de divulgação do Ideb.

Adeus aos milagres de crescimento

Autor(es): Dani Rodrik
Valor Econômico - 16/08/2012
 

Um ano atrás, os analistas econômicos estavam atordoados de otimismo sobre as perspectivas de crescimento econômico no mundo em desenvolvimento. Em contraste frente aos EUA e a Europa, onde as perspectivas de crescimento pareciam fracas, na melhor das hipóteses, esperava-se que os mercados emergentes sustentassem seu forte desempenho iniciado na década anterior à crise financeira mundial e, assim, se tornassem o motor da economia mundial.
Os economistas do Citigroup, por exemplo, ousadamente concluíram que as circunstâncias nunca tinham sido tão favoráveis a um crescimento amplo e sustentado em todo o mundo, e projetaram uma crescente e rápida produção mundial até 2050, puxada pelos países em desenvolvimento na Ásia e na África. A PwC, firma de contabilidade e consultoria previu que o crescimento do PIB per capita na China, na Índia e na Nigéria ultrapassaria 4,5% até meados do século. A empresa de consultoria McKinsey & Company batizou a África, há muito tempo sinônimo de fracasso econômico, de terra dos "leões em movimento".
Hoje, essa conversa foi substituída pela preocupação com o que "The Economist" chama de "a grande desaceleração". Recentes dados econômicos sobre a China, a Índia, o Brasil e a Turquia apontam para um desempenho mais fraco do crescimento nesses países nos últimos anos. O otimismo deu lugar à dúvida.
Daqui para a frente o crescimento terá de se basear em grau bem maior na melhoria sustentada do capital humano, das instituições e de governança. E isso significa que o crescimento continuará a ser lento e difícil, na melhor das hipóteses.
Evidentemente, assim como foi inadequado extrapolar a partir da década anterior de forte crescimento, não deveríamos tirar grandes conclusões a partir de flutuações de curto prazo. Apesar disso, existem fortes razões para acreditar que o crescimento rápido será exceção, e não regra, nas próximas décadas.
Para ver o porquê disso, precisamos entender como são produzidos "milagres de crescimento". Com exceção de um punhado de pequenos países que se beneficiaram de uma abundância de recursos naturais, todas as economias bem-sucedidas nas últimas seis décadas devem seu crescimento à industrialização rápida. Se há uma coisa com a qual todos concordam sobre a receita do Leste Asiático é que o Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e, é claro, a China, foram, todos, excepcionalmente bons em transferir sua mão de obra rural (ou de atividades informais) para a indústria de transformação organizada. Casos anteriores de êxito em tirar países de atraso econômico, como os EUA ou a Alemanha, não foram diferentes.
O setor de manufatura permite rápido avanço porque é relativamente fácil copiar e implementar tecnologias de produção estrangeiras, mesmo em países pobres que sofrem de diversas carências. É notável, como revelam minhas pesquisas, que as indústrias de transformação tendem a estreitar a distância em relação à fronteira tecnológica à taxa de cerca de 3% ao ano, independentemente de políticas econômicas, instituições ou fatores geográficos. Em consequência, os países capazes de transformar agricultores em operários colhem um enorme benefício em termos de crescimento.
Sem dúvida, algumas atividades de serviços modernas são também capazes de produzir convergência de produtividade. Mas a maioria desses serviços requer uma grande variedade de habilidades e capacitação institucional que as economias em desenvolvimento acumulam apenas gradualmente. Um país pobre pode competir facilmente com a Suécia em um amplo leque de manufaturas, mas são necessárias muitas décadas, se não séculos, para desenvolver instituições como as suecas.
Consideremos a Índia, que demonstra as limitações de apoiar-se em serviços, em vez de basear-se na indústria, durante os primeiros estágios de desenvolvimento. O país tem desenvolvido uma capacitação notável em serviços de TI, mas a maioria da força de trabalho indiana não tem as habilidades e a educação para ser absorvida nesses setores. No leste asiático, o trabalhador não qualificado foi trabalhar em fábricas urbanas, ganhando muito mais do que ganhavam no campo. Na Índia, eles permanecem na terra ou transferem-se para serviços triviais onde a produtividade não é muito maior.
Desenvolvimento bem-sucedido em longo prazo, portanto, requer esforço em duas frentes. Isso requer um esforço de industrialização, acompanhado pelo acúmulo incessante de capital humano e de capacitação institucional para manter um crescimento centrado em serviços, depois que a industrialização atinge seus limites.
Mas essa receita testada pelo tempo tornou-se muito menos eficaz, nos dias de hoje, devido às mudanças nas tecnologias de manufatura e no contexto mundial. Primeiro, os avanços tecnológicos tornaram a indústria de transformação muito mais intensiva em habilidades e capital do que no passado, mesmo na região de baixa qualidade do espectro. Em consequência, a capacidade da indústria de absorver mão de obra tornou-se bem mais limitada. Será impossível, para a próxima geração de países industrializados, deslocar 25% ou mais de sua força de trabalho para atividades de manufatura, como fizeram as economias do Leste Asiático.
Em segundo lugar, a globalização, em geral, e a ascensão da China, em particular, acirraram muito a competição nos mercados mundiais, tornando difícil, para os recém-chegados, abrir espaço para si mesmos. Embora a mão de obra chinesa esteja encarecendo, a China continua a ser um competidor formidável para qualquer país que esteja tentando concorrer no setor de manufatura.
Além disso, é improvável que os países ricos sejam tão permissivos diante de políticas de industrialização como no passado. Os formuladores de políticas no núcleo industrial fecharam os olhos para o fato de países de crescimento rápido no Leste Asiático adquirirem tecnologias e capacitação industrial ocidental por meio de políticas não ortodoxas.
Agora, porém, quando os países ricos estão em dificuldades, eles aplicarão maior pressão sobre os países em desenvolvimento para que cumpram as regras da Organização Mundial do Comércio. A manutenção de moedas em patamares desvalorizados não passará despercebida. Politicamente, será difícil resistir à adoção de protecionismo, mesmo que de forma não ostensiva,.
A indústria de transformação continuará sendo a "escada rolante industrial" dos países pobres, mas ela não funcionará tão rapidamente nem irá tão alto. O crescimento terá de se basear em grau bem maior na melhoria sustentada do capital humano, das instituições e de governança. E isso significa que o crescimento continuará a ser lento e difícil, na melhor das hipóteses. (Tradução de Sergio Blum)
Dani Rodrik professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy. Copyright: Project Syndicate, 2012.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O revólver e a faca

Autor(es): Denis Lerrer Rosenfield
O Globo - 13/08/2012

Um crime literalmente horroroso ocorreu na cidade de Porto Alegre, nestes últimos dias, envolvendo uma família de classe média alta. Um bioquímico, supostamente por motivos de ciúme e traição de sua mulher, a matou a facadas. Aliás, segundo a perícia, algumas dessas facadas, antes das mortais, eram para fazê-la sofrer, prenúncio vívido do que lhe aconteceria a seguir.
Não satisfeito, o assassino foi para o quarto do filho do casal de 5 anos e o esfaqueou, matando-o em sua própria cama. O motivo novamente alegado era o de que a criança não poderia viver sem a mãe. Friso a expressão "motivo alegado" com o intuito de mostrar a futilidade da razão apresentada e o seu caráter particularmente cruel.
Note-se que não estamos diante de um problema "social", na medida em que o casal vivia em um bairro de classe média alta e desfrutava de uma condição boa de vida. A mulher era enfermeira e o marido funcionário público e sócio de um laboratório.
Ocorre que esse crime foi simultâneo ao crime em que um americano assassinou várias pessoas em uma sessão cinematográfica, no estado do Colorado. Logo depois, aliás, outro episódio semelhante teve lugar no assassinato de vários membros da seita sikh, de origem indiana.
O assassinato, a facadas, de uma mulher e de seu filho de 5 anos mereceu apenas algumas páginas regionais na seção policial, enquanto os dois episódios americanos ocuparam manchetes de jornais nacionais e dos meios de comunicação em geral. Tornou-se uma grande notícia, exigindo comentários de "especialistas".
Ora, boa parte dos ditos especialistas convocados se apressou a declarar que o problema residia na ausência de controle de armas nos Estados Unidos. Se seguissem o exemplo do Brasil, tudo estaria resolvido!
O politicamente correto brasileiro, seguindo o seu congênere americano, dito "progressista", logo se erigiu em juiz dos crimes americanos, advogando pelo desarmamento naquele país e, indiretamente, no nosso. É como se as leis americanas devessem aprender com as nossas! Esse tipo de formador de opinião imediatamente alardeou que o Brasil conhece a solução, podendo ensiná-la a esses americanos ignorantes.
Considerando que a Justiça exige critérios equitativos, poder-se-ia perguntar por que o crime brasileiro não deu lugar a toda uma campanha midiática pelo desarmamento de facas! Nem foco midiático houve! Se os culpados são os instrumentos e não as pessoas que os utilizam, seria razoável estabelecer a mesma exigência. A culpa residiria na faca, tal como ela existiria no revólver.
Seguindo o mesmo raciocínio, as mortes de trânsito, tendo como instrumentos os automóveis, deveriam também dar lugar a uma campanha pelo "desarmamento" dos automóveis, visando à sua proibição. Não seriam os motoristas que matariam, porém os veículos. Pense-se, por exemplo, no motorista que atropelou dezenas de ciclistas em uma manifestação em Porto Alegre, em fevereiro de 2011. As imagens do fato, divulgadas nacionalmente, demonstram que apenas a sorte explica a inexistência de mortes no ocorrido.
No início deste mês, um motorista sem habilitação atropelou mais de 20 torcedores do Corinthians que comemoravam a conquista da Taça Libertadores da América.
Analogamente, a responsabilidade dos atos das pessoas que fumam não seria dos fumantes, mas das indústrias do setor, pois, da mesma maneira, conta o instrumento e não aquele que exerce essa escolha.
Todos esses casos mostram a desresponsabilização do agente, como se fosse um menor incapaz que não sabe o que está fazendo. Por via de consequência, ele deveria ser tutelado pelo Estado, que saberia aquilo que é melhor para ele.
Ora se esse raciocínio fosse válido, deveríamos, então, passar para o controle das facas, mortal instrumento nas mãos de um assassino. Diga-se de passagem que, segundo os especialistas, um assassino que usa de faca é muito mais cruel do que aquele que se utiliza de um revólver.
Vejamos alguns dados, extraídos do "Small Arms Survey", um projeto de pesquisa do Graduate Institute of International and Development Studies, instituição localizada em Genebra. Ele é uma referência importante em termos de informação pública sobre armas de pequeno porte e violência armada, e serve como fonte de dados para governos, pesquisadores e ativistas. Os dados sobre homicídios são do United Nations Office on Drugs and Crime, das Nações Unidas.
Existem 270 milhões de armas de fogo em mão civis nos Estados Unidos. Com esse número astronômico, o país é o primeiro colocado em armas de fogo em todo o mundo. Porém, no último ano, houve 9.146 homicídios com armas de fogo naquele país, isto é, 2,97 por 100 mil habitantes. A Suíça ocupa a terceira colocação em posse de armas por civis. Tem 3,4 milhões de armas.
Em cada 100 pessoas, 45,7 possuem armas, praticamente a metade da população. No último ano, houve 57 homicídios com armas de fogo naquele país. Isto é, 0,77 por 100 mil habitantes. Logo, não há nenhuma relação entre o número de armas de fogo em posse dos civis e homicídios.
O Brasil possui 14 milhões de armas de fogo em mãos civis. Em cada 100 pessoas, apenas 8 possuem armas. No entanto, o alto índice de homicídios por armas de fogo, 34.678 no último ano, 18,1 por 100 mil habitantes, desqualifica a tese segundo a qual "poucas armas, menos homicídios". Do mesmo modo, os índices dos Estados Unidos refutam a tese de país belicista e violento.
Se alguma inferência pode ser feita é a seguinte: quanto mais armas, menos homicídios. No Brasil, as armas estão com os bandidos - sem qualquer controle do Estado!
O grande problema dessa primazia do politicamente correto no Brasil é o tipo de recorte de notícias e comentaristas, em uma espécie de intoxicação midiática. Um crime como o da faca, cruel entre todos, mostra o quanto algo aparentemente anódino e reservado a páginas policiais pode ganhar significação visto na perspectiva de elucidação do controle e tutela do cidadão

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Governo e servidores no centro do ringue

Servidores prometem dias de forte pressão
Autor(es): BÁRBARA NASCIMENTO, PRISCILLA OLIVEIRA e VERA BATISTA
Correio Braziliense - 13/08/2012
 

A greve no funcionalismo, que paralisa serviços essenciais à população, terá uma semana de embates decisivos. Os grevistas prometem acampar na Esplanada a partir de hoje em vigília que se estenderá até sexta-feira. A presidente Dilma deve apresentar uma contraproposta aquém das expectativas do movimento.
Semana será decisiva para as negociações entre o governo e o funcionalismo, que pleiteia reajuste linear de 22% em 2013

O governo reabre hoje as negociações com os servidores para tentar chegar a um acordo sobre um possível reajuste nos salários do funcionalismo em 2013. As conversas foram suspensas por duas semanas, para que o Ministério do Planejamento pudesse encontrar espaço no Orçamento da União e, assim, garantir uma compensação à categoria. Parte dos funcionários públicos está em greve há mais de dois meses, sobretudo nas chamadas carreiras de Estado, que têm os maiores salários iniciais da Esplanada, acima de R$ 10 mil por mês.
As paralisações já prejudicam serviços essenciais à população, como a liberação de medicamentos em portos e aeroportos, o que levou a presidente Dilma Rousseff a partir para o ataque e a negar reajustes a todos. Ela alegou que a prioridade do governo são os trabalhadores na iniciativa privada, mais vulneráveis à crise internacional, por não terem estabilidade no emprego. Até agora, Dilma cedeu apenas a professores e a técnicos de universidades federais, para os quais foram reservados R$ 5,9 bilhões no projeto orçamentário que será encaminhado ao Congresso até 31 de agosto. As propostas de aumentos que chegam a 45% foram, porém, recusadas pela maioria dos docentes e dos técnicos.
As negociações entre o governo e os servidores vão se estender por toda a semana. Mas, cientes de que o Palácio do Planalto não atenderá a todos os pleitos, que custariam R$ 92,2 bilhões aos cofres públicos, metade da atual folha com pessoal, os grevistas prometem partir para o tudo ou nada. Representantes de 24 categorias de 30 órgãos paralisados no Executivo e funcionários do Judiciário farão, a partir de hoje, um acampamento na Esplanada dos Ministérios, que se estenderá até sexta-feira, quando esperam uma proposta efetiva do governo. A expectativa é de que, pelo menos, mil pessoas façam a vigília, dando visibilidade maior ao movimento.
Os representantes dos servidores prometem, ainda, para a quarta-feira, uma grande marcha pela Esplanada, que pretende reunir 15 mil grevistas, segundo a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef). A entidade representa 80% do funcionalismo do Executivo. No mês passado, os sindicalistas conseguiram agregar 10 mil pessoas em uma passeata semelhante, que provocou transtornos em Brasília e deu força à greve, até então, restrita a poucos órgãos.
Nos pedidos entregues ao Planejamento pelos sindicalistas, há reajustes de até 56%. Os servidores dizem, no entanto, que se contentariam com um aumento linear (para todos) de 22%, pedido considerado inviável pelo governo. Até ontem, estava sendo desenhada, no Planejamento, uma proposta com correção salarial linear entre 4% e 5%. Segundo cálculos do economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, o impacto desse reajuste para os 2,93 milhões de funcionários ativos e inativos variaria entre R$ 18 bilhões e R$ 22,5 bilhões, considerando uma remuneração média de R$ 7.690 em 12 meses, com base no último boletim do servidor. Nessa conta, estão incluídos os professores e técnicos de universidades federais, contemplados com reajustes maiores.
Na avaliação do secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, não há a menor possibilidade de o governo oferecer, para todo o funcionalismo, os aumentos de 15% dados aos técnicos de universidades e de 25% a 45%, aos professores. "Não existe possibilidade de oferecermos esses percentuais de reajuste para todos os servidores. A expectativa das entidades sindicais está muito acima do que nós podemos atender", afirma. Ele vai além: "É inviável fazer uma contraproposta nesses termos. Estamos no meio de uma crise internacional e o país está sofrendo. Pautas que estão muito distantes da realidade dificultam o processo de negociação", completa.
Do outro lado da mesa de negociações, os servidores já garantiram que não vão aceitar um reajuste tão inferior ao reivindicado e pretendem avançar com a greve mesmo depois de 31 de agosto, data em que deve ser finalizada a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Transtornos à população
A paralisação dos servidores públicos começou em maio com os professores universitários. De início, o governo não deu muita importância. Mas, à medida que a paralisação foi engrossando, o Palácio do Planalto constatou que estava diante de um problema gigantesco: a maior greve do funcionalismo em mais de uma década. Desde a semana passada, a população se confrontou com o fechamento de estradas pela Polícia Rodoviária, com filas imensas nos aeroportos provocadas pelos policiais federais, com a suspensão da emissão de passaportes, com pedidos de aposentadorias congelados e com escassez de medicamentos para exames e tratamentos médicos.

Forbes ironiza preços da Chrysler no Brasil e quem busca status em carro caro


 13/08/2012 - 00h03 /Do UOL, em São Paulo (SP)

  • Jeep Grand Cherokee: nos EUA é carro de classe média baixa; no Brasil, só o bacana tem... Jeep Grand Cherokee: nos EUA é carro de classe média baixa; no Brasil, só o bacana tem...




Um jornalista da versão online da revista americana Forbes, especializada em finanças e muito conhecida por compilar listas das maiores fortunas do mundo, escreveu um artigo em que ataca o preço excessivo cobrado no Brasil por modelos da Chrysler. Especificamente, citou o Jeep Grand Cherokee, já à venda no país, e antecipou crítica ao futuro preço do Dodge Durango, que só deve ser mostrado no Salão do Automóvel de São Paulo, em outubro.

Jeep e Dodge são marcas do grupo Chrysler, hoje controlado pela Fiat.

"Alguém pode imaginar que pagar US$ 80 mil por um Jeep Grand Cherokee significa que ele vem equipado com grades folheadas a ouro e asas. Mas no Brasil esse é o preço de um básico".

É assim, em tradução literal, que começa o texto de Kenneth Rapoza, jornalista que cobre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) para a Forbes. O título original é "Brazil's ridiculous $80,000 Jeep Grand Cherokee", que, vertido ao pé da letra, fica "O Jeep Grand Cherokee brasileiro de ridículos US$ 80 mil". O termo ridiculous, quando usado em frases construídas assim, serve para sublinhar o exagero daquilo a que se refere (no caso, o preço), em vez de simplesmente significar "ridículo". Mas a crítica continua duríssima.

Rapoza centra sua argumentação nos modelos da Chrysler e não comenta, por exemplo, que mesmo os carros fabricados no Brasil também são relativamente caros. O jornalista aponta os culpados de sempre pelos preços inflados (ele prevê o Durango a R$ 190 mil): impostos sobre importados e outras taxas aplicáveis a produtos industriais. "Com os R$ 179 mil que paga por um único Grand Cherokee, um brasileiro poderia comprar três, se vivesse em Miami", escreve Rapoza. O valor é o da versão Laredo; a Limited custa R$ 204,9 mil.

