No
Brasil, não se perde a oportunidade de desenvolver uma polêmica sobre
decisões corriqueiras da autoridade monetária. No mundo, também. Em
nenhum país elas sabem muito bem o que estão fazendo.
Alguém
acredita que o Federal Reserve, o Banco Central Europeu ou o Banco
Central da China tem o "mapa" (teoria) e a "bússola" (prática segura)
para saber para onde vão indo neste mar revolto que ajudaram a
construir?
Foi obra lenta, apoiada na imaginária "ciência dos mercados
perfeitos" fabricada por uma seita da generosa e abrangente disciplina
que costumava chamar-se "economia política". Com ela colonizaram e
submeteram à sua vontade os pobres nativos que, sem imaginação,
limitam-se à produção de bens e serviços.
No
Brasil, a prova disso é a taxa de retorno do sistema financeiro. Ela
sugere ao idiota industrial, cujo capital está sendo destruído, que
tente vender a sua empresa para um idiota ainda maior. E, se tiver
sucesso, colocar o que sobrou num "fundo especulativo" protegido pela
inflação ou dolarizado. O sucesso, hoje, é virar "rentista" e viver dos
juros da dívida do governo...
O que se vê é a possibilidade de um tsunami mundial
Um
exemplo da eterna vigilância do tal "mercado" para garantir a
"dominância financeira" conquistada é a reação à decisão do Banco
Central de manter a taxa Selic em 14,25%, na reunião do dia 20. Para
entender isso, é preciso reconhecer que os economistas não são
portadores de uma "ciência". Prova disso? Na física, na química ou na
astronomia, o "progresso" são as novas questões. As perguntas mudam e
estimulam novas respostas que geram novas perguntas... Na economia, as
perguntas são sempre as mesmas. O que muda são as respostas incapazes de
respondê-las e mais incapazes, ainda, de sugerir novas perguntas.
A
propósito, quero lembrar que em 1948, o meu primeiro professor de
economia política, o francês Paul Hugon, entregou aos seus alunos um
excerto de um depoimento no Congresso dos EUA (16/5/1939) do grande
economista Alvin Hansen (o introdutor do keynesianismo naquele país),
onde revelou a sua grandeza e as limitações do seu enorme conhecimento:
"Eu
gostaria muito de prefaciar meu depoimento sobre a análise econômica e
suas conclusões. Estou seguro de que aqui trataremos de matérias que não
são sujeitas a demonstrações matemáticas inequívocas, ou a resultados
que são possíveis nos laboratórios das ciências naturais. Os dados com
os quais trabalhamos são sujeitos a erros com margens variáveis. Os
métodos com os quais os analisamos são imperfeitos. Logo, as conclusões a
que chegamos são inevitavelmente tentativas. O papel do economista no
seu esforço para interpretar as tendências econômicas deve, se ele for
honesto, ser muito modesto. Vivemos num mundo perigoso. É perigoso agir e
perigoso não agir. É perigoso dar conselhos e seria mais fácil tentar
escapar dessa responsabilidade recusando-se a fazê-lo"(...) "Eu gostaria
de pedir-lhes que tenham em mente desde o início, que todas as
pesquisas nesta área devem ser feitas com muita humildade. Dizer-lhes
que há lugar para outras competentes e honestas opiniões, tanto com
relação às tendências econômicas atuais, como para a adequada solução de
nossos problemas".
Pois
bem, 77 anos depois desse depoimento a situação não é muito diferente.
Os nossos dados continuam sujeitos a erros e os nossos métodos, mesmo
com o desenvolvimento da matematização e os avanços da econometria,
continuam "imperfeitos". A "confissão" de Alvin Hansen continua tão
válida hoje como em 1939. Podemos tomá-la como um axioma (uma verdade,
que por sua evidência, dispensa prova). Logo, discutir as decisões do
Banco Central não é apenas possível mas, provavelmente, necessário.
Pode
a declaração do presidente Tombini ser considerada uma heresia só
porque "não há evidência na história que o BC do Brasil tenha feito isso
antes"? Pode o simples fato de que ele tenha visitado a presidente ser
suficiente para afirma-se que "o BC perdeu o que lhe restava de
credibilidade"? Não é possível que ele tenha ido a ela para expor o
problema do mundo? Pode alguém, invocando uma inexistente "ciência
monetária", dizer que "foi grave erro decepcionar o mercado" não
aumentando a taxa Selic? Poder, pode. Mas tem que se reconhecer que ela
produziria, certamente, o aumento da dívida pública/PIB, cuja dinâmica
já é preocupante e um efeito mais do que duvidoso sobre a já
desconfortável taxa de inflação. Há uma tendência ao aprofundamento do
desemprego e a magnitude da correção de preços já processada não se
repetirá (aumento de 18% dos preços administrados e 50% no câmbio).
Ademais, com um desemprego que se aproxima de 10 milhões de
trabalhadores e a ameaça do agravamento do quadro fiscal, é difícil
imaginar que a política monetária do Banco Central possa "salvar o
Brasil".
Talvez
o boletim Focus revele um aumento na expectativa de inflação. Mas não é
possível esquecer que a semana que se encerrou em 23 de janeiro revelou
fenômenos novos e assustadores que estão ocorrendo no mundo em que
estamos inseridos. "Vivemos num mundo perigoso", como disse Hansen.
Tombini se assustou não com a previsão sobre o Brasil (não muito
diferente da do nosso Banco Central), mas com o que vemos no mundo que,
como de costume, é muito diferente do que vê o FMI. O que se vê é a
possibilidade de um tsunami mundial a partir do 2º semestre de 2016!
Antonio
Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda,
Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
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