quarta-feira, 18 de julho de 2012

A maldição do vencedor

Autor(es): João Paulo da Silveira Ribeiro
O Globo - 18/07/2012
Em 2007, o Governo federal deu início à segunda etapa do programa de concessões rodoviárias com uma grande novidade. Enquanto, anteriormente, o vencedor da licitação era aquele que oferecesse o maior pagamento pela outorga no leilão, na segunda etapa o licitante que propusesse a menor tarifa dentre todos os outros seria considerado o vencedor. Essa alteração geraria tarifas consideravelmente mais baixas sem comprometer a qualidade.
Os leilões confirmaram essa presunção teórica. Mais do que isso, os resultados superaram as expectativas mais otimistas com significativos deságios em relação às previsões iniciais. Foram concedidas algumas das mais importantes rodovias do país, como a Fernão Dias e a Régis Bittencourt.
Contudo, a realidade dos fatos demonstra que a segunda etapa está distante dos objetivos almejados inicialmente.
Embora grande parte das praças de pedágios esteja funcionando, as obras estruturantes, como a ampliação do número de faixas e a construção de contornos que desatariam engarrafamentos, estão atrasadas. Como se não bastasse, os índices de acidentes em algumas concessões aumentaram expressivamente, e, mesmo com pouco tempo de execução, a maioria dos contratos já sofreu amplas renegociações.
Analisando os fatos destacados acima e considerando a abrangência dos pedidos de renegociação feitos até o momento, bem como o curto espaço de tempo em que foram pleiteados, uma das hipóteses que pode ser aventada é a incidência da winner"s curse (maldição do vencedor).
Tal fenômeno ocorre quando a licitação é vencida pela empresa que realiza as projeções mais otimistas e não por aquela que é a mais eficiente. Posteriormente, nesses casos, é comum a ocorrência de renegociações com o propósito de evitar os riscos de quebra e viabilizar a exploração da concessão.
Isto não é novo e nem raro. Pelo contrário, a maldição do vencedor é retratada na teoria econômica desde a década de 70.
A principal maneira de inibir essa prática se dá com a criação de mecanismos que dificultem ao máximo os pedidos de renegociação oportunistas. A renegociação deve ser exceção e considerada - a princípio - improvável pelos concessionários, devendo ocorrer apenas nos casos em que o particular sofra prejuízos decorrentes de riscos assumidos pelo Estado no contrato de concessão. Isto só é factível com editais e contratos bem elaborados e com suporte político para resistir a possíveis pressões.
Contudo, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem admitido renegociações na grande maioria das concessões da segunda etapa, sobretudo com a prorrogação dos prazos das obras previstas inicialmente. A ANTT argumenta que houve erros na modelagem dos editais, pois a maioria das obras de grande porte estava prevista para os primeiros anos das concessões, o que seria economicamente inviável.
Sem entrar no mérito de tais alterações, o que precisa ser enfatizado é que, quando as renegociações se tornam prováveis, o processo licitatório tende a selecionar o proponente que reúne as melhores condições para renegociar os contratos, e não aquele que exploraria a concessão com maior eficiência. Isto incentiva e potencializa projeções excessivamente otimistas no curso da licitação.
Por isso, a cultura das renegociações esvazia o processo licitatório e reduz os ganhos de eficiência que a competição propicia. Nas renegociações o concessionário não está sujeito a pressões concorrenciais possuindo melhores condições para impor sua vontade.

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