quinta-feira, 12 de julho de 2012

O crédito e a armadilha da dívida

Comentários: Outra questão comumente pautada pela mídia e por muitos é a da inadimplência. Bom, num ambiente de emprego em alta e estável, ganhos reais de renda e estabilidade macroeconômica, nada mais natural do que haver alguma oscilação na inadimplência com o aumento do crédito. É fato que o Brasil está longe de esgotar o modelo de expansão de crédito, crédito esse que é possívelmente a principal alavanca do capitalismo contemporâneo e é natural também que as famílias, sobretudo as menos favorecidas e com menos (acesso ao) conhecimento façam algumas "loucuras", ou sejam ludibriadas por bancos e instituições financeiras na aquisição de crédito.
Contudo, isso se dá mais ou menos como a questão da democracia no Brasil: incipiente, essa forma de governo trouxe sérios problemas pela falta de cancha das pessoas, sobretudo as gerações que vivenciaram a fase ditatorial, resultando na eleição de algumas dessas desgraças que vemos no cenário político. Como não há mal que dure para sempre e a maioria das pessoas aprendem com seus erros e com os dos outros, é certo que veremos mais e mais o amadurecimento das gerações, principalmente as vindouras, para a evolução da democracia.
Com o crédito deve ser semelhante, com as pessoas habituando-se, com o passar do tempo, a lidar com esses troços. A gerações vindouras, já nascidas nesse ambiente, terão com certeza bem mais traquejo com o tema, o que provavelmente nos levará a patamares mais interessantes de desenvolvimento social e econômico.




Autor(es): Luiz Fernando de Paula
Valor Econômico - 12/07/2012
O setor bancário das economias avançadas tem passado por intensas transformações em função da liberalização financeira que diluiu as fronteiras entre os diferentes segmentos do sistema e os fluxos financeiros entre países, e também em função dos avanços tecnológicos das telecomunicações e informática, que permitiram maior processamento de informações.
Os bancos comerciais, em especial, passaram a sofrer a concorrência de outras instituições financeiras, acarretando uma redução na sua margem de intermediação financeira. Os bancos reagiram adquirindo outras instituições financeiras, dando início a uma onda de fusões e aquisições bancárias, e ao mesmo tempo buscando diversificar suas atividades para além da intermediação financeira.
Outro aspecto da conglomeração financeira é a busca de segmentação da clientela, com incorporação de uma base ampla de clientes. Para clientes de alta renda, os bancos oferecem uma gama de produtos diferenciados para atender a demanda por serviços sofisticados; para clientes de baixa e média renda oferta-se serviços padronizados e de massa.
A democratização dos serviços financeiros vem geralmente na companhia de situações de exploração financeira
A aparente democratização dos serviços financeiros vem frequentemente acompanhada de situações de exploração financeira: clientes de mais baixa renda pagam relativamente mais tarifas bancárias e taxas de juros de empréstimos bem mais elevadas do que as dos demais clientes, e se vêm em situações caracterizadas como de "armadilha da dívida": se endividam pagando taxas de juros elevadas, comprometendo crescentemente sua renda.
De modo geral, o Brasil acompanhou a tendência internacional de conglomeração financeira: desde 1997 houve uma onda intensa de fusões e aquisições bancárias, ao mesmo tempo em que as instituições financeiras passaram a diversificar suas atividades. Contudo, há algumas especificidades no comportamento recente do setor bancário: em primeiro lugar, a relação crédito e Produto Interno Bruto (PIB) tem sido historicamente baixa por conta de um passado de forte instabilidade macroeconômica; em segundo, os bancos nacionais participaram ativamente da onda de aquisições bancárias, e são hoje os líderes do mercado.
O fato de haver uma baixa relação entre crédito e PIB fez com que a atividade de intermediação se constituísse no "filão" de negócios a ser explorado.
De fato, a retomada do crescimento do produto a partir de 2004 propiciou as condições básicas para um boom do crédito no Brasil. Até então os bancos obtinham elevadas receitas derivadas de suas aplicações em títulos públicos indexados à Selic e de empréstimos a curtíssimo prazo com spreads elevadíssimos. A possibilidade de aplicação em títulos públicos livres de risco e boa rentabilidade fazia com que os bancos embutissem um elevado prêmio de risco nas suas taxas de juros.
Assim, houve um crescimento contínuo da relação entre o crédito com recursos livres e o PIB de 15% em janeiro de 2004 para 32% em abril de 2012. Até meados de 2007, esse crescimento foi puxado fundamentalmente pelo crédito para pessoa física, com destaque para o crédito pessoal, estimulado pela criação do crédito consignado. A partir de 2007 há um forte crescimento dos empréstimos para pessoa jurídica, puxado principalmente pelo crédito para capital de giro.
Com a mudança na composição da dívida pública federal - a participação da dívida indexada a taxa Selic caiu de 61% em dezembro de 2003 para 33% em dezembro de 2007 - os bancos tiveram que buscar nas operações de crédito a possibilidade de manutenção de uma lucratividade elevada.
No que se refere ao spread bancário das principais modalidades de crédito livre, houve uma acentuada queda nos spreads para pessoa física, o que entretanto não foi acompanhado de uma redução mais acentuada no spread para pessoa jurídica até 2008. A partir de 2008 há um movimento inverso: os spreads para pessoa jurídica diminuem, de 30,5% em abril de 2011 para 26,5% em abril de 2012, enquanto que o spread para pessoas físicas, em parte devido ao aumento da inadimplência, cresceu em 2010.
Assim, os bancos compensaram a perda dos ganhos de tesouraria com uma gradual expansão na oferta de crédito mantendo um spread elevado. Ou seja, auferem receitas tanto no volume das operações quanto no preço. Duas das principais modalidades de crédito - crédito consignado e aquisição de veículos - têm garantias, sendo relativamente de baixo risco. Assim, os bancos adotam uma estratégia conservadora na expansão de suas atividades, com "turn-over" e juros elevados.
Por fim, o ciclo expansivo do crédito veio acompanhado de um aumento no endividamento das famílias, que cresceu de 18% em janeiro de 2005 para 43% em março de 2012, segundo dados do BC, atingindo em particular os segmentos de baixa-média renda. A expansão do crédito tem ocorrido de forma concentrada em algumas modalidades de crédito, como capital de giro, crédito pessoal e aquisição de veículos, que mostram algum grau de saturação. Isto decorre do fato de que a taxa de crescimento do crédito tem se situado bem acima da taxa de crescimento da renda. Em um cenário de desaceleração econômica é provável que os grandes bancos varejistas venham manter spreads mais baixos mas ainda elevados, em que pese a queda na taxa de juros de curto prazo.
Luiz Fernando de Paula é professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ) e pesquisador do CNPq. É presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB). É autor do livro "Financial Liberalization and Economic Performance: Brazil at the Crossroads" (Routledge).

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