Mas a questão principal, para ele, é mostrar que o brasileiro que gasta esse dinheiro todo num modelo Jeep não deveria acreditar que está comprando um produto que lhe dê status. "Sorry, Brazukas" (sic), escreve Rapoza. "Não há status em comprar Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Cherokee ou Dodge Durango; não se deixe enganar pelo preço cobrado".

O jornalista acrescenta que "um professor de escola primária pública no Bronx [bairro de Nova York]" pode comprar um Grand Cherokee pouco rodado, enquanto no Brasil trata-se de carro de bacana. A citação de Civic e Corolla é importante porque, nos Estados Unidos, estes são considerados carros baratos, de entrada -- mas no Brasil, mesmo fabricados localmente, custam mais de R$ 60 mil (cerca de US$ 30 mil).

SE É CARO, É MELHOR
O que Kenneth Rapoza diz, no fundo, é que o consumidor brasileiro confunde preço alto com qualidade, e/ou atribui status a qualquer coisa que seja cara. O jornalista reconhece que vê esse "valor de imagem" em carros de Audi, BMW, Mercedes-Benz e grifes esportivas italianas, mas jamais em modelos do grupo Chrysler.

Essa tese é explicada exaustivamente por Rapoza nas respostas aos comentários de leitores, que, até a publicação desta reportagem, eram 88 -- muitos deles postados por pessoas usando nomes brasileiros.

Ali, o próprio Rapoza arrisca algumas palavras em português. Em seu perfil no site da Forbes, o jornalista relata que cobriu o país "pré-Lula e pós-Lula", sendo que nos últimos cinco anos trabalhou como correspondente aqui para o Wall Street Journal e a agência Dow Jones. Agora está baseado em Nova York.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

As razões do crescimento baixo

Autor(es): Caio Megale Valor Econômico - 09/08/2012  

O crescimento brasileiro vem decepcionando em 2012. Há um ano, a mediana das projeções de crescimento do PIB para este ano, coletadas pelo Banco Central em seu relatório Focus, estava em 4,1%. Hoje, essa mesma mediana está em 1,85%. Isso depois do crescimento de 2011 também ter decepcionado, ficando em 2,7%.
Alguns analistas sugerem ser essa uma evidência de que a capacidade de crescimento do Brasil está comprometida. Depois de um período particularmente favorável entre 2004 e 2010, estaríamos voltando para nossa antiga sina de crescer perto de 2% ao ano.
A conclusão parece precipitada. Há uma parte cíclica pesando sobre o crescimento econômico que, há razões para acreditar, será gradualmente superada. No entanto, também é verdade que alguns fatores que permitiram um crescimento mais acelerado no passado recente não estão mais presentes. Mesmo quando os obstáculos de curto prazo forem superados, o crescimento talvez não retorne aos níveis pré-2011.
Há uma parte cíclica pesando sobre o crescimento. Espera-se uma retomada no 2º semestre e em 2013
O componente cíclico está relacionado a excessos de 2010, quando o país andou rápido demais. O consumo das famílias cresceu muito, especialmente de bens duráveis. As empresas aceleraram o investimento e a produção, motivadas pela crença de que a economia brasileira manteria o crescimento forte indefinidamente.
No entanto, com a desaceleração da demanda observada a partir de 2011, vendas ficaram abaixo do projetado, estoques se acumularam em muitos setores. Algumas famílias se perceberam endividadas, acentuando a redução da demanda.
A piora do cenário de crescimento global também tem sua influência. China e Estados Unidos perderam vigor, e o risco de uma ruptura na Europa não é desprezível. A incerteza externa também vem pesando sobre a confiança do empresário brasileiro, ajudando a retardar a retomada do investimento.
Diante deste cenário, o governo passou a estimular a demanda com cortes de juros e impostos, e aumento de gastos. As medidas expansionistas, mantidas por tempo suficientemente prolongado, devem fazer com que a economia supere os obstáculos de curto prazo. O país ainda conta com um mercado consumidor amplo, com demanda reprimida em muitos segmentos. O avanço da classe média continua, como revelaram os últimos dados do censo do IBGE. Há gargalos de infraestrutura que geram oportunidades de investimentos, relacionados ou não aos grandes eventos esportivos que vamos sediar. O setor imobiliário ainda tem espaço para expansão, haja vista que o volume de crédito residencial é baixo, mesmo com a arrancada dos últimos anos.
Ao longo dos próximos trimestres a demanda interna seguirá melhorando e atingindo mais setores da economia. O nível de estoques na indústria estará mais ajustado, a produção deve retomar. As projeções do Itaú apontam para uma aceleração do PIB de 1,9% em 2012 para 4,5% em 2013, com o crescimento do quarto trimestre de 2012 já perto de 5%, em termos anualizados.
Passado o período de baixa, no entanto, o novo ritmo de cruzeiro da economia brasileira nos próximos anos deve ser menor do que na década passada. Entre 2004 e 2010, o Brasil cresceu 4,5% ao ano, mas durante este período ocorreram alguns fenômenos que não devem se repetir.
Primeiro, o nível de crédito como proporção do PIB subiu de 25% para perto de 50%. Não é um movimento que preocupa, dado que 50% ainda é um nível confortável. Mas é prudente que o avanço seja mais moderado daqui para frente.
Segundo, a taxa de desemprego caiu para 5,5%, nível próximo do chamado pleno emprego. Não há mais a ociosidade no mercado de trabalho de anos passados. Para continuar a crescer no mesmo ritmo anterior, é preciso agora acelerar a produtividade da mão-de-obra, que é relativamente baixa no Brasil. Investimentos em automação e em qualificação de pessoal vêm sendo feitos, mas ainda são localizados.
Terceiro, ao longo da década passada o mundo cresceu muito acima do normal, em parte porque Europa e EUA viviam a bolha do endividamento, em parte porque a China estava em processo acelerado de urbanização. Com a crise financeira e o avanço da urbanização chinesa, o crescimento destas regiões tende a ser mais baixo, reduzindo a demanda pelas exportações brasileiras.
Finalmente, como resultado do mundo crescendo menos, os preços das commodities que exportamos devem se estabilizar. Ficará mais difícil manter o ritmo de crescimento das importações - que dobraram em termos reais desde 2004, fruto da forte expansão da demanda interna - sem gerar desequilíbrios externos.
Em suma, o crescimento muito baixo do primeiro semestre no Brasil tem um componente cíclico importante, que vai sendo superado conforme os exageros do passado recente são digeridos. É legítimo esperar uma retomada da economia no segundo semestre, e em 2013. Mas isso não significa que voltaremos ao crescimento acelerado da década passada. Para isso, precisamos de reformas adicionais, que aumentem a capacidade de investimento e gerem ganhos de produtividade ao país.
Caio Megale, mestre em economia pela PUC-RJ, é economista do Itau-Unibanco

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Depois da euforia (IV): educação

Autor(es): Fabio Giambiagi
Valor Econômico - 08/08/2012
Este é o quarto artigo acerca do meu livro com Armando Castelar ("Além da euforia", Ed. Campus) referente aos problemas da nossa realidade e que serão um obstáculo para a continuidade do crescimento. Depois de um primeiro texto geral, os artigos posteriores trataram da nossa baixa produtividade e da poupança doméstica e hoje iremos abordar o tema da educação. O desenvolvimento sustentável, para além da "etapa fácil" da ocupação de capacidade ociosa e da redução da taxa de desemprego, se constrói sobre alicerces que, no Brasil, deixam a desejar - realidade essa que, se não for modificada, irá conspirar contra nosso êxito no longo prazo.
O capítulo sobre educação foi escrito por Marcio Gold Firmo, cujas informações acerca do tema são aqui sintetizadas. A tabela é um bom indicador para medir nosso atraso relativo. É verdade que entre 2000 e 2010 o número de anos médios de escolaridade da População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil aumentou 1,1 ano. Ocorre que:
i) na década anterior, tinha aumentado 1,9 anos;
ii) na primeira década deste século, a escolaridade média se elevou também 1,1 ano nos países selecionados da periferia europeia e nos "tigres" asiáticos e em 0,9 anos nos maiores países da América Latina exceto Brasil; e
iii) no conjunto de países da tabela, em 2010 o Brasil fica muito atrás em qualquer comparação feita.
Estamos mal na foto - e o filme não chega a ser animador. O Brasil evoluiu, mas o resto do mundo também. Consequentemente, nosso atraso relativo permanece. Uma realidade similar se observa em diversos indicadores. Na nota de matemática do Programme for International Student Assessment (Pisa), hoje o melhor "termômetro" comparativo da qualidade da educação em diversos países, mesmo considerando o avanço recente, ficamos atrás não apenas dos países desenvolvidos, mas também de países como Argentina, México, Chile, Uruguai e também atrás de Rússia, Sérvia, Turquia e Cazaquistão. No mesmo PISA, em 2009, o percentual de alunos com desempenho abaixo do adequado em matemática foi de 8% na Coreia do Sul, 22% na média dos países da OCDE, 23% nos EUA, 30% na Grécia, 42% na Turquia e constrangedores 69% no Brasil. Nos exames do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o percentual de alunos com desempenho em Matemática considerado adequado à sua série já é baixo no 5º ano do Ensino Fundamental (apenas 33%) e cai ainda mais, para apenas 15%, no 9º ano e para 11% no 3º ano do Ensino Médio.
Alguém poderia alegar que o problema é de escassez de verbas. Essa é uma questão controversa, mas objetivamente: a) o gasto em educação no Brasil passou de 3,9% para 5% do PIB entre os anos de 2000 e 2010; e b) neste último ano, o gasto em educação no Brasil como fração do PIB, pelos dados da OCDE, era maior do que nos EUA e do que a média da OCDE, além de ser também superior ao de Polônia, Holanda, Canadá, Espanha, Coréia do Sul, Alemanha, Austrália, Chile e Japão.
País prioriza o ensino direcionado à formação do cidadão, ao invés de ensinar matemática e português
Parte do nosso atraso vem de longa data e resulta da opção que as elites dirigentes fizeram há décadas ao adotar um modelo fortemente concentrador de renda e com escassas preocupações com a melhora de oportunidades para os filhos das famílias mais humildes, através da priorização da educação. A Coreia do Sul fez exatamente o contrário a partir dos anos 50, com resultados espetaculares.
Parte do problema, porém, deriva de escolhas recentes, como aquelas associadas a certo tipo de ensino voltado para a formação do cidadão, em oposição à priorização do aprendizado de matemática e português. Sem uma base forte nessas disciplinas, é impossível esperar que o aluno tenha um bom desempenho nas demais. Cabe destacar, como um bom sinal, o empenho do setor privado e da academia em favor do avanço da avaliação da eficácia de diferentes tipos de intervenções educacionais, a despeito da resistência de parte do setor de educação pública. É imperativo que os governos assumam o papel de multiplicadores das experiências inovadoras de sucesso.
Na educação, o Brasil tem hoje uma atitude oposta à que assume no futebol, no qual o segundo lugar é visto como uma derrota. Comparativamente, a autocongratulação em relação aos resultados educacionais de nossas crianças e jovens é de uma complacência inadmissível. Aspirar a um crescimento sustentável de 5% ao ano, desse jeito, é apenas um sonho.
Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus), escreve mensalmente às quartas-feiras

Uma moeda, muitos mercados

Autor(es): Hans-Helmut Kotz
Valor Econômico - 07/08/2012
A união monetária europeia está "cantando os pneus" rumo ao abismo, involuntária, mas, ao que tudo indica, inexoravelmente. A Grécia muito provavelmente não satisfará os critérios para que receba mais ajuda financeira de seus parceiros na zona do euro e do Fundo Monetário Internacional. Os europeus, então, precisarão decidir se deixam a Grécia partir. A opção de saída não melhorará as chances de a Grécia realizar um ajuste bem sucedido, e ocorreria a um preço exorbitante para a zona euro.
A saída grega poderá, esperamos, ser administrada. O Banco Central Europeu conteria os danos colaterais inundando o sistema bancário europeu com liquidez (contra garantias deficientes).
Assim, circunstâncias dramáticas mais uma vez forçariam a mão do BCE. Como maior instituição europeia, (o BCE) fica sistematicamente vulnerável a ser tomado como refém, obrigado a subscrever mais um socorro capaz de prolongar a vida do euro. Por essa razão, a recente promessa do presidente do BCE, Mario Draghi, de fazer "(tudo) o que for necessário" para salvar o euro não surpreendeu.
Na esteira da crise reemergiu um significativo viés nacionalista. Iniciativas de blindagem tornaram-se a opção automática dos supervisores nacionais e as condições monetárias voltaram a ser segmentadas segundo orientações nacionais.
Em 1999, pareceu que Jacques Rueff, um conselheiro de Charles de Gaulle, tinha razão: "L"Europe se fera par la monnaie". Onze países europeus decidiram abrir mão de suas moedas nacionais (ou, mais tecnicamente, de suas taxas de câmbio nominais).
Esses países entenderam "moeda única", como um corolário quase físico de "mercado único". Políticas monetárias nacionais independentes em um mercado comum eram corretamente consideradas inviáveis, dada a preferência europeia por taxas de câmbio estáveis e mercados financeiros abertos. Isso exigia uma moeda única - e, portanto, responsabilidade compartilhada pela política monetária.
Hoje, no entanto, talvez seja necessário reformular o axioma de Rueff: "Et l"Europe se défait par les marchés financiers", isto é, a não ser que a Europa idealize um projeto institucional viável.
Dado as atuais agruras do euro, é instrutivo recordar os argumentos enfatizados na reta final para a união monetária. Como disseram Robert Mundell, agraciado com o Nobel de Economia, e outros analistas na década de 1960, abrir mão das taxas de câmbio nominais enfatiza três mecanismos alternativos para absorver o ajuste regional: transferências fiscais inter-regionais, migração entre países na união e, mais importante, mercados de trabalho capazes de se adaptar a choques.
Infelizmente, esses mecanismos foram anátema na ocasião. Transmitir a mensagem de que nada teria de mudar pareceu ser bem mais atraente. Assim, não se deu ouvidos aos argumentos de Mundell quando da concepção do planejamento institucional do euro. Na verdade, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como a cláusula europeia impeditiva de prestação de socorros, ignoraram a teoria econômica pertinente (qualquer teoria econômica, dizem alguns).
Somente após o fato, desde o outono de 2009, tornou-se majoritária a percepção da insustentabilidade dos déficits em conta corrente no âmbito da união, acumulados durante mais de uma década. Agora, com a união monetária, o ajuste precisa ser efetivado modificando os preços domésticos em relação aos bens comerciáveis - ou seja, promovendo uma depreciação da taxa de câmbio real.
Mas a crise em curso também evidencia uma segunda falha de projeto, não citada no argumento de Mundell: os problemas decorrentes de mercados financeiros integrados (inclusive os obstáculos à credibilidade da cláusula de proibição de prestação de socorro). Em circunstâncias normais, os fluxos desimpedidos de capital entre países proporcionam todos as vantagens propagandeadas em termos de melhor alocação de recursos e maior produtividade. Na esteira da crise, porém, dado o destino compartilhado dos governos nacionais e dos bancos, reemergiu um significativo viés nacionalista. Iniciativas de blindagem tornaram-se a opção automática dos supervisores nacionais e as condições monetárias voltaram a ser segmentadas segundo orientações nacionais.
Isso se traduz em uma disparidade significativa dos custos de acesso a fundos por instituições financeiras. A consequência imediata é uma divergência substancial no custo de capital para as empresas, e muitas empresas de pequeno e médio portes chegam a perder inteiramente seu acesso a crédito. Como resultado, os investimentos de capital - já frágeis em vista da fraca demanda - caíram, deflagrando um círculo vicioso de contração do PIB.
O problema é que não apenas essa heterogeneidade de condições do acesso a fundos torna difícil conduzir uma política monetária comum. Mais importante, tendo em vista que algumas regiões agora enfrentam spreads de juros que são o equivalente funcional de ter suas próprias moedas (sem ter um banco central), alguns membros da zona do euro podem questionar por que não formalizar o que é efetivamente uma realidade.
Nada disso é inevitável. O euro não foi criado por razões puramente econômicas. Se for considerado um projeto meritório, e for visto como benéfico para todos os participantes, a zona do euro poderia ser viabilizada. Para isso, certas condições mínimas precisam ser respeitadas. Além de mercados de trabalho flexíveis, uma zona do euro viável pressupõe um mecanismo (mínimo) de seguro fiscal. E isso exige não só regulamentação financeira comum, como também supervisão das instituições financeiras no âmbito de toda a zona do euro - inclusive seguro comum para os depósitos e um esquema compartilhado de solução para problemas financeiros estruturais de bancos.
Isso é muito difícil. E levará tempo para ser implementado. Mas a alternativa imediata de curto prazo - deixar a Grécia sair - implicaria um preço considerável. Os países periféricos seriam obrigados a pagar um prêmio significativo para compensar os investidores por assumirem uma redenominação (calote parcial) do risco. E, com isso, a zona do euro ficaria tão vulnerável quanto revelou-se, historicamente, qualquer sistema de câmbio fixo. (Tradução de Sergio Blum).
Hans-Helmut Kotz é pesquisador sênior no Centro de Estudos Financeiros da Universidade Goethe, em Frankfurt, e professor residente no Centro de Estudos Europeus da Universidade de Harvard, foi membro da diretoria do Deutsche Bundesbank de 2002 a 2010, incumbido de estabilidade financeira, mercados e estatísticas. Copyright: Project Syndicate, 2012.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Radiografia dos salários do funcionalismo público

Comentários do blogueiro: Ressalvo as questões relativas aos dados utilizados. Vale sempre pesquisar para ver se os dados correspondem e quais outros podem compor um quadro comparativo, uma vez que uma coleta maior pode demonstrar um quadro diferente do pintado pelo colunista. A supressão de dados importantes pode levar a um viés no entendimento, independente da correção dos dados expostos.




Autor(es): Carlos A. B. Góes
Valor Econômico - 07/08/2012
No último mês, notícias sobre mobilizações de greves nacionais ocuparam lugar de destaque na imprensa. Os professores e técnicos das universidades federais interromperam seus trabalhos. O mesmo ocorreu com os servidores do ensino técnico e tecnológico. Até mesmo os funcionários do Itamaraty - assistentes e oficiais de Chancelaria e alguns diplomatas - que tradicionalmente não entram em greve cruzaram os braços.
O aumento no número de greves de servidores públicos é um fenômeno generalizado no país. Segundo dados do Dieese, entre 2007 e 2011 as greves no setor público aumentaram 138%. Seria de se esperar que essa diferença fosse explicada por uma estagnação nos salários do funcionalismo público num passado recente. Entretanto, uma análise desses números nos mostra que o salário real dos funcionários públicos - isto é, já corrigido pela inflação - aumentou 28,2% desde 2003, com uma aceleração a partir de 2005.
Remuneração dos funcionários públicos aumentou 28,2% desde 2003, e acelerou mais a partir de 2005.
Contra-intuitivamente, períodos de aumentos significativos no salário real foram seguidos de um crescimento no número de greves. Ao invés de uma curva de satisfação e acomodação com os ganhos reais, a forte correlação entre o número de greves que se seguem a períodos de aumento no salário real parece apontar para uma curva de aprendizado: como se os sindicatos percebessem que sua estratégia está funcionando e intensificassem suas ações em busca de ganhos ainda maiores.
Esse fenômeno vem criando uma distorção entre os níveis de ganho salarial entre os setores público e privado da economia. No setor privado, os aumentos no salário real estão limitados pelos ganhos de produtividade (em economês, limitados pelo "produto marginal do trabalho") e pelo poder de barganha de firmas e sindicatos na negociação salarial. No setor público a medida de produtividade não é objetiva e a relação entre o empregador - o governo - e os sindicatos tem idiossincrasias políticas mais complexas. Em contraste com os 28,2% de ganhos reais no setor público citados acima, desde 2003, os salários reais no setor privado cresceram 6,9%. Isso significa dizer que o crescimento relativo dos rendimentos reais do setor público foi quatro vezes maior que o do setor privado.
Tal situação se torna um problema quando se considera que os salários do setor público, ao começo da década, já eram maiores que os do setor privado. Como a maior parte da população é remunerada no setor privado, isso significa que o funcionalismo público tem tornado-se cada vez mais parte da elite econômica. Por exemplo, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) reivindica em suas negociações de greve um salário mensal de R$ 22.633,92 para professores titulares das universidades federais. Se os salários reinvindicados se tornarem realidade, isso significará que esses professores terão uma renda maior do que a de 99,5% da população brasileira. Com toda a deferência necessária à nobre arte do magistério, a transferência de renda para aqueles que constituem 0,5% mais abastado do país parece difícil de ser justificada como objeto de qualquer política pública.
O hiato entre a renda média do funcionalismo público e a renda média dos demais trabalhadores brasileiros tem aumentado fortemente na última década. Tomando como base dados da Pesquisa Mensal de Empregos do IBGE, é possível verificar que, durante o ano de 2003, um funcionário público ganhou mensalmente, em média, R$ 602 a mais que um trabalhador do setor privado. Já em 2011, essa diferença aumentou para R$ 1164. Além disso, estudo recente da PUC-Rio aponta que, quando considerados salários e rendimentos com aposentadorias, a vantagem para o funcionalismo público torna-se prevalente para todos os níveis de escolaridade - de trabalhadores sem educação formal àqueles com pós-graduação. Como os funcionários públicos ganham mais que a média, o aumento dessa diferença constitui objetivamente uma política de concentração de renda.
A atual tendência funciona como forte atrativo para que mais pessoas saiam do setor privado e busquem os maiores salários e benefícios do setor público. Segundo a Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), associação formada por cursos preparatórios para concursos, cerca de 11 milhões de pessoas se candidataram a vagas no funcionalismo público em 2011. E, julgando pela atual conjuntura, não existe perspectiva de mudança nesse cenário. À medida que os trabalhadores mais capacitados deixam o setor privado, menores tenderão a ser, no longo prazo, as perspectivas de crescimento da produtividade da economia.
Não há dúvidas de que o país precisa de funcionários públicos capacitados e justamente remunerados que ajudem a minimizar as ineficiências da gestão governamental e combater a corrupção. Contudo, é difícil argumentar em favor de salários ainda maiores para um funcionalismo público que ganha, na média, quase 75% mais do que o resto da sociedade que o sustenta. Uma radiografia dos salários no setor público revela, portanto, uma política que concentra renda, drena talentos dos setores produtivos e, por questões políticas, garante aumentos reais maiores do que os ganhos médios de produtividade do país - minando as bases de seu crescimento no longo prazo.
Carlos A. B. Góes é pesquisador de economia latino-americana vinculado à Universidade John Hopkins.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Produtividade depende do empenho do capital privado

Valor Econômico - 06/08/2012
Pancadas nos bancos podem reduzir, aqui e ali, os juros oferecidos no crédito imobiliário ou no cheque especial, assim como esmurrar a mesa nas reuniões com as operadoras e proibi-las de vender chips por 11 dias pode aumentar circunstancialmente as promessas de investimentos das teles. Nenhuma mudança relevante da produtividade na economia brasileira, porém, ocorrerá sem o engajamento do capital privado. Com a promessa de anunciar em breve um pacote de novas concessões na área de infraestrutura, o governo do PT parece finalmente ter entendido isso, reconhecendo a incapacidade do Estado em atender ao crescimento da movimentação nos portos, aeroportos, rodovias e ferrovias.

O chamado "PAC das Concessões" deverá oferecer à iniciativa privada 5,7 mil quilômetros de rodovias e cerca de 5 mil quilômetros de ferrovias, além de abrir a possibilidade de renovação dos contratos de 98 terminais portuários arrendados antes da Lei 8.630/93 (a Lei dos Portos). Se a presidente Dilma Rousseff desprezar visões antiquadas e escutar o desejo dos passageiros, incluirá no pacote a privatização de mais aeroportos, como Galeão (RJ) e Confins (MG).

Os sinais de que o Estado não consegue acompanhar as necessidades de modernização da infraestrutura são, no Brasil, mais do que evidentes. A menos de dois anos da Copa do Mundo de 2014, o ritmo de obras da Infraero continua em marcha lenta e a estatal executou só 18% do orçamento programado para 2012. O avanço da ferrovia Norte-Sul, em construção desde a década de 1980, esbarra em uma cascata de licitações mal feitas e contratos com indícios de superfaturamento. E a malha de estradas federais padece com a paralisia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), cujos investimentos caíram 42% no primeiro semestre, quando comparados ao mesmo período do ano passado. Infelizmente, esses não são exemplos apenas pontuais. Além da insuficiência de recursos, os obstáculos são bastante conhecidos: começam pela lentidão no processo de tomada de decisões, passam pela má qualidade dos projetos e terminam no rigor - às vezes até excessivo - dos órgãos de fiscalização.

O ônus de tudo isso para a economia pode não aparecer tão nitidamente como no racionamento de energia elétrica que vivemos em 2001, mas impede o Brasil de melhorar sua produtividade. No ranking de desempenho logístico do Banco Mundial, o país encontra-se na 45ª posição. Cargas demoram mais tempo para chegar aos portos e produtores pagam mais caro pelo frete. É estarrecedor o caso do Ferroanel de São Paulo, planejado há tempos e jamais tirado do papel, que deve estar presente no cardápio de projetos do PAC das Concessões: hoje, composições com centenas de vagões rumo ao porto de Santos ficam parados várias horas na entrada da região metropolitana, à espera de "janelas" de horário nos trilhos usados prioritariamente para o transporte de passageiros. Tudo porque o governo federal e o governo de São Paulo nunca conseguiram desengavetar um contorno ferroviário com 66 km de extensão.

Por meio de um diagnóstico precoce e correto da amplitude da crise internacional, o Banco Central baixou a taxa básica de juros para o menor nível da história, enquanto o câmbio move-se gradualmente para um patamar um pouco menos nocivo, embora ainda doloroso, para a indústria nacional. Agora, com a disposição de retomar reformas estruturais e buscar maior participação do setor privado na infraestrutura, a presidente Dilma Rousseff tem a oportunidade de jogar uma bomba de oxigênio na estrangulada economia brasileira.

É pouco provável que os resultados do novo pacote surjam ainda em 2013. Entre o anúncio dos projetos e a assinatura dos contratos de concessão, há um longo caminho a percorrer: a elaboração de estudos de demanda, a realização de audiências públicas, a formulação de editais e aprovação de todos os trâmites pelo TCU. Sem nenhum acidente de percurso, são ritos que tomam até um ano. No entanto, mesmo que a aplicação de recursos privados em seus empreendimentos só ocorra efetivamente a partir de 2014, a dimensão do PAC das Concessões pode dar ao empresariado o ânimo que ele foi incapaz de recuperar com os tímidos pacotes lançados até agora.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O "pas de deux" da economia

Comentários do blogueiro: Já havia falado sobre a questão dos aumentos sem a contraparte dos servidores (aumento na produtividade), o que pode levar o Brasil até a sofrer com alguns dos problemas gregos. Na verdade, há de se perceber que o mote deve ser, em 1º lugar, a busca pela redução dos ganhos que estão no topo, aumento da massa real de salários partindo do mínimo vigente em 2º lugar e finamente a busca cada vez maior do controle dos preços. A redução dos salários mais altos ajudaria em alguma proporção no controle dos preços, que por sua vez reforçaria o aumento real da renda. Em seguida, a economia proveniente seja da redução do aumento, da redução que reza a lei ou do congelamento do salários mais altos poderia em parte ser utilizada para novos ganhos reais do salário mínimo, começando novamente todo ciclo de autoreforço, gerando um círculo virtuoso na economia de estabilidade, crescimento e redução das desigualdades de renda e riqueza.
Não há nada de utópico nisso que foi exposto, já que alguns países europeus fizeram nos últimos 15 anos partes do que foi citado acima , como a Alemanha por exemplo, que além de alguns dos itens mencionados ainda incrementou em muito a sua produtividade.




Autor(es): Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo - 01/08/2012
O setor automobilístico está cumprindo sua parte no acordo com o governo, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois de uma reunião com o executivo Luiz Moan, diretor da General Motors e presidente interino da Anfavea, a associação nacional das montadoras de veículos. Se o governo está satisfeito, fica difícil entender a exibição de mau humor da presidente Dilma Rousseff, em Londres, quando circularam notícias de possíveis demissões de 1.500 empregados da GM em São José dos Campos. O ministro e o executivo apareceram juntos para a entrevista, mostraram-se igualmente otimistas e reafirmaram a disposição de cooperar, repetindo um velho e bem conhecido pas de deux: o governo concede incentivos e proteção ao setor, em troca de promessas de investimentos e de preservação de empregos; em contrapartida, os empresários agem como querem, garantem seus lucros e os custos são repassados para o resto da economia. Pactos desse tipo, com ou sem compromissos de manutenção de preços, ocorreram várias vezes nas últimas décadas, quase sempre acompanhados de uma alegre aliança entre empresas e sindicatos. Os sindicalistas de São José dos Campos têm criado mais problemas que os de outras regiões, mas nem por isso se deve esquecer o velho costume: nos setores industriais mais poderosos, empregados e empregadores acabam jogando no mesmo time, com as bênçãos de um governo sempre generoso com os grandes grupos.
O desempenho da indústria melhorou nos últimos dois meses, disse o ministro, e o mês de julho deve ter sido "o melhor da história". O programa de estímulo, acrescentou, está sendo muito bem-sucedido. Mantega mencionou também, com aparente otimismo, o novo regime automotivo, com entrada em vigor prevista para janeiro de 2013.
Políticas baseadas em favores fiscais para setores selecionados e muito protecionismo continuam sendo a regra. O governo classifica esse jogo como política industrial. De vez em quando as autoridades, como se cumprissem um ritual, mencionam a busca da competitividade como um de seus objetivos. Mas a prática mostra algo muito diferente. O enfoque setorial continua dominante e a lista dos beneficiados simplesmente se amplia de acordo com o poder de pressão dos vários grupos. As chamadas políticas horizontais - dirigidas para o conjunto da economia - continuam quase totalmente ignoradas. A prometida redução dos custos da eletricidade, a partir do corte de impostos e contribuições federais, pode ser uma exceção.
A presidente Dilma Rousseff tem prometido mais iniciativas desse tipo, mas o governo está despreparado para cumprir essas promessas. Ações para aumentar a eficiência geral da economia poderiam incluir, por exemplo, investimentos muito mais amplos e mais planejados na infraestrutura de transportes. Mas a administração federal continua sem condições de realizar essa tarefa. A mesma limitação é evidente na maior parte do governo central, como comprova, repetidamente, a baixa execução dos investimentos. Apenas R$ 18,6 bilhões foram aplicados no Programa de Aceleração do Crescimento, no primeiro semestre, cerca de 40% do total previsto para o ano, e a maior parte desse dinheiro saiu de "restos a pagar".
Apesar do baixo investimento, o gasto federal continua a crescer, como comprovam os números do primeiro semestre recém-divulgados pelo Tesouro Nacional. Crescerão ainda mais no próximo ano, e a folha de salários e benefícios será mais uma vez inflada por uma nova rodada de aumentos, sem a contrapartida, é claro, de mais eficiência e mais qualidade no serviço público. A presidente Dilma Rousseff prometeu mais de uma vez, pelo menos até o ano passado, cuidar da qualidade da gestão e do gasto do governo. Nada fez para cumprir também essa promessa.
Parcimônia no gasto e melhor uso do dinheiro público são essenciais, no entanto, para políticas de aumento de produtividade geral da economia. São condições fundamentais, também, para a indispensável e sempre adiada reestruturação do sistema tributário. Mas a presidente já renunciou explicitamente a esse objetivo, limitando-se a um compromisso, muito mais modesto, de mudanças parciais nos impostos e contribuições. Mudanças parciais, no entanto, acabam envolvendo benefícios para alguns setores e maiores encargos para outros, como tem ocorrido normalmente.
Tudo indica, portanto, a manutenção do velho e bem conhecido esquema: benefícios fiscais continuarão sendo distribuídos a alguns setores, em geral protegidos também por barreiras comerciais, a conta será paga por outros e a produtividade geral da economia continuará baixa. É esta, por enquanto, a perspectiva de médio prazo para o B do Brics. O pas de deux do governo com o setor automobilístico é mais uma boa indicação dessa tendência