quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Quando o mundo muda, eu mudo. E você?

No Brasil, não se perde a oportunidade de desenvolver uma polêmica sobre decisões corriqueiras da autoridade monetária. No mundo, também. Em nenhum país elas sabem muito bem o que estão fazendo.
Alguém acredita que o Federal Reserve, o Banco Central Europeu ou o Banco Central da China tem o "mapa" (teoria) e a "bússola" (prática segura) para saber para onde vão indo neste mar revolto que ajudaram a construir?
Foi obra lenta, apoiada na imaginária "ciência dos mercados perfeitos" fabricada por uma seita da generosa e abrangente disciplina que costumava chamar-se "economia política". Com ela colonizaram e submeteram à sua vontade os pobres nativos que, sem imaginação, limitam-se à produção de bens e serviços.
No Brasil, a prova disso é a taxa de retorno do sistema financeiro. Ela sugere ao idiota industrial, cujo capital está sendo destruído, que tente vender a sua empresa para um idiota ainda maior. E, se tiver sucesso, colocar o que sobrou num "fundo especulativo" protegido pela inflação ou dolarizado. O sucesso, hoje, é virar "rentista" e viver dos juros da dívida do governo...
O que se vê é a possibilidade de um tsunami mundial
Um exemplo da eterna vigilância do tal "mercado" para garantir a "dominância financeira" conquistada é a reação à decisão do Banco Central de manter a taxa Selic em 14,25%, na reunião do dia 20. Para entender isso, é preciso reconhecer que os economistas não são portadores de uma "ciência". Prova disso? Na física, na química ou na astronomia, o "progresso" são as novas questões. As perguntas mudam e estimulam novas respostas que geram novas perguntas... Na economia, as perguntas são sempre as mesmas. O que muda são as respostas incapazes de respondê-las e mais incapazes, ainda, de sugerir novas perguntas.
A propósito, quero lembrar que em 1948, o meu primeiro professor de economia política, o francês Paul Hugon, entregou aos seus alunos um excerto de um depoimento no Congresso dos EUA (16/5/1939) do grande economista Alvin Hansen (o introdutor do keynesianismo naquele país), onde revelou a sua grandeza e as limitações do seu enorme conhecimento:
"Eu gostaria muito de prefaciar meu depoimento sobre a análise econômica e suas conclusões. Estou seguro de que aqui trataremos de matérias que não são sujeitas a demonstrações matemáticas inequívocas, ou a resultados que são possíveis nos laboratórios das ciências naturais. Os dados com os quais trabalhamos são sujeitos a erros com margens variáveis. Os métodos com os quais os analisamos são imperfeitos. Logo, as conclusões a que chegamos são inevitavelmente tentativas. O papel do economista no seu esforço para interpretar as tendências econômicas deve, se ele for honesto, ser muito modesto. Vivemos num mundo perigoso. É perigoso agir e perigoso não agir. É perigoso dar conselhos e seria mais fácil tentar escapar dessa responsabilidade recusando-se a fazê-lo"(...) "Eu gostaria de pedir-lhes que tenham em mente desde o início, que todas as pesquisas nesta área devem ser feitas com muita humildade. Dizer-lhes que há lugar para outras competentes e honestas opiniões, tanto com relação às tendências econômicas atuais, como para a adequada solução de nossos problemas".
Pois bem, 77 anos depois desse depoimento a situação não é muito diferente. Os nossos dados continuam sujeitos a erros e os nossos métodos, mesmo com o desenvolvimento da matematização e os avanços da econometria, continuam "imperfeitos". A "confissão" de Alvin Hansen continua tão válida hoje como em 1939. Podemos tomá-la como um axioma (uma verdade, que por sua evidência, dispensa prova). Logo, discutir as decisões do Banco Central não é apenas possível mas, provavelmente, necessário.
Pode a declaração do presidente Tombini ser considerada uma heresia só porque "não há evidência na história que o BC do Brasil tenha feito isso antes"? Pode o simples fato de que ele tenha visitado a presidente ser suficiente para afirma-se que "o BC perdeu o que lhe restava de credibilidade"? Não é possível que ele tenha ido a ela para expor o problema do mundo? Pode alguém, invocando uma inexistente "ciência monetária", dizer que "foi grave erro decepcionar o mercado" não aumentando a taxa Selic? Poder, pode. Mas tem que se reconhecer que ela produziria, certamente, o aumento da dívida pública/PIB, cuja dinâmica já é preocupante e um efeito mais do que duvidoso sobre a já desconfortável taxa de inflação. Há uma tendência ao aprofundamento do desemprego e a magnitude da correção de preços já processada não se repetirá (aumento de 18% dos preços administrados e 50% no câmbio). Ademais, com um desemprego que se aproxima de 10 milhões de trabalhadores e a ameaça do agravamento do quadro fiscal, é difícil imaginar que a política monetária do Banco Central possa "salvar o Brasil".
Talvez o boletim Focus revele um aumento na expectativa de inflação. Mas não é possível esquecer que a semana que se encerrou em 23 de janeiro revelou fenômenos novos e assustadores que estão ocorrendo no mundo em que estamos inseridos. "Vivemos num mundo perigoso", como disse Hansen. Tombini se assustou não com a previsão sobre o Brasil (não muito diferente da do nosso Banco Central), mas com o que vemos no mundo que, como de costume, é muito diferente do que vê o FMI. O que se vê é a possibilidade de um tsunami mundial a partir do 2º semestre de 2016!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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