quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A ilusão da ressocialização de delinquentes e criminosos

Autor(es): Gláucio Soares
Correio Braziliense - 09/02/2012
Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp/UERJ)
Adriana Irion e José Luís Costa, repórteres do jornal Zero Hora, fizeram matéria séria que começa com 162 adolescentes que, há 10 anos, estavam internados na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), hoje chamada Fase. Expressões como ressocialização e medidas socioeducativas são comuns no jargão prisional e, mais recentemente, no jargão da elite educacional quando trata de crime e delinquência. Fazem parte da mitologia do crime no Brasil. Existem, por todos os lados, no papel, e não acontecem na realidade. Ficam no papel. Não obstante, muitos continuam usando as expressões, que têm força política, como objetivos. É uma fantasia; não existem nos estabelecimentos prisionais, nem depois.
Os atores são adolescentes que cometeram infrações mais graves e foram internados. A primeira inquietação de quem estuda o crime levando em conta a experiência de outros países é se quem tem entre entre 18 e 21 anos é adolescente. Nas sociedades com renda mais alta e experiência no aperfeiçoamento de leis e de conhecimento de criminologia e penologia, não são considerados adolescentes: são jovens adultos. A idade mínima penal desses países choca o espírito paternalista dos brasileiros, acostumados a pensá-los como adolescentes. O que aconteceu com eles, uma década depois daquela internação? Cento e trinta e cinco dos 162 foram presos outra vez, como suspeitos de terem cometido crimes — 83%. Desses, 114 foram condenados, ou 70% dos 162 originalmente internados.
Fica pior: 55 estão presos e nada menos do que 48 morreram — 30% da população inicial de 162. Os autores descrevem a relação entre arma, drogas e mortalidade nessa fatídica subpopulação: "A maioria dos mortos foi executada a tiros antes de completar 25 anos, vítimas de vinganças ou de cobranças ligadas ao tráfico". E prosseguem, ressaltando algumas das consequências: "Deixaram como herança para famílias cercadas pela violência pelo menos 17 filhos órfãos de pai... Dos 114 ex-internos vivos, apenas dois não voltaram a ter seus nomes registrados em ocorrências policiais ou em processos criminais".
É o retrato do fracasso, que se repete rotineiramente em outras instituições, em outras cidades, em outros estados. Irion e Costa não caem na explicação fácil de que a pobreza é a causa única, ou sequer principal, da alta criminalidade: incluem família, divórcio, ausência de figura paterna, desemprego e abuso de álcool e de drogas entre as explicações.
A internação não ressocializou ninguém: é uma palavra vazia. O mesmo se repete em todo o Brasil. Num nível diferente, José Pastore, usando, da melhor maneira, os péssimos dados sobre reincidência, estimou que de cada 10 pessoas saídas da prisão, sete voltam a cometer crimes. Seus dados indicam que o emprego faz grande diferença na probabilidade de voltar a cometer crimes.
Não é um problema brasileiro. Nos Estados Unidos, vários estudos mostram que a influência da família permanece: Lattimore, Visher e Linster pesquisaram quase 2 mil delinquentes, concluindo que os determinantes da reincidência não são os mesmos quando o novo crime é violento e quando não é. A reincidência violenta é mais influenciada por uma carreira criminal mais longa e por variáveis familiares, particularmente patológicas, como a violência familiar e a criminalidade do pai ou da mãe.
Trulson, DeLisi e Marquart analizaram 1,8 mil delinquentes para averiguar qual o efeito do seu comportamento enquanto
eram internos sobre o risco de reincidência. A conclusão é que somente o número total de problemas dentro da instituição tem algum valor como previsor da reincidência —mesmo assim, limitado.
E o tipo de finalização da sentença, influi? E a supervisão? O primeiro estudo americano que incluiu vários estados concluiu que a supervisão não conta. O tipo de finalização da sentença tem a ver com a supervisão posterior. A libertação obrigatória, de quem cumpriu toda a pena, descontados os créditos por bom comportamento etc., dispensa supervisão, ao passo que a discricionária, votada por uma banca, exige supervisão e é chamada de condicional. O acompanhamento dos ex-internos permite duas conclusões: a reincidência é muito alta, perto de 60% e, quando outras variáveis são controladas, não há diferenças estatisticamente significativas entre os com supervisão e os sem ela.
A prisão e a internação têm, pelo menos, três vertentes justificadoras: a da ressocialização, o sonho de fazer o que a família, os amigos e a vizinhança não fizeram: formar cidadãos. Outra vê a prisão a partir da necessidade de que os crimes sejam punidos. Há uma terceira, criminologicamente mais informada: a teoria da incapacitação, que é claramente protetora da sociedade, não dos infratores. Defende que, enquanto eles estiverem presos e sem comunicação com o crime fora da prisão, não cometerão crimes, pelo menos fora dela. Estarão incapacitados para o crime. Defende penas maiores.
O debate vai ser reaberto, entre alternativas mais radicais. Ninguém que conheça os dados acredita que a internação seja o caminho para a ressocialização.

